O Sofrimento de Pessoas Boas

Daniel Romagnoli
Daniel Romagnoli
Published in
8 min readSep 16, 2016

Baseado no sermão “Por que pessoas boas sofrem?” pregado no dia 21 de Agosto, 2016 na Igreja Batista Alphaville.

A pergunta que sempre surge é: por que boas pessoas sofrem? A realidade é de que coisas ruins acontecem para pessoas boas. Quando pensamos e analisamos as histórias de boas pessoas que sofrem, concluímos que há muita injustiça nesse mundo. Como pode um Deus permitir que isso aconteça? Aquela foto daquela criança da Síria, inocente e vivendo o início de sua vida, com um olhar de choque que silênciou o mundo. Quanta injustiça, não?

Isso é conflitante mais ainda para nós, os que crêem na existência divina e no calvário, pois como pode um Deus de amor permitir tanto sofrimento e maldade no mundo? Quando “a vida acontece” no nível individual, isso pode abalar a nossa fé, e até mesmo nos afasta Dele e de tudo que vivemos. Afinal, eu sou entitulado. Eu oro todos os dias. Faço as minhas devocionais. Participo de todos os eventos e cultos da minha igreja. Eu que faço tanto, como pode eu ser sujeito as tais coisas? Se há um Deus, um Deus que eu adoro, o qual eu gasto meu tempo e sirvo, por que há e passo por tanto sofrimento? Esquecemos que mesmo na nossa jornada da auto-justificação, somos falhos. Nós pecamos ou até mesmo pecam contra nós. Entretanto, a conclusão de nós sermos o problema foge de nós. Em muitos dos casos culpamos Deus. Todos de nós já pensamos assim (me incluindo).

Um Problema Teológico

A natureza dessa pergunta é profundamente teológica. Chamamos, na teologia, de “o Problema do Mal”. Concordo com a maioria dos pastores e teólogos que buscam lidar com essa pergunta de que é a pergunta mais difícil na história da teologia cristã. Se Deus é onipotente e bom, por que ele permite a existência do mal e do sofrimento? Não é a minha pretensão responder essa pergunta, ainda mais quando outros mais qualificados tentaram e não chegaram a uma resposta final (indico a leitura do livro “O Problema do Mal” do Luiz Sayão). Minha intenção é levantar alguns pensamentos sobre a nossa natureza humana, e sobre o caráter de Deus.

Quando estudamos a Bíblia (e especialmente nos estudos teológicos), entendemos que toda a existência humana existe debaixo da soberania de Deus. Isso é muito explícito quando lemos e analisamos o início de Colossenses. Paulo diz o seguinte:

“Ele é antes de todas as cosias, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude é por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto às que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz.” Col. 1:17–20

Em Efésios 1:11, Paulo escreve que tudo age debaixo do conselhos dos propósitos divinos. Por Ele ser soberano, nada acontece fora da sua vontade. O problema é que nós, como bons crentes, gostamos de ser árbitros de tudo. Gostamos de pensar que tudo está ao nosso alcance e tudo está debaixo do agir das nossas próprias vontades. Gostamos de julgar quem vai pro céu e quem não vai. Gostamos de pensar e trançar os nossos próprios destinos. Não me entenda mal. Acredito que aspirações são importantes para a experiência humana. Porém, quanto à vontade de Deus, pensamos erroneamente. Quando pensamos sobre a vontade de Deus, existe uma diferença enorme entre o que Ele causa (originador) e o que Ele permite.

A vontade permissiva

Em primeiro lugar gostaria de falar sobre a vontade permissiva de Deus. A vontade permissiva de Deus corresponde àquilo que Ele permite. Nessa vontade permissiva de Deus, Ele permite que algo aconteça, entretanto não é algo que Ele causa (na ideia de “originar”) pois isso que Ele permite muitas vezes está em direto conflito com sua própria natureza e Lei. Antes de continuar, é importante entender que Deus não age contra sua própria natureza. Deus pode todas as coisas. Isso é um aspecto do “ser divino”. Se ele não pode todas as coisas, Ele não seria um Deus, correto?

Uma das naturezas divinas de Deus é que Ele é santo. Ele pode pecar? Sim, pois Ele pode todas as coisas por que Ele é Deus. Ele peca? Jamais. Porque? Pois Ele é Santo, e ele não age em conflito à sua natureza. Entendeu? A Bíblia nos dias “(…) Quando alguém for tentado, jamais deverá dizer: ‘Estou sendo tentado por Deus’. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta”. Deus, em sua vontade permissiva, permite que o homem peça e rebela contra Ele. Com isso, temos a responsabilidade humana diante de todas as decisões e ações de rebeldia. Exemplos claros disso são em Jeremias 19:4–5, Lucas 8:30–34, Romanos 1:21–26, entre outros.

A vontade perfeita

Em segundo lugar temos algo chamado de a vontade perfeita de Deus (ou ‘vontade Decretiva’). A vontade Decretiva são os decretos soberanos de Deus os quais nós, seres humanos finitos e limitados, podemos conhecer ou não, dependendo da vontade Dele de nós revelar. Na vontade Decretiva percebemos a vontade direta de Deus de causar (ser originador) ou fazer algo de acordo com sua própria vontade e desejo, sem nos consultar.

A vontade decretiva de Deus acontece com ou sem nossa participação, ou até mesmo permissão. Deus, no princípio de tudo, quis criar tudo. Ele portanto falou “haja” é tudo foi criado. Nisso temos um exemplo claro de causador e originador. Chamamos disso de “atos de fala”. Em sua comunicação, Deus não somente fala, mas são palavras que se tornam em ações e movimento. Isso é muito claro em teoria Teatral. Os atores não somente tem um roteiro para falar, mas em falar há interpretação e interação com toda a peça. Deus fala e age de sua própria maneira e acordo. Exemplos disso são em Jó 23:13, Salmo 33, Isaías 14:24; 47:10, Atos 17:24–25, entre outros.

A vontade perceptiva

Em último lugar, há algo que chamamos de a vontade perceptiva de Deus (antigamente chamada de vontade prescritiva). Essa é a vontade de Deus diretamente relacionada ao homem. Se as vontades permissivas e decretivas influenciam a existência humana (pois todos somos participantes desse drama rendentiva), a vontade perceptiva é diretamente relacionada ao homem. Para facilitar a compreensão, é da vontade Dele que não pecamos, que não mentimos, que não furtamos, e etc. Essa vontade é demonstrada (ou melhor, revelada) na Lei (Exôdo 20:1–17). Na Lei, não temos uma lista de regras do que podemos e não podemos fazer. Na Lei reconhecemos e vemos claramente a natureza e o caráter de Deus. Com a Lei percebemos como podemos nos relacionar com Deus e com o próximo. Percebemos quão santo Deus é, quão pequenos somos, e quanto necessitamos da graça Dele (favor não merecida). Podemos tentar, com nossos próprios esforços, cumprir todos os aspectos da Lei Mosaica (10 mandamentos) e as outras 613 leis do Antigo Testamento, mas sempre seremos carentes. A própria ideia do termo “religião” provém dessa ideia de um esforço humano de se religar a Deus. Entretanto, nunca seremos bons o suficiente. Com isso, sabemos que é da vontade de Deus que sejamos santos, amorosos, arrependidos, rendidos e etc (1 Pedro 1:16, Atos 17:30, João 13:34 e etc). Exemplos dessa vontade perceptiva de Deus são encontradas em toda a Bíblia, mas gostaria de pontuar Romanos 12:2, Efésios 6:6, 1 Tessalonicenses 4:3–6.

Com essa base, ainda não respondemos a pergunta do porque coisas ruins acontecem para pessoas boas. Há algumas alternativas. A primeira é de que em algumas circunstâncias jamais saberemos a resposta. Exemplos disso é o Salmo 71, onde há uma súplica entretanto não sabemos a origem do sofrimento. Outro exemplo é o “espinho na carne” de Paulo. Não sabemos a origem do sofrimento, e muito menos o que é esse “espinho” (somente há teorias). A resposta de Deus para Paulo foi somente “minha graça te basta”. Uma resposta que talvez não seja uma que nós gostaríamos de ouvir no meio dos nossos sofrimentos.

A segunda alternativa é de que todos sofrem por causa do nosso estado Adémico (leia 1 Coríntios 15:22). Aqui precisamos compreender que todos nós pecamos pois temos essa natureza. Essa natureza provém do pecado que origina dos nossos pais Adão e Eva. Eles pecaram, e por conta disso toda a raça humana tem uma natureza pecaminosa. Além disso, cada pessoa é responsável pelas próprias decisões e pecados. Algumas pessoas tentam justificar a vida falando “eu trai minha esposa pois meu pai traiu a minha mãe”, mas é apenas uma justificativa pois no final de contas você deita com uma outra mulher pois foi uma opção sua. Vivemos uma cultura onde justificamos todos os nossos atos. Bem que Adão e Eva fizeram a mesma coisa. Deus questiona por que comeram do fruto proíbido. Adão culpa Eva, Eva culpa a serpente e a Deus, e a serpente não fala nada.

A terceira alternativa pode ser que Deus quer usar aquilo que estamos passando, aquilo que consideramos “ruim” é transformar em glória ao nome Dele. Sim, você leu isso mesmo. Ele quer transformar nosso sofrimento em glória ao nome Dele. Não, Ele não é masoquista. Quando falamos e pensamos sobre a cruz, esquecemos que a cruz era considerada na cultura judaíca maldição. Para os judeus, um símbolo de tortura e humilhação pública (a cruz não matava ninguém). Porém, Cristo morreu por nós na cruz, se tornando maldição, a fim de que fossemos salvos. O clímax do evangelho e o ápice da Bíblia é a crucificação. Toda a “gravidade” do enredo leva para a cruz. O no momento de maior injustiça, e de maldade e ruindade, Cristo suportou para o agrado do Pai a fim de que tudo fosse reconciliado ao Pai (leia todo o primeiro capítulo de Colossenses). A cruz representa glória, representa uma demonstração de amor. Sofrimento, dor e morte, em vida, reconciliação e glória.

Muitas vezes não sabemos a razão porque coisas ruins acontecem com pessoas boas. Uma coisa é certa, Deus coninuará sendo Deus, e ao caminhar por meio das tribulações da vida (o drama da nossa existência) sairemos do outro lado diferente, conhecendo Deus de uma forma diferente. Jesus falou “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16:33). Tenha fé, e tenha bom ânimo.

Um exemplo para mim de sofrimento é Jó. Ele fala no final de seu livro “Tu disseste: ‘Agora escute, e eu falare; vou fazer perguntas e você me responderá’. Meus ouvidos já tinha ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram.” (Jó 42:4–5). Jó sofreu. Jó era um homem justo, mas perdeu tudo. Quando pensamos sobre Jó, sabemos do capítulo 1 do livro, entretanto Jó não sabia. Ele não sabia da “razão”de tudo estar acontecendo e não foi necessário para ele saber para caminhar por meio de tudo aquilo. Afinal, Deus queria fazer muito mais do que poderíamos concluir baseado somente no primeiro capítulo do livro. No final, não foi somente Jó que saiu do outro lado falando “eu agora sei mesmo…”, mas a vida de Jó foi testemunho para todos nós que temos uma Bíblia, e além disso um testemunho para todos os anjos e para toda as regiões celestiais. Deus transforma sofrimento em glória.

Então quando algo de ruim acontecer para você, e você pensar “eu sou tão bom, faço tantas coisas boas”, confie em seu Deus que é soberano.

Além disso, encare a situação de uma forma diferente, baseado em tudo que aqui falamos. Olhe para a circunstância e fale:

“Eu vou ser a coisa boa no meio disso tudo que está ruim!”

Obrigado por ler! Escrevo para a geração “Millennial”, que, assim como eu, luta com a fé e sente que algumas coisas precisam ser repensadas. Leia mais postagens aqui: www.danielromagnoli.com

Se puder ❤ este texto! Comente e eu retorno para você em 24hs… se eu não estiver no Snapchat.

--

--