Tucanos à prova d’àgua?

Rayane Dias
Dados e Jornalismo
Published in
6 min readApr 25, 2018

Levantamento mostra que, até hoje, nenhum político do PSDB foi preso ou condenado, apesar de a legenda figurar em quarto lugar com 15 investigados

Completados quatro anos de seu início, a Operação Lava Jato continua enfrentando críticas por possível seletividade. Um levantamento das investigações mostra que, até hoje, nenhum político do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi preso ou condenado, apesar de a legenda figurar em quarto lugar em número de investigados, com um total de 15 políticos.

Para o cientista político Marcio Malta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), não há imparcialidade na operação. “O tratamento não é o mesmo, haja vista a empatia que o juiz federal Sergio Moro, símbolo da Lava Jato, mostra pelo PSDB. Além do ato público emblemático com Aécio, nas suas ações o magistrado demonstra o mesmo tipo de afinidade e aproximação pela sigla”, acusa.

O Partido dos Trabalhadores (PT), que comandou o governo de 2003 a 2016, lidera em número de políticos condenados e investigados e teve seu principal representante, o ex-presidente Lula, preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Porém, em comparação ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido do presidente Michel Temer, apresenta o mesmo número de investigados, que só possui 16,6% de condenados.

Professor da FGV Direito Rio, Michael Mohallem destacou que não se pode definir o PT como o ‘mais corrupto’. “É apenas uma evidência que foi o mais investigado. A corrupção não é ligada a nenhum partido, ela é sistêmica. Se houver a mesma profundidade na investigação dos demais acredito que o resultado vai ser o mesmo ou maior”, crê.

O senador Aécio Neves, presidente do PSDB até dezembro, foi o primeiro político da sigla a ser réu na operação. No último dia 17 de abril, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia de corrupção passiva e obstrução de justiça contra o senador, com base na megadelação dos empresários Joesley e Wesley Batista, donos da Holding J&F.

Aécio, entretanto, pôde voltar ao mandato por votação dos colegas da Casa, após ser afastado pelo STF. O tucano foi denunciado pela Procuradoria Regional da República por supostamente receber R$ 2 milhões da JBS como propina e atuar com o presidente Temer para impedir o andamento da Lava Jato.

‘Há uma proteção dos Estados aos políticos’, diz especialista

Ao rebater as críticas de falta de isenção na Lava Jato, o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula afirmou que “é natural que o PT seja o partido mais atingido pelas investigações, já que ficou mais de dez anos no poder.”

O especialista Marcio Malta rebate o argumento. “A Justiça não tem o mesmo vigor e clamor midiático em relação aos partidos, assim como a rapidez em tratar os casos. A PF algemar alguns políticos e outros não, por exemplo”, critica.

Já Mohallem ressalta o caso de Aécio. “Há uma proteção do Estado aos políticos, isso dificultou a prisão do senador, que tem foro privilegiado. Mas nesse processo a investigação chegou ao STF, e o Senador protegeu o colega da Casa.”

Questionado sobre a motivação desse possível favorecimento do PSDB, Malta é incisivo. “A Lava Jato tem claramente uma fundamentação política. No decorrer das investigações, outros partidos acabaram sendo arrolados. Porém, há um ódio por parte dos setores da elite que age como um bloco para impedir qualquer transformação social no Brasil, como fez o PT.”

O cientista da FGV tem opinião mais branda. “É impossível o Ministério Público e a justiça darem conta de todos as investigações simultaneamente. Então escolhas têm que ser feitas, mas é difícil entender qual é o critério. Já que o partido da oposição teve seus casos acelerados, seria o momento de outros processos andarem com mais seletividade”, sugere Mohallem.

O caso de Alckmin

Pré-candidato oficial do PSDB para concorrer à Presidência e governador de São Paulo, Geraldo Alckmin tem no histórico uma nebulosa investigação sobre um cartel em licitações de trens e metrô no estado, além de denúncia de suposto recebimento de caixa-dois nas eleições de 2010 e 2016 pela Odebrecht.

No caso do cartel, a empresa Siemens já foi inclusive condenada na Alemanha, onde dirigentes assumiram a ligação indevida com o governo de São Paulo.

“Há um rastro de seletividade no avanço dos processos judiciais. Nesse fato, uma relação promíscua do MP Estadual com o governo, uma atuação absolutamente diferente do MPF. Quanto mais o tempo passa, as provas ficam mais frágeis. É curioso a empresa ser condenada em outro país e no Brasil a Justiça nem investigar”, avalia o cientista político Mohallem.

Segundo o jornal ‘Folha de S.Paulo’, para não manchar a imagem para as eleições, Alckmin deve solicitar ressarcimento do dano causado pela Siemens, em linha com a narrativa de que o Estado foi vítima.

Corrupção trava obras

A Operação Lava Jato deixou um rastro de mais de R$ 90 bilhões em obras paradas de Norte a Sul do Brasil, como da Unidade de processamento de Gás Natural (UPGN) no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí.

Com duas empresas investigadas na operação, a Queiroz Galvão e Iesa, a construção teve de ser interrompida em 2015. A Petrobras estima para o início do segundo semestre a retomada das obras da. No último dia 28, a empresa assinou contrato com o consórcio formado pela chinesa Shandong Kerui e Método Potencial no valor de R$ 1,9 bilhão para realização das obras.

A Petrobras decidiu construir a UPGN na área do Comperj, por ser uma unidade fundamental para receber o gás natural que será produzido nos campos do pré-sal na Bacia de Santos a partir de 2020. No COMPERJ, cujo projeto original previa a construção de uma refinaria, foram gastos cerca de US$ 14 bilhões. A paralisação das obras gerou forte impacto em Itaboraí e demais municípios vizinhos, com o desemprego de cerca de 30 mil trabalhadores.

O morador de Itaboraí Renan Santiago, de 35 anos, foi um dos trabalhadores de um estaleiro da região que perdeu o emprego. “Víamos casas sendo construídas as pressas para abrigar os novos moradores e um terreno que antes não valia nem R$ 1 mil, passava a valer R$ 10 mil da noite para o dia. Mas o que era um sonho, virou um pesadelo. Eu perdi meu emprego e muitos outros amigos também. O pior é que a crise já tinha se instalado no país e nem no estaleiros de Niterói, onde sempre conseguíamos uma vaga, não tinha mais. Vários estaleiros fecharam e nós ficamos à deriva numa cidade fantasma”, contou.

Motorista de uber, Renan tem a expectativa de conseguir de volta um emprego fixo com a retomada das obras do Complexo. “É uma nova oportunidade que se abre, hoje eu nunca sei quanto vou ganhar no mês. Acredito que vai trazer uma vida nova para a cidade. Muita gente vai querer voltar porque são milhares de empregos”, ponderou.

Rayane Dias e Luana Dandara

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