O preço do voto e a sub-representação feminina nas Eleições Municipais na Bahia em 2020
O primeiro turno das Eleições Municipais de 2020 aconteceu no dia 15 de Novembro e definiu os vereadores eleitos em todo o Brasil. Ao final da eleição, acompanhamos apenas os candidatos vencedores. Isto não nos traz uma compreensão de todo o processo eleitoral e, além disso, pode distorcer nossa visão devido ao viés de sobrevivência: quando nos concentrarmos apenas nos sobreviventes a algum processo enquanto ignoramos aqueles que foram eliminados. Os resultados completos da eleição, incluindo os candidatos que não foram eleitos, podem dar uma visão mais aprofundada do processo eleitoral e de quem sãos nossos candidatos — vitoriosos ou não.
Quanto custa um voto para vereador na Bahia? Quais as campanhas que mais gastaram dinheiro? Será que dinheiro e número de votos andam sempre juntos? Quais são as campanhas mais eficientes (que gastaram pouco e elegeram um vereador)? Como é a representatividade feminina nas eleições? Tudo isto pode ser parcialmente respondido pelos resultados da votação, graças aos dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O Dadoscope baixou os dados do resultado das eleições para vereador na Bahia, disponibilizados no site do TSE, e analisamos esses dados de forma exploratória.
Candidatos sem votação
A primeira curiosidade das análises vem do fato que muitos candidatos não tiveram sequer um único voto. Não conquistaram nem o seu próprio voto! Nesta eleição, por exemplo, tivemos 644 candidatos a vereador na Bahia nesta situação. De todos os partidos, o campeão de candidatos sem votos na Bahia foi o PSD. Foram 54 candidaturas sem voto algum. A lista completa dos candidatos sem voto você confere aqui.
Entre os candidatos sem voto, destaca-se a candidata Valcimeire Santos (MDB) de Salvador. Apesar de ter declarado cinco mil reais em despesas com o pleito, o maior gasto registrado entre os candidatos sem voto, Valcimeire não obteve nem o seu próprio voto. Este dinheiro veio de repasses do Tesouro Nacional, o chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Nos últimos anos, o FEFC vem mudando a forma de financiamento nas campanhas eleitoras do Brasil.
Candidatos com apenas um voto
Ao lados dos candidatos sem voto, temos outro particularmente curioso: os candidatos com apenas um voto — o seu próprio, provavelmente. A lista com os 462 nomes candidatos com apenas um voto, é acessível neste link. Novamente, o partido campeão foi o PSD, com 48 candidaturas neste grupo. Destes candidatos, o destaque vai para Marivalda dos Santos, do PSOL de Maragogipe, que recebeu R$ 6.751,06 dos cofres públicos através do FEFC e não fez um bom uso do dinheiro, conquistando apenas um único voto. Trata-se de um montante significativo de gastos considerando que o município tem 46.106 habitantes e o PIB per capita é R$ 7.429,63 (Fontes dos dados: IBGE — PIB-2018).
Somadas as arrecadações de todos os candidatos com até um voto, o montante chega a R$ 257.616,98 reais. Deste total, R$ 94.073,89 é proveniente de verba pública e R$ 163.543,09 de outros fundos. Todo este dinheiro parece sugerir um imenso desperdício. Por que estes candidatos investiriam em uma campanha se não conseguiriam nenhum voto além do seu próprio? Entramos em contato por e-mail com as candidaturas mencionadas, porém até o momento da publicação não obtivemos resposta.
Juntando os dois grupos (candidatos sem votos e aqueles com voto único), temos no total 1.106 candidatos. Abaixo, é possível conferir a distribuição destes candidatos por partido político:
Custo por voto
Outro fator que nos ajuda a entender as eleições é o custo por voto, obtido dividindo os gastos do candidato pelo número de votos obtido. Em geral, o processo eleitoral funciona bem e temos um baixo custo por voto, como mostra o histograma abaixo:
Ao dividirmos o valor declarado pela(o) candidata(o) pelos número de votos que obteve, obtemos o custo por voto. Grande parte dos votos custa entre 0 e 5 reais. O gráfico acima indica também que a absoluta maioria das campanhas obteve um custo por voto menor que 60 reais. No entanto, ainda que o processo funcione bem como um todo, temos alguns casos esdrúxulos e interessantes que requerem atenção pelos partidos e pelo TSE a fim de aprimorar o processo eleitoral.
Votos: entre os salgados e os baratos
O maior custo por voto foi o da candidata Marivalda, que citamos acima. Ela arrecadou quase 7 mil reais para conquistar apenas um voto. Ainda mais impressionante é o candidato João de Araújo — Araújo na urna — do PATRIOTA de Camaçari. O candidato também recebeu recursos do FEFC, declarou 𝑅$ 119.987,85 em despesas (o 23º que mais gastou na campanha na Bahia) e obteve apenas 42 votos, totalizando um custo por voto de 𝑅$ 2.856,85, o quinto mais caro na Bahia.
Os menores custos por voto também são curiosos. O candidato Marcos Afonso de Freitas (MDB), de Vera Cruz — Marquinhos na urna —, gastou menos de um centavo por voto. Embora tenha declarado mil reais — recurso pessoal que ele próprio investiu em sua campanha — os gastos declarados foram apenas R$ 1,50 de tarifa bancária. Esta é a mesma situação de diversos outros candidatos, que declararam apenas tarifas bancárias. Você confere a lista de todos os vereadores que gastaram menos de um real por voto aqui.
O custo do voto dos candidatos eleitos
Para um político, não adianta apenas economizar na campanha. É preciso se eleger. Por outro lado, quanto menor o custo para obtenção de votos, mais eficiente é a campanha. Nesta balança dos custos de votos entre as candidaturas vitoriosas no pleito, quem mais se sobressai? O gráfico abaixo mostra os dez maiores custos por voto entre os vereadores eleitos na Bahia:
O maior custo por voto entre os eleitos foi da candidata Lionete Matsui — Lia Arigatô na urna — do AVANTE de Porto Seguro. Investindo R$ 69.288,00 em sua campanha, ela obteve 648 votos, resultando num custo por voto de R$ 106,92. Alguns candidatos tiveram custo por voto ainda maior, como vimos acima, porém não foram eleitos. A lista com todos os candidatos que tiveram um custo por voto maior que o de Lia está disponível aqui.
Entre os menores custos, destaques para Raimundo Nonato Trindade dos Santos (Mundeco na urna) do PRTB de Juazeiro e Genison Feitosa do Nascimento (Gêge), do PSB de Itapetinga.
O candidato Mundeco teve a campanha eleita mais eficiente em custos por voto da Bahia, com apenas 36 reais de despesas registradas em taxas bancárias e angariando 1.089 votos, com um custo médio de 3 centavos por voto.
Gêge declarou arrecadação de 1.523 reais, porém só registrou 28 reais (também em taxas bancárias) e angariou 283 votos, ficando com um custo por voto de aproximadamente 10 centavos.
Sabemos que uma campanha não se faz apenas com custos de tarifas bancárias. Por que os candidatos registraram os gastos apenas em tarifas bancárias? Também entramos em contato com estes candidatos por email e não obtivemos resposta até o momento da publicação.
Representatividade feminina nas candidaturas
Outro ponto importante é a representatividade feminina. A Lei nº 9.504/1997, alterada em 2009 pela Lei 12.034/2009, prevê que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.”
A Bahia é composta por 51,6% de mulheres. São 7,663 milhões de mulheres, enquanto os homens somam 7,190 milhões segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) 2019. No entanto a proporção de mulheres entre candidaturas a vereador é de apenas 33%, pouco acima do limite mínimo estipulado por lei.
Se analisarmos entre as candidaturas eleitas, os números são ainda piores: apenas 13% são vereadoras.
Isto indica uma desvalorização das candidaturas femininas por parte do eleitorado. Entre as muitas justificativas possíveis está a de que os partidos não valorizam suas campanhas femininas. Esta hipótese é reforçada por outro achado: candidaturas sem gasto e com votação inexpressiva.
Candidaturas sem gasto e votação
A análise dos dados permitiu identificar candidaturas que chamaram bastante nossa atenção. Trata-se de candidaturas que não relatam despesas e que obtiveram uma votação inexpressiva, de menos de 8 votos. Predominam nesta situação as candidatas mulheres, o que pode indicar que tenham sido incluídas somente para cumprir a cota feminina.
Ao todo, foram 2.724 candidaturas com menos de 8 votos e sem gastos. Destas, 1.871 são de mulheres. Mais que o dobro dos candidatos homens (853) na mesma condição.
No total de candidaturas a proporção se inverte. Os homens são 24.865 enquanto o total de mulheres candidatas foi metade disso: 12.356. O gráfico abaixo mostra a proporção de gênero entre os candidatos a vereador. Do lado esquerdo, todas as candidaturas. Do lado direito, as inexpressivas.
Este dado está relacionado ao uso do que normalmente se considera candidaturas laranjas para o cumprimento das cotas. Casos como estes já levaram a alguns processos e punições. Em 2019, o TSE caçou toda uma coligação com candidaturas laranja na cidade de Valença do Piauí (PI), referente à eleição de 2016. Na eleição de 2020, em Feira de Santana (BA), alguns vereadores poderão perder o cargo por causa de candidaturas laranja em seus partidos.
Por partido
Nenhum partido teve uma participação feminina muito acima do limite mínimo, de 30%. Os partidos com maior participação feminina foram o PSOL e PC do B*, com cerca de 35% de candidaturas femininas, enquanto PRTB e NOVO são os dois com menor participação, ficando no mínimo exigido, de aproximadamente 30%.
Recortando apenas as candidaturas femininas por partido, temos o gráfico abaixo, ordenado pelo número de candidaturas inexpressivas:
Este outro gráfico ordena os partidos por percentual de candidaturas inexpressivas. Os 5 partidos com maior percentual de candidaturas femininas inexpressivas são: Partido Trabalhista Cristão (PTC), Democracia Cristã (DC), Partido Social Liberal (PSL), Cidadania e Patriota:
Em termos de financiamento e efetividade no gasto do dinheiro, no geral o processo eleitoral funciona bem. Os casos destacados ao longo do texto são exceções a regra e merecem ser destacados para uma melhoria do processo eleitoral.
Por outro lado, ainda temos um longo caminho pela frente para tornar a representatividade feminina equilibrada, sendo este um problema muito maior do que o mau uso do dinheiro nas campanhas.
Em um país composto por 51,8% de mulheres, o gênero feminino é dramaticamente sub-representado na governança. As cotas femininas, garantidas em lei, são um passo nesta direção. Mas, como mostramos, esta medida sozinha parece não ser suficiente. Além de ser aparentemente burlada em muitas situações, não há incentivo para que os partidos invistam em candidaturas femininas — nenhum partido teve uma participação feminina consideravelmente acima do limite mínimo.
* O PSTU e o UP tiveram 50% de participação feminina entre os vereadores, porém tiveram apenas 2 e 10 candidaturas ao todo, respectivamente. Como estes números estão muito abaixo dos outros partidos, não entraram no resultado.
Dados e código
Os dados desta análise estão disponíveis no site do TSE através deste link. O código desta análise na íntegra pode ser encontrado no GitHub. Na página do TSE, constam 38.839 candidaturas, porém nos dados disponibilizados constam apenas 35.953. Destes, 16.024 não prestaram contas das despesas ao TSE (44,57%).
Contatos
Todas as candidaturas citadas no texto foram contactadas pelo email disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral com uma semana de antecedência. Até o momento da publicação, nenhuma candidatura respondeu ao contato.
Sobre os autores
Guilherme Wanderley: Estudante de Engenharia da Computação na Universidade Estadual de Feira de Santana. Voluntário no Dados Abertos de Feira. Atualmente pesquisando Processamento de Linguagem Natural.
Charles Novaes de Santana: Cientista da computação, mestre e doutor em mudanças climáticas, com experiência no uso de técnicas de inteligência artificial e de aprendizado estatístico para responder perguntas interdisciplinares. É co-fundador de DataSCOUT, apaixonado por fractais, redes complexas, e por identificar padrões escondidos em amontoados de dados.
Tarssio Barreto: Estudante de doutorado do Programa de Engenharia Industrial da Universidade Federal da Bahia. Dedica o seu tempo ao aprendizado de máquina com particular interesse na interpretabilidade de modelos black box e qualquer desafio que lhe tire o sono!
Fernando Barbalho — Doutor em Administração pela UnB (2014). Pesquisa e implementa produtos para transparência no setor público brasileiro. Usa R nos finais de semana para investigar perguntas que fogem às finanças públicas.
Leonardo F. Nascimento — Doutor em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos — IESP/UERJ (2013). Pesquisa temas relacionados à sociologia digital e aos métodos digitais de pesquisa. Atualmente é professor do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação e coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA.
Henrique Gomide — Professor na Universidade Federal de Viçosa. Mestre e doutor em Psicologia. Trabalhou como cientista de dados na área de saúde suplementar. Tem como principais interesses a aplicação de técnicas quantitativas e inovação nas áreas de saúde e educação.