Representatividade LGBTQIA no audiovisual

Apesar de trajetória difícil, número de personagens em obras audiovisuais têm aumentado nos últimos anos

Matheus Monteiro
Dados e Jornalismo
Published in
6 min readJun 19, 2021

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Por Matheus Monteiro, Julia Andrade e Luis Fernando Raposo

A representatividade LGBTQIA+ é uma pauta que vem sendo discutida há algum tempo. Isso é algo que se reflete na própria sigla atual do movimento, que a cada dia cresce mais para incluir mais pessoas. Surgindo inicialmente como o movimento GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), as novas formas de identidade sexual e de gênero que foram descobertas fez com que a essa sigla caísse.

Hoje em dia, a sigla LGBTQIA+ engloba as pessoas que são lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trangêneros, queer, intersexuais e assexuais. Diante dessas novas identidades, veio também uma maior visibilidade para o movimento. Não se podia mais ignorar a existência dessas pessoas que fugiam da norma heterossexual-cisgênera.

LGBTs NO AUDIOVISUAL

A maior aparição de membros da comunidade em filmes, novelas e seriados foi inevitável. Por mais que o cenário ainda esteja em um estágio de mudança, pouco a pouco eles passam a preencher esses espaços e a ter mais protagonismo.

Tal transformação se deve muito às reivindicações feitas por pessoas LGBTQIA+, que cada vez mais cobraram a inclusão de personagens que os representassem nessas obras. As premiações internacionais do Emmy atestam que essas reivindicações tiveram efeito e a Academia passou a notar alguns personagens e premiá-los.

Na edição de 2019, Billy Porter ganhou o prêmio pelo seu personagem Pray Tell, da série Pose. Além dele, Jodie Comer foi premiada por sua performance como Villanelle em Killing Eve e RuPaul venceu como Melhor Apresentador em Reality Show, por RuPaul’s Drag Race.

Em 2018, RuPaul também ganhou na mesma categoria. Além dele, Samira Wiley ganhou por sua personagem em The Handmaid’s Tale e Darren Criss venceu pela sua participação em American Crime Story como Andrew Cunanan.

Da esquerda para direita: Billy Porter, Jodie Comer e RuPaul segurando seus prêmios no Emmy 2019
Da esquerda para direita: RuPaul, Samira Wiley e Darren Criss no Emmy 2018

A REPRESENTATIVIDADE BRASILEIRA

Tratando-se do cenário nacional, a representatividade LGBTQIA+ teve uma trajetória bastante conturbada. Um estudo da Super Interessante apontou que -25% dos personagens LGBTQIA+ tiveram finais felizes em novelas dos anos 70.

É fato que abordar a questão da diversidade era um assunto bem mais delicado há algumas décadas, principalmente por conta do conservadorismo presente no Brasil. Isso é algo que se reflete diretamente no trabalho dos atores, como foi o caso de André Gonçalves, que interpretava Sandrinho na novela “A Próxima Vítima”. Exibida a primeira vez em 1995, o ator contou que ouvia muitas ofensas homofóbicas nas ruas.

Um exemplo de final trágico para personagens LGBTQIA+ foi o caso de Leila e Rafaela, interpretadas respectivamente por Silvia Pfeifer e Christiane Torloni em “A Torre de Babel” (1997). Por conta da rejeição do público, as duas personagens morreram em uma grande explosão em um shopping.

Apesar de serem casos antigos, vale ressaltar que esse conservadorismo no país não é algo presente apenas na década de 90. Em 2015, depois de ser exibido um beijo entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathália Timberg na novela “Babilônia”, o deputado Marco Feliciano promoveu um boicote a Natura — uma das patrocinadoras da novela — pedindo que as pessoas parassem de consumir os produtos da empresa.

Em contrapartida, mesmo diante de todo esse preconceito, o estudo da Super Interessante diz que a partir dos anos 2010, o índice de finais felizes para personagens LGBTQIA+ subiu para 73%.

Além disso, a quantidade de personagens da comunidade aumentou consideravelmente nessa última década. Entre 2017 e 2019, cerca de 15 personagens LGBT marcaram presenças em novelas. Alguns deles causaram mais repercussão, como o Ivan de “A Força do Querer”, Luccino e Otávio de “Orgulho e Paixão” e Samantha e Lica de “Malhação: Viva a Diferença”, essa última ganhando um Emmy Internacional em 2019.

Apesar da complexidade da trama ter sido elogiada em “A Força do Querer”, a novela recebeu muitas críticas pelo “trans fake”, por não ter colocado um ator trans para interpretar Ivan. Já em “A Dona do Pedaço”, exibida em 2019, a atriz Glamour Garcia — que é transexual na vida real — interpretou uma mulher trans na novela que lhe rendeu o troféu de Atriz Revelação no Melhores do Ano de 2019, sendo a primeira trans a vencer a premiação.

Ainda falando de finais felizes, o estudo aponta que 80% dos personagens transexuais tiveram finais felizes em novelas. Dentre os LGBTQIA+, as pessoas trans lideram nessa categoria.

Da esquerda para a direita: Ivan (A Força do Querer), Luccino e Otávio (Orgulho e Paixão) e Lica e Samantha (Malhação: Viva a Diferença)

O PRECONCEITO NO MEIO ARTÍSTICO

Mesmo que haja mais personagens LGBTs na mídia, o preconceito ainda é muito presente no meio artístico. Gabriel Natividade, jovem ator carioca, se define como um “repelente de job” por conta do preconceito que enfrentou na sua carreira por ser preto, gordo e gay. Para ele, apesar da sua vasta experiência no teatro e de boas oportunidades obtidas, a sensação de ser a segunda opção sempre existiu.

Na sua trajetória como artista, Gabriel observou que o mercado se fechava cada vez mais e que por isso muitos artistas se reinventaram, atuando nos palcos e no audiovisual independente. Ele pôde perceber que os bastidores são limitados e antiquados.

“A representatividade LGBT na TV brasileira é apenas um protocolo a ser cumprido, na qual muitas dessas representações acabam erotizando ou estereotipando o personagem para satisfazer uma parcela da população que se esconde atrás do preconceito”.

Como todo ator, Gabriel almeja interpretar personagens que sejam diferentes dele. Entretanto, com toda a questão da discriminação, ele se vê desencorajado pelo mercado, pela mídia e pelos colegas de trabalho.

Para a comunicadora Isabelle Saint Martin — autora de uma monografia sobre a falta de representação LBT no telejornalismo — , o Brasil é um país que possui um forte sistema cis-hétero-religioso-patriarcal, algo que só foi ainda mais reforçado com a eleição do atual presidente.

Isabelle afirma que o fato de o Brasil ser o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo, limita a comunidade de ocupar espaços não só de evidência mas também de bastidores, fazendo com que muitos personagens ainda sejam estereotipados e os holofotes se voltem para homens brancos, cis, gays e afeminados.

“É necessário o conhecimento da comunidade LGBTQIA+ e isso precisa vir de quem escreve, de quem dirige, de quem cria, a representatividade já começa no berço do projeto”.

A respeito dos impactos das premiações, Isabelle acredita que elas de fato causam impacto por conta da influência das culturas dominantes no Brasil.

“Qualquer tipo de visibilidade para a existência LGBTQIA+ já é um grande avanço. Já no cenário nacional, porém, ainda se carece muito de personagens LGBTQIA+, que de fato trazem representatividade para a comunidade.”

STF E A HOMOFOBIA

Como lembrado por Isabelle, o Brasil é o país que mais mata gays no mundo. Porém, junto ao avanço das representações no audiovisual, também houve mudanças em relação a forma como Estado trata os crimes de discriminação.

Em 2019, por conta da demora do setor legislativo em criar uma lei que proteja cidadãos LGBTQIA+, o STF reconheceu homofobia e transfobia como crime de racismo até o congresso aprovar lei uma sobre o tema. Com isso, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia.

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Matheus Monteiro
Dados e Jornalismo

Sou um estudante de Jornalismo fascinado pela área do Entretenimento. Editor do blog Consoledando Games, voltado para o público geek.