Balthasar, Teologia Estética e o Encanto da Revelação

Daniel Romagnoli
Daniel Romagnoli
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7 min readNov 2, 2018

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No meu último artigo (de dois anos atrás… desculpa a demora) tracei como meu interesse despertou pelo Teodrama. Preciso ser honesto, o estudo teodramático alterou drasticamente a minha forma de interpretação bíblica e como penso em vida pessoal, fé e igreja.

Iniciando com a Estética

Antes de ingressar nessa jornada é necessário compreender que o Teodrama faz parte do segundo grupo de volumes (5 de 16) da obra de Von Balthasar. Com isso, é necessário entender alguns pressupostos que fazem parte de seu pensamento, antes de refletir sobre o teodrama e pensar nas implicações que eles apresentam para a vida eclesiástica (drama da doutrina).

Quando falo sobre “teologia” não me refiro somente à disciplina chamada Teologia, mas teologia como um todo: teologia como disciplina, a reflexão teológica e implicações teológicas dessas reflexões. A teologia, como conhecemos hoje no ocidente, é marcada principalmente pela preocupação da racionalidade da fé, de forma objetiva. É notável em várias formas de teologia uma polaridade. De um lado, percebemos uma linha forte de racionalidade e, de outro lado uma outra linha inerentemente mística. A mística, ou formas mais místicas da fé (em alguns textos definido como “dimensões sensíveis da fé”), são encontradas na tradição oriental, como por exemplo nos escritos bizantinos. Em outras palavras, essa reflexão é absorta à contemplação do mistério, incentivando uma experiência mística. Portanto, o sensorial é importante nessa contemplação.

Não devemos olhar a tradição oriental como irrelevante ou até mesmo herética. Devemos entender e compreender suas origens refletindo como a estética pode ajudar a compreender melhor nossa fé e como isso é expresso na vida cristã, tanto individual como comunitário.

O contemplativo é importante na construção do pensamento de Balthasar. Em The Glory of the Lord (primeiro grupo de volumes e início de seu framework), Balthasar trabalha uma teologia estética. A contemplação de Deus inicia com Ele e é encontrado Nele. Como muitos teólogos falam “Deus é um Deus que revela a si mesmo” (“self-disclosure”) e essa auto-revelação é importante para todo o pensamento de Balthasar. A auto-revelação não é somente limitada à glória de Deus, mas principalmente ao auto-esvaziamento (o termo utilizado é kenosis — leia Filipenses 2:7 // trataremos disso mais à frente).

A contemplação, como dito acima, é sensorial. Portanto, nesse pensamento há dois pontos que precisamos abordar. Há uma distinção entre forma e expressão. Comparado com uma obra de arte temos o quadro de arte (a forma) e a expressão (aquilo que é comunicado).

A expressão é mais fácil de se compreender. A expressão está relacionada à glória, a radiação e ao esplendor. A forma é estritamente a encarnação. Um ponto fundamental para compreender é que para Balthasar a beleza de Deus (não encarnado) é platônica. A beleza de Deus precisa ter forma e expressão. A “beleza” de Baltazar está dentro um outro framework, distanciado da beleza natural no contexto do não encarnado (platônico). Quando o autor trata de forma (encarnação) há em seu pensamento sinal e aparência.

Percebe-se que o desenvolvimento de seu pensamento não está alinhado com Kant, mas alinhado com um pensamento de tradição. Alguns críticos de Balthasar consideram seu pensamento em oposição a escolástica, e uma crítica ao pensamento kantiano.

Eros da Fé

Para ficar mais claro, forma é em referencia a atração/esplendor — “eros” no grego. O homem é atraído pela auto-revelação. O termo utilizado para isso é Eros Cristã. Essa atração pode resultar em uma resposta humana negativa ou positiva. Independente da resposta, há uma atração, há um esplendor, há uma radiação. Com isso, a fé tem um novo significado diante da forma e expressão.

Não tem como falar sobre cristianismo sem pensar sobre fé. Ela é intrínseca no cristianismo. A fé é definida dentro desse framework se afastando do proposicionalismo (notável nas escritas de Henry e Lindbeck), que é geralmente utilizado no cristianismo para definir o termo. Perceberá, ao ler e estudar Balthasar, que este se afasta de certos pensamentos predominantes para apresentar uma nova forma de interpretar o cristianismo. Vanhoozer caminha pelos mesmos passos em sua aplicação do teodrama na doutrina protestante. Mesmo se afastando do proposicionalismo, esse framework contínua sendo cognitiva, como no proposicionalismo. A fé é um “movimento da alma” diante da grande complexidade do significado da auto-revelação (forma e expressão). Ela faz parte da atividade divina, onde a iniciativa é completamente divina. Deus si revela. Uma forma de comunicação ou diálogo onde quem inicia é o Criador, não criatura. Como D. A. Carson diz “temos um Deus que Fala”. O eros (atração) faz parte desse dialogo e é implícito na auto-revelação do divino, expressivamente encontrado na beleza da forma de Jesus Cristo.

O Movimento da Fé

Esse movimento do eros da fé não é somente de atração (atraindo a si mesmo), mas o movimento das Pessoas do divino. Não é limitada à atração (no sentindo de que a Glória somente atraí o homem) mas também está levando para longe de si (um movimento das Pessoas do divino — kenosis) através da imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15). Deus se esvazia e anda entre nós. Como nas cartas de João, não somente ouvimos e vimos, mas Ele caminhou entre nós, sofreu como nós e morreu por nós. A encarnação e calvário são as expressões primordiais da forma, dos quais a igreja mantém em memoriom e são dramatizados nos sacramentos. A encarnação é belo. A vida pública do Cristo é belo. O desfiguramento do filho, é belo. O calvário é um eucatástrofe de Tolkien, o centro gravitacional da história da redenção, que resulta no afastamento entre si das Pessoas no divino. Para Balthasar, a palavra “fé” não expressa completamente o que fé é. Ela não é a crença no que é inacreditável, mas uma afirmação existencial e experimental de um encontro com a Palavra encarnada. É uma dinâmica e uma jornada no divino.

A auto-revelação é importantíssimo. Deus é visto na pessoa encarnada, Jesus de Nazaré. Essa cognição não é limitada ao intelecto ou psique humano. A forma revela e também oculta. O mistério é revelado (Efésios 3) porém ainda há profundezas na forma que são reveladas gradativamente ao homem nos campos de compreensão e visão. A atração do eros da forma não é somente uma atração psicológico ao belo que foi encontrado naquilo que foi visto (a imagem/forma que foi vista: “Ele é a imagem do Deus invisível”), mas gera movimento. Esse movimento é a jornada do homem em direção de Deus e longe de si. É o “encanto da revelação”. A beleza da forma, no pensamento de Balthasar, sempre é em termos da encarnação.

Deus é o objeto que é visto em Cristo. Cristo é o locus do habitar de Deus com Israel, da mesma maneira que ele habitou (armou tenda — “tabernáculou”) com eles no Deserto (veja: Êxodo 25:8–9; Zacarias 2:10). A glória de Deus era restrito ao tabernáculo (Êxodo 40:34), mas agora é visto em Cristo (João 1:14). A glória não é somente uma contemplação mas uma experiência concreta. Não é somente visão mística ou iluminação interna, mas tangível em forma expressa. A glória não é somente uma demonstração de poder divino, mas é encontrado em sofrimento e humilhação. A cruz no N.T. é repetidamente descrito como a glória de Cristo (exemplo: João 12:23–24;13:31). Os milagres demonstram essa glória. Os sinais demonstram essa glória.

Vemos Deus em Cristo. Isso afeta o ser humano mesmo se a resposta do diálogo for negativo, devido ao pecado. Assim como há obras de arte colaborativas, há uma colaboração nesse diálogo. O homem é afetado pelo dialogo da expressão da forma. Pode ser pelo Espirito que inspira a fé, ou negativamente pelo pecado. A resposta negativa afeta a forma, visto claramente no Calvário. O sacrifício eterno, que absorve pecados passados, presentes e futuros marcam a forma eternamente (Apocalipse 5).

Beleza no centro

Nos próximos posts vamos dar continuidade no panorama de estética de Balthasar (próximos 2 posts). Para finalizar é importante lembrar que no início do século 19 havia uma mudança no pensamento teológico. Essa mudança foi baseada nas escritas de Kant onde há uma separação da fé como cognitivo da razão como entendimento. Para Kant, a questão do belo é marginal. Em Balthasar ela é central.

Pensamentos para reflexão

Como alguém imerso por muito tempo na dinâmica da igreja local, e por muito tempo vivendo em uma família pastoral em que plantava-se muitas igrejas, a forma de interpretação da estética de Balthasar é interessante. Há alguns pontos de tensão de diálogo.

Um dos pontos de tensão é no diálogo da apologética moderna. Nota-se que a contemplação é experimental. Na minha percepção, os movimentos modernos de apologética são estritamente proposicional, portanto acredito que haveria dificuldade em diálogo apologético tentando trilhar por esse framework estético de Balthasar.

Outro ponto de tensão é como esse diálogo divino do Eros influencia a vida da igreja? A contemplação, que é experimental, deve ser incentivado? Se deve ser incentivado, então a iniciativa passa a ser humana e não divina? E se é incentivado, quais são os meios que deve ser incentivado?

Gostaria de saber quais são seus pensamentos e reflexões até o momento? Você vê algum ponto a ser considerado?

Leia mais no meu site aqui!

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