[10] O rebaixamento.

Daniela Reis
Bela flor
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4 min readFeb 25, 2017

Tudo parecia caminhar muito bem, até que um dia, numa sexta-feira, no fim do expediente bancário, o telefone da agência Silviano Brandão tocou. Eu fui chamada para estar no edifício central, na Praça Sete, no andar da presidência, às seis da tarde. Fui apreensiva, não tinha a menor ideia do que se tratava, mas de qualquer forma, só poderia ser algo muito bom. Afinal, por que me chamariam na presidência do banco? Eu vinha recebendo excelentes avaliações por todas as turmas de gerentes. Tinha inclusive recebido uma avaliação surpreendente na última turma: excelente para cem por cento dos gerentes! Talvez o presidente do banco quisesse me conhecer, pensava eu, enquanto o taxista tentava escapar do trânsito para que eu chegasse pontualmente ao meu compromisso.

Chegando lá, na recepção, fui encaminhada para um auditório que havia no andar da presidência. Lá já estavam algumas outras pessoas, nenhuma delas conhecida por mim, e nenhuma delas sabia também do que se tratava. Pelo clima, comecei a pensar que talvez eu estivesse errada. Eu fui traída pela vaidade, mas minha intuição não falhou. Entrou na sala uma pessoa representando a área de recursos humanos do banco e anunciou: por medidas de redução de custos, o banco havia tomado a decisão de dispensar a empresa que fornecia os serviços de ascensorista dos elevadores e das recepções dos edifícios corporativos. E nós, aquelas pessoas que estávamos na sala, havíamos sido indicados por nossas agências a substituirem os terceirizados que, naquele momento, já estavam sendo desligados.

Eu não podia acreditar! A partir de segunda-feira eu deveria estar na recepção daquele mesmo edifício, no centro da cidade. Sem ao menos me despedir das pessoas da agência Silviano Brandão, sem a oportunidade de uma conversa franca para saber porque eu havia sido indicada — o que na verdade era um pouco óbvio, uma vez que eu tinha sido indicada pela gerente administrativa por não atender ao desempenho esperado na função de caixa da agência. Fui à nocaute. Um misto de vergonha e indignação tomou conta de mim. Passei o fim de semana chorando, de cama. Pela primeira vez, dividi com minha família o que se passava comigo. Desabei. Consegui um atestado médico e fiquei quinze dias em Lambari. Dessa vez, quase fiquei de vez.

Esse golpe havia sido duro demais, mas ainda assim, recobrei minhas forças e a coragem e voltei ao final da licença. Encarei o rebaixamento de função com o orgulho ferido. Trabalhei triste, irritada, magoada, rancorosa. Meu trabalho era o de simplesmente anotar o nome e a carteira de identidade do visitante e ligar para o ramal do visitado para autorizar a subida. As horas não passavam. Minha revolta não me permitia aceitar aquela situação como transitória.

Eu me sentia humilhada e decidi que não iria mais suportar aquela situação. Comecei a contar a minha história para todas as pessoas que entrava em contato por ali, tentando mostrar o enorme erro que o banco havia cometido. Até que a diretora do departamento patrimonial me ofereceu uma vaga na sua área. Não tinha nada a ver com o que eu gostaria de fazer, mas aceitei.

Paralelamente, comecei a ser convidada para dar alguns cursos de matemática financeira por consultores que havia conhecido nos treinamentos gerenciais do banco. Num desses convites, dei um treinamento para o Banco BMG. Nele havia um grupo de pessoas da superintendência financeira do banco e naturalmente surgiu um convite para que eu fosse trabalhar lá.

Enquanto isso, sem que eu soubesse, meu pai escreveu uma carta para o presidente do Bemge. Na carta, questionava a política de uma instituição que, ao mesmo tempo, valorizava uma profissional para compor o seu quadro de instrutores e a rebaixava funcionalmente. Quando o presidente foi averiguar a situação que obviamente denunciava uma falha na estratégia, eu já estava longe.

Comecei no BMG com um salário maior que o anterior, mas sem os ganhos extras proporcionados pelos cursos de matemática financeira, que de alguma forma já estavam incorporados ao meu padrão de vida. Aproveitei aquele momento de aumento da renda comprovada para promover uma outra mudança importante: fui morar sozinha. Aluguei um apartamento com um preço razoável por conta da localização, em frente a uma favela numa movimentada avenida de Belo Horizonte. Comprei móveis de ferro e embora tenha ficado sem dinheiro algum, eu finalmente estava com a sensação de estar estruturando a minha vida.

Mas, infelizmente, mais uma vez, eu havia calculado mal. Sem tempo para os cursos extras, o dinheiro era curto para o aluguel e as despesas da casa. Comecei a dar cursos na hora do almoço e eventualmente atrasava as mensalidades da pós-graduação. Em alguns meses, eu precisava vender o vale transporte e o vale refeição e nos dias que antecediam o salário, tinha que ir a pé para o trabalho, a uns bons quilômetros de casa.

O meu relacionamento com o dinheiro sempre foi um sintoma de que algo precisava ser visto, mas eu não tinha o conhecimento que me permitia compreender isso. E seguia perseguindo o sucesso, achando que por meio dele eu teria dinheiro e, finalmente, seria recompensada por tudo o que vinha passando. Eu não sabia o que, mas haveria de vencer. Eu estava numa competição e tinha certeza que iria chegar lá. Onde quer que fosse.

E só por isso eu não desistia e simplesmente voltava pra casa.

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