4 Atividades Necessárias para a Cultura do Reino

Igreja e Cultura do Reino

Daniel Romagnoli
Daniel Romagnoli
10 min readSep 28, 2016

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Me lembro do primeiro semestre de seminário. Iniciou o primeiro período e era de uma das matérias obrigatórias da faculdade. Na aula anterior o professor havia perguntado o nome de cada aluno e o motivo que cada um estava cursando teologia. Ele iniciou a aula dizendo “vocês estão empolgados! isso é normal pois estão somente no 1º semestre, mas vocês vão perceber que essas ideias revolucionários irão passar pois entenderão que não vão mudar o mundo. A igreja vai continuar sendo como ela é…” Isso foi um chute no meu estômago. Naquele momento pensei “o que estou fazendo aqui?” Iniciou a segunda aula. Outro professor entrou quieto, ligou o multimedia e projetou o fundo de tela do laptop dele. Estava escrito “Amo a Igreja Local”. Fiquei confuso pois a aula anterior foi um balde de água nórdica que congelou minhas entranhas. Ele começou a aula perguntando “o que é igreja?” Naquele momento não sabia que seria a pergunta que faria todos os dias a partir daquele dia. Hoje quero falar sobre a Igreja e a Cultura do Reino.

Quando falamos e pensamos sobre a Igreja, muitos pensam na sua própria igreja. Pensam no contexto atual da sua igreja, nas atividades e dinâmicas das igrejas. Muitos pensam nas igrejas que estão renovando e até mesmo criando novas tendências. Mas a ideia de igreja não é coisa recente e moderna dos últimos 100 anos. Se estamos aqui hoje, como Igreja, é porque algo foi feito há milhares de anos a trás.

Quando Deus se revela para Abrão (e depois chamado de Abraão), Ele não somente está mudando o rumo da vida desse homem, mas inicia uma longa história de um Deus que está chamando um povo para si. Precisamos relembrar que Abrão era politeísta, e ao decorrer da história Israel Deus estava agindo, criando alianças e leis, a fim de que todos saibam que há um único Deus que é real, vivo e poderoso, e que está separando uma nação para si.

Vemos isso de forma clara com o Shemá (Deutoronomio 6:4), nos 10 Mandamentos e nas 613 demais leis no Antigo Testamento. Vemos isso de forma clara em todos os ritos estabelecidos no livro de Levítico. As 10 pragas do Egito eram manifestações divinas que confrontavam cada deus do Egito. Com isso, percebemos Deus declarando seu monoteísmo. Em Levítico, vemos que as práticas estabelecidas são para separar o povo escolhido das práticas comuns da época. É nítido isso quando o profeta Samuel faz o pedido do povo à Deus para escolher um Rei. A resposta clara de Deus era de que Ele era Rei, mas que cumpriria o pedido tolo do povo. Para resumir, ao longo de toda história Deus está separando um povo para si. Esse povo tem suas próprias práticas, músicas, e, por fim, sua própria cultura: Cultura do Reino.

A igreja é uma extensão disso. Jesus vem, cumprindo tudo do Antigo, e inicia algo chamada igreja. Jesus comissiona os Apóstolos para o cumprimento de sua missão (Mateus 28:19–20). No livro de Atos temos o registro do inicio dessa Igreja. Concordo com alguns teólogos que Atos dos Apóstolos deveria ser chamado de Atos do Espirito Santo pois vemos a ação clara do Espirito Santo para a formação dessa nova comunidade de fé.

Quando pensamos sobre o que é a Igreja, muitos buscam em Atos os “segredos” da primeira igreja. Cria-se formulas e receitas, a maioria a luz de Atos 2. Acredito que há uma base para ser seguido, mas os métodos, planejamento estratégico, formação de governo, e etc, fica em aberto. Percebemos que a igreja, ao decorrer do livro de Atos, considerando as cartas para as igrejas por Paulo e as cartas pastorais, está tentando entender como se organizar e como proceder. Porém há 4 características, ou melhor atividades que acredito que toda igreja deve ter. Essas atividades são: ensino, comunhão, partir o pão, e a oração. Acredito que são fundamentais para a Igreja. Essas atividades estão divididos em duas forças dinâmicas: centrípeta e centrifuga.

Contexto

Atos 2:42–46 está logo após a grande pregação de Pedro. Nessa pregação, mais de 3 mil pessoas se convertem e são batizados. No trecho lido [Atos 2:42–47], temos um insight nos primeiros passos da igreja. O que quero destacar é que a igreja persevera em quatro coisas: o ensino apostólico, comunhão, quebrar o pão e oração. A palavra perseverar significa devoção. Significa uma persistência, uma intencionalidade nessas quatro coisas. Os resultados dessa persistência e intencionalidade é fenomenal. Percebemos isso nos versículos 46 e 47. A igreja funciona “bem” quando ela persiste nessas quarto atividades.

A vida da igreja é uma vida comunitária, composta dessas quatro atividades. Essas quatro atividades são fundamentais na cultura do Reino. Outras atividades, como a forma de governo, o tipo de estrutura eclesiástica (organograma), o planejamento estratégico, e todos os outros elementos que compõe o funcionamento da igreja ficam em aberto para cada igreja local, de acordo com seu contexto socio-cultural e demográfico. Quero focar nessas quatro atividades que são necessárias para a Igreja e a Cultura do Reino.

Forças centrípetas

Existe algo na física chamada de força centrípeta. A força centrípeta é uma força resultante que puxa um corpo ao centro da trajetória de um movimento. Sim, essa foi uma definição da wikipedia. A força é para dentro. Em duas atividades da igreja vemos uma força centrípeta: ensino apostólico e a comunhão.

Ensino Apostólico

A igreja persistia no ensino dos apóstolos. O ensino é importante, e ela é expressa de múltiplas formas. Ela é expressa tanto no sermão quanto por meio dos louvores. Nos louvores temos palavras de vida eterna em melodia e em harmonia. Declaramos aqui nessa noite “para te adorar ó Rei dos Reis, Foi que eu nasci, ó Rei Jesus, Meu prazer é te louvar, meu prazer é estar na casa do Senhor”. São declarações e confissões à Deus que são tremendas, baseadas em textos bíblicos. A confissão, de acordo com Agustinho, não é somente algo da boca para fora, mas é uma declaração de um posicionamento interno. Estamos declarando que amamos estar nos átrios do Senhor, todos os dias.

Quanto disso é verdadeiro? Quanto disso é realmente expresso não somente pela nossa boca, mas diariamente? Portanto, o ensino é importante pois mantém Jesus central nas nossas vidas, e ajuda a preparar toda a comunidade a dar bom testemunho. Ela cumpri Mateus 28:19–20. Além disso, é o ensino das implicações éticos e morais do cristianismo. Por fim, o ensino é a fundação da promessa central de Deus encontrado em Cristo Jesus. O ensino não é filosofia ou intelectualismo, mas é a palavra que nos transforma e nos prepara para a vida comunitária.

Comunhão

A palavra comunhão vem do grego “koinonia”. No livro de Atos esse termo aparece somente uma única vez. Ela é usada 19 vezes no Novo Testamento. É um termo usado em um senso matrimonial. A raiz da palavra “koina” significa “em comum”. Esse “em comum” não é no contexto de afinidade, mas de uma real conexão entre todos. Mesmo havendo um elemento material envolvido (veja o versículo 44–45), a comunhão é o ajuntamento de todos a fim de nutrir lanços de relacionamentos que vão além de preferencias pessoais.

Nesse aspecto, vemos que o ensino apostólico prepara para essa comunhão entre todos dessa nova comunidade. Todos dessa comunidade estão nivelados aos pés da cruz. Havia momentos específicos de comunhão onde buscavam viver em comum. Não estamos defendendo algum tipo de comunismo ou socialismo, mas dentro dessa comunidade de Igreja, não havia pobre, órfão, rico, branco, negro, e etc. Os padrões culturais de separação e segregação eram inexistentes pois eram perseverantes em manter tudo em comum.

Quando pensamos em termos de “comunidade de fé” percebemos que há algo antagônico com essa ideia de um cristianismo individualista e unilateral, onde o que importa realmente são os relacionamentos individualistas e unilaterais. Aqui vemos que todos são unidos debaixo de algo em comum: Cristo.

Portanto vemos aqui duas atividades do tipo centrípetas. São forças internas que não devem ficar somente no interno. Há o ensino da palavra, mas o ensino é expresso de varias maneiras e prepara para a vida da igreja. Há a comunhão que não significa “clube” ou um lugar para a gente se encontrar só os amigos para falar mal dos outros. A comunhão é a prática interna do ensino. Porém, tanto o ensino quanto a comunhão não são somente atividades internas, elas tem ramificações externas.

Forças centrifugas

Na física há também algo chamada de força centrifuga. A força inercial centrifuga, ou também chamada de pseudoforça centrifuga é uma força observada em um objeto que o joga para fora do centro em virtude da força centrípeta. Para exemplificar: se um carro esta fazendo uma curva fechada, há uma força centrípeta para dentro da curva. Quem está dentro do carro esta sendo jogado para a lateral do carro, para fora do centro. Isso seria a força centrifuga. De dentro para fora. Vemos isso na igreja.

Partir o Pão

O partir o pão é uma extensão da comunhão. No contexto aqui encontrado, Darrell L. Bock em seu comentário de Atos analisa o contexto e a estrutura gramatical e conclui que não há senso sacramental. Aqui o verbo klasei provém do grego klao que significa “refeição”. Portanto literalmente faziam refeições juntos. Vemos aqui a extensão da intencionalidade de ter relacionamentos profundos. A comunhão com o partir do pão nas casas sugere que haviam encontros menores nas casas . Percebemos que não há espaço para algum tipo de Marxismo ou de “justiça social”. Não foram todos que haviam vendido seus bens e casas. O partir do pão não era limitado para somente aqueles que eram da comunidade, mas para todos.

Novamente, não há um senso consumista da fé. O individualismo é rompido em prol de honrar o próximo, buscar afinidade de forma intencional, e romper as barreiras que foram criadas culturalmente. Eles compreendem o teor do evangelho de Cristo de uma maneira tão intensa que transforma de forma tão radical o dia-dia deles. O amor ao próximo é tão real, que viviam tudo em comum mesmo não havendo nada em comum entre eles. Percebemos isso como um reflexo na diversidade entre os 12 discípulos. O que trouxe todos eles juntos? Cristo. Será que a igreja contemporânea tem isso? Ou buscamos nosso grupos de afinidade dentro da igreja? Buscamos reproduzir o individualismo dos nossos pequenos reinos de castelos de areia na igreja.

Essa ideia de reuniões celular, ou grupos pequenos, não é novidade da igreja contemporânea. Temos aqui as reuniões menores nas casas, abertos para todos, onde comiam juntos e viviam a nova vida em Cristo juntos. Veremos mais para frente qual foi o testemunho disso.

Oração

Por fim temos a oração. O termo oração aparece 36 vezes como substantivo no NT, 9 vezes em Atos. Como verbo aparece 85 vezes, sendo 34 vezes em Atos. A oração é a fundação dessa comunidade. No evangelho de Lucas percebemos que em todo momento Jesus parava para orar. A Igreja em Atos também. A oração é quando a igreja esta buscando o direcionamento de Deus. A oração representa para essa comunidade a dependência de Deus. Nós como igreja não trabalhamos ou agimos na base das nossas intuições ou sentimentos, mas quando nos submetemos à vontade Dele. A oração não era limitada nos encontros maiores (na sinagoga) ou nos encontros menores (nas casas quando partiam o pão), mas em todo momento.

O resultado

O resultado da força interna e a força externa era de temor. Versículo 43 diz que todos haviam temor. Quem são esses todos? No grego, a ideia de todos aqui é de todos de fora dessa comunidade. Havia temor pois vinham essas forças dinâmicas agindo e compreendiam que tanto interno quanto extern eram atividades divinas. As atividades externas de partir o pão, e de oração constante era difundido em todos os aspectos da vida. Era nítido para quem estava de fora de que havia algo de diferente nessa comunidade. O mundo via a luz brilhar (Mateus 5:16) e eram conhecidos pelo amor, cumprindo o que Jesus havia dito nos evangelhos.

A percepção do mundo era de que havia algo divino acontecendo naquele lugar. Há algo de errado hoje quando evangélicos e cristãos tem medo de terreiros de Candomblé, tem medo de Centros Espíritas, entretanto não tem temor de ser igreja. Há algo de errado quando pensamos sobre a percepção do “mundo” sobre a Igreja, e especificamente a igreja local.

A cultura nos ensina o individualismo e o consumismo, entretanto a prática do evangelho ensina uma comunidade de fé. Chama-se de Cultura do Reino onde Deus está ativamente agindo no meio de seu povo, não somente por meio de sinais e maravilhas, mas por meio da expressão da vida individual de todos que fazem parte dessa comunidade.

Finalizo perguntando, o que sua vida esta expressando? Nós não somos uma igreja onde vivemos somente a base de preposições, e ensinamentos que ficam somente na área do intelecto. Vivemos o evangelho todos os dias, em todos os momentos, em todas as esferas da nossa drama existencial. Nós somos a igreja, e o que sua vida tem pregado?

Obrigado por ler! Escrevo para a geração “Millennial”, que, assim como eu, luta com a fé e sente que algumas coisas precisam ser repensadas. Leia mais postagens aqui: www.danielromagnoli.com

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