[08] Um horizonte não tão belo assim.

Daniela Reis
Bela flor
Published in
3 min readFeb 25, 2017

O trabalho não era o que eu imaginava. A gerente administrativa para a qual eu havia sido recomendada era uma espécie de bruxa má dos contos de fada. Diziam que tinha um romance com o gerente geral da agência e, por isso, atormentava todas as mulheres e abusava do seu poder. Comigo não foi diferente. Eu era jovem, bonita, inteligente e competente. A recomendação foi um tiro que saiu pela culatra, Renilde viu em mim uma ameaça e começou a me perseguir. Parecia se divertir vendo o meu sofrimento.

Para completar o meu pesadelo, a minha rotina era exaustiva. Se o trabalho era do lado de casa, a escola era do outro lado da cidade. Eu trabalhava das nove às duas e saía correndo para o ponto de ônibus, sem tempo de almoçar. Enfrentava quase duas horas de congestionamento e chegava atrasada para as aulas na UFMG. Era o tempo de comprar um iogurte na lanchonete e entrar correndo na sala. O meu estado emocional não contribuía nem um pouco, e eu não conseguia pegar o fio da meada.

Voltava para casa com o trânsito do início da noite, chorando e desolada, me perguntando o que estava fazendo ali. Mas nem pensava em desistir. Não sabia onde queria chegar, mas tinha certeza que havia um lugar, uma posição a alcançar. Eu perseguia o sucesso, ainda que não tivesse vaga ideia do que isso significasse e do quanto ainda haveria de sofrer para alcançá-lo.

Chegava em casa tarde e muitas vezes ficava até às três da manhã tentando compreender, sem sucesso, aquele emaranhado de letras e números que não fazia mais sentido algum para mim. No dia seguinte, tudo outra vez.

Passei seis meses vivendo assim: sem me alimentar direito, com pouco dinheiro e sob a crueldade de Renilde. Até que comecei a sentir fortes dores no estômago: estava com gastrite.

A gastrite conseguiu parte do que pretendia. Sim, porque hoje eu sei que as doenças não são nossas inimigas, elas vêm para nos dizer aquilo que não estamos querendo ouvir, para nos fazer enxergar aquilo que estamos resistindo. A doença é um caminho para a consciência.

Foi uma grande frustração, mas reconheci que eu não podia continuar insistindo em ingressar no mestrado.

Melhorei um pouco a minha alimentação, o suficiente para aliviar as dores, e deixei a vida seguir o seu curso, buscando rapidamente substituir o mestrado por uma pós-graduação paga, em administração financeira, numa faculdade de ciências gerenciais, com aulas todas as noites. Essa decisão, embora estivesse baseada nas mesmas premissas da decisão anterior, reduziu bastante a pressão sobre as minhas emoções.

Conheci no curso muitas pessoas interessantes, uma turma animada que se reunia e levava uma vida normal, de jovens em uma grande cidade. Isso serviu para me distrair da dor que crescia dentro de mim.

E não era somente a dor que crescia… Definitivamente, meu dinheiro não era suficiente para viver e pagar uma pós-graduação. Comecei a entrar no ciclo vicioso do cheque especial e os problemas financeiros começaram a me tirar o sono.

Além disso, talvez por alguma crença de que as coisas na vida, para ter valor, precisam ser conseguidas com muito sacrifício, eu resolvi me mudar no apartamento onde morava com as três meninas para um bairro distante, onde morava com apenas mais uma pessoa. Para mim, o argumento é que precisava de uma casa mais tranquila, uma vez que estávamos em momentos distintos da vida e aquela era uma casa em constante ritmo de festa. Mas hoje não sei se o motivo era esse ou se na verdade eu sempre busquei complicar um pouco as coisas…

Escolhi a dedo. Fui parar na casa de uma pessoa que era realmente muito estranha. Uma estudante de veterinária, de São Paulo, que tinha hábitos tão esquisitos quanto ligar o aspirador de pó às cinco da manhã e exigir silêncio às oito da noite. Ela namorava alguém no Japão e tentava viver sob o relógio de lá. Como se não bastasse a submissão no trabalho, eu tinha conseguido ir mais longe, a submissão também em casa.

Acredito que o meu inconsciente estava fazendo de tudo para me mostrar que na verdade eu vinha me escravizando a ideais que não eram meus, buscando realizações que não me iriam me fazer feliz, mas eu não via… E para tentar enxergar a escravidão que criava para a minha vida, a vida me oferecia a oportunidade de ver o quanto era ruim viver como uma escrava. Mas eu me recusava a enxergar que a submissão a essas pessoas era na verdade um reflexo da minha escolha.

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