[12] São Paulo e o amor.

Daniela Reis
Bela flor
Published in
3 min readFeb 25, 2017

Cheguei em São Paulo. Com o dinheiro da rescisão no banco, quitei as dívidas, inclusive alguns aluguéis que vinham se acumulando, e sobrou muito pouco. Felizmente — ou infelizmente, não sei — do lado de fora eu conseguia manter uma aparência de sucesso. Na verdade, não era apenas uma aparência. Para os padrões da nossa sociedade, a minha história vinha sendo claramente uma história de sucesso. Ainda que eu estivesse pagando alto por isso. E competência eu realmente tinha para mostrar.

Acho relevante abrir um parênteses, nesse momento, para olhar para mim, vivendo tudo aquilo, não com os olhos da consciência que tenho hoje — e que embora não pareça, pela crueza do relato, são olhos compassivos — , mas com os olhos daquela menina que, aos vinte e dois anos, já tinha acumulado tal bagagem. Por mais que eu estivesse sofrendo, não enxergava esse sofrimento com clareza. Para mim, era assim mesmo que devia ser. Talvez houvesse alguma crença de que “vencer na vida” é isso aí. É preciso uma boa dose de sacrifício.

Antes da mudança eu havia ligado para um amigo de meu pai que era presidente de uma empresa de processamento de cartões de crédito, e ele fez questão de me receber.

Foi ele quem abriu as portas de São Paulo para mim. O diretor financeiro aprovou o meu curto currículo e, certamente influenciado pela indicação do presidente, me contratou. Eu iria trabalhar na área de faturamento. A empresa vinha se recuperando de um ciclo de prejuízos e se preparando para surfar na onda do mercado de cartões de crédito que iria deslanchar no Brasil.

Cheguei na rodoviária de São Paulo com duas malas. Em Belo Horizonte havia ficado tudo o que eu tinha — geladeira, fogão, cama, sofá, essas coisas — , no apartamento que ficou alugado para uma prima. Era assim que eu media meu sucesso: nos dois anos em Belo Horizonte eu tinha acumulado algumas coisas, eu já possuía algo. Então, deveria estar valendo à pena.

Apesar disso, me lembro de sair daquela cidade com algumas mágoas. Como se Belo Horizonte tivesse feito algo contra mim. Eu tinha me sentido muito maltratada profissionalmente. Nem conseguia enxergar que vinha recebendo uma dose homeopática para a arrogância que eu vinha desenvolvendo, e muito menos que quem estava criando as dificuldades era eu, não a cidade. Mas essa sensação me acompanhou por alguns anos.

Quando desembarquei em São Paulo, eu sentia como se estivesse sendo salva, resgatada. Dali para frente tudo seria completamente diferente. Para começar que eu estaria ganhando três vezes mais.

No primeiro mês ainda paguei o aluguel de um quarto que eu mal frequentava, na casa de uma senhora. Mas isso só durou até eu receber a aprovação da minha mãe para que alugasse um apartamento junto com o meu namorado, que ainda morava com um amigo. E foi assim que eu venci a barreira “do que os outros vão falar” e fomos morar juntos.

Encontramos um apartamento perfeito, próximo ao meu trabalho. Eu ia a pé. Ele, por outro lado, ia de ônibus e levava um bom tempo no trânsito. Mas tudo eram flores para nós. Estávamos vivendo uma linda paixão e nada era visto como sacrifício.

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