[11] O corpo fala.

Daniela Reis
Bela flor
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3 min readFeb 25, 2017

O BMG foi uma experiência curta e intensa na minha vida. Foi ali que conheci o homem com quem me casei em apenas três meses de relacionamento. Ele era funcionário do banco, mas trabalhava em São Paulo.

Eu me sentia muito sozinha desde o término do namoro. Perdi de uma só vez o companheiro, a sua família e os programas de fim de semana. Fiquei novamente de frente para as minhas questões mais profundas, mas a verdade é que eu não queria encará-las porque isso talvez significasse abandonar completamente aquela vida sem sentido que eu vinha construindo.

Foi assim, fugindo o quanto podia de mim mesma, que o novo namorado apareceu como a perfeita tábua de salvação. Um jovem bonito, inteligente e que, por conta dos seus próprios vazios, preenchia completamente a minha necessidade de ser reconhecida e valorizada. E assim ele chegou, apaixonando-se por mim de uma forma que eu não me lembrava ter vivido.

Em três meses eu estaria me mudando para São Paulo.

Mas, antes disso, no entanto, houve um acontecimento que importa compartilhar.

Um dia, acordei com um lado do corpo dormente. No rosto, na perna, em qualquer lugar que eu tocasse, eu não sentia nada. Foi num domingo. Esperei a segunda-feira e procurei um neurologista. Ele fez um teste com objeto pontiagudo e eu não sentia nenhuma dor ou sensação, como se os tecidos estivessem mortos. Muito estranho. Solicitou uma tomografia do cérebro e um exame de líquor da espinha. Nenhum dos dois exames deu qualquer alteração. Concluiu então que deveria ter pedido um outro exame com o líquor, mas que não poderia fazer uma nova coleta, e então resolveu me medicar considerando uma crise de estresse.

Novamente, tive que ficar em casa, ou melhor, na casa dos meus pais. Passei os quinze dias da licença recomendada pelo médico tomando um remédio que me fazia dormir dezoito horas por dia. Gradualmente fui recuperando a sensibilidade. Ficava atordoada boa parte do tempo que passava acordada, mas estava em casa, e isso me bastava.

Nunca fiz uma análise mais profunda sobre esse episódio, na verdade nem me lembrava dele — muitas lembranças têm aparecido repentinamente, na medida em que escrevo. Faço isso agora. Foi como se eu resolvesse desligar uma parte de mim. Era o lado direito do corpo. Ou seja, o lado esquerdo do meu cérebro — o da racionalidade, responsável pelas decisões conscientes — saiu de cena. Largou o trabalho e desligou.

Nesse período, minha situação financeira estava tão ruim que para ir para Lambari ficar em repouso, sob os cuidados da minha mãe, eu tive que vender uns livros. Fui com o dinheiro da passagem.

Na volta, pedi ao banco que me desligasse, aleguei os problemas de saúde que vinha enfrentando. Eles rapidamente acataram, possivelmente assustados com a possibilidade de um problema mais grave que me mantivesse afastada por muito tempo.

É impressionante como eu não conseguia enxergar que todos os acontecimentos tentavam me mostrar que eu estava cada vez mais distante da minha essência, em nome de uma realização que estava me custando a saúde física e emocional.

Pelo menos eu tinha alguém por quem eu estava apaixonada e que estava muito apaixonado por mim. Ainda que ele já se mostrasse muito ciumento, eu não só não me incomodava, como confesso que até me sentia lisonjeada. Estava tão longe de mim mesma, duvidava do meu próprio valor… E por isso valorizava cada vez mais os impulsos que vinham de fora.

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