Sal no corpo e prancha na mão

Daniele Candido
danielecandido
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7 min readJul 22, 2020

Histórias de mulheres surfistas e o poder de cura do mar

Surf
Fonte: Pixabay

“É a energia. Para mim, estar no mar é algo tão maravilhoso que eu não consigo pôr em palavras”. É assim que assim que Bruna Story, de 18 anos, defini sua maior motivação para voltar ao mar com sua prancha. Surfista amadora, Bruna expressa o sentimento da maioria das pessoas em relação à sensação que a água salgada no corpo provoca na maioria das pessoas.

O que torna o mar tão especial é o chamado aerossol marinho. Além dos sais minerais: cloreto de sódio e magnésio, iodo, cálcio, potássio, bromo e silício, provêm das ondas que quebram na costa e dos salpicos de água do mar levantada pelo vento. Os benefícios do contato com a água do mar talvez sejam minimizados pela maioria das pessoas que frequentam a praia, mas o sentimento de bem-estar não passa desapercebido. O barulho do mar também é calmantes e ativa o córtex pré-frontal, área do cérebro associada às emoções e à autorreflexão.

De acordo com a especialista e epidemiologista Lora Fleming, da Universidade de Exeter, na Inglaterra, o tempo passado à beira-mar tem muitos efeitos positivos sobre a saúde e bem-estar. A pesquisadora indica benefícios que a ida à praia pode oferecer: a ativação do córtex pré-frontal do cérebro; os íons negativos gerados pelas ondas do oceano; a diminuição dos níveis do hormônio do estresse (cortisol); e a capacidade da superfície do oceano acalmar uma pessoa, trazendo paz de espírito.

Laços familiares reforçados pelo surfe

Aos 13 anos de idade, Bruna decidiu aprender a surfar. Aproveitou um projeto do governo para surfistas iniciantes que acontecia no litoral paulista, e se jogou: “Foi dessa forma que eu comecei e, nesse mesmo dia, já estava surfando”, relembra. As areias do litoral norte, inclusive, são parte importante de sua memória afetiva dela com a família. “Minha família sempre foi bem praieira; sempre tivemos casa na praia então passamos os finais de semana lá e todo mundo sempre gostou, minha família inteira gosta”, ela reforça.

Seus primos foram os principais incentivadores, já que eles já surfavam quando ela começou. Os meninos são filhos de Rosana Baptista, de 53 anos, que começou a enfrentar as ondas aos 14 anos, sendo a pioneira da família e servindo de exemplo para todos. Com o casamento e a chegada dos filhos, a líder da família deu um tempo na prática do esporte e retornou anos tarde quando as duas crias já tinham tamanho para acompanhá-la.

Desde o início, o sentimento de tranquilidade que entrar no mar lhe transmite é o motivo principal para que ela retorna ao mar: “A sensação é indescritível; eu me sinto em outro mundo. Eu sinto que faz muito bem para a minha saúde, e, principalmente, minha saúde mental”, ela diz.

Rosana e Bruna em Riveira de São Lourenço, litoral norte de São Paulo. Fonte: acervo pessoal

Rosana sofreu um leve acidente dentro do mar, três anos atrás. Com a força da onda, a prancha soltou-se de suas mãos acertando sua cabeça. O incidente não deixou sequelas aparentes em seu corpo, mas abalou seu emocional. Ainda se sentindo insegura para voltar a surfar, ela conta que a sobrinha é sua maior incentivadora: “Eu cheguei a subir na prancha novamente, por insistência da Bruna, mas ainda não consegui voltar a pegar onda, não de verdade”, confessa. Ela acredita que a confiança irá voltar aos poucos, e anseia pela sensação de bem-estar que o mar a faz sentir, e para isso, ela conta com a ajuda dos filhos, do marido e, claro, da afilhada e companheira de mar.

A presença da família no surfe também foi fundamental para a esportista mirim Carolina Batisdes, de apenas 8 anos, começar a surfar. Um foi puxando o outro: primeiro o pai, como sendo o exemplo maior, que influenciou a irmã mais velha a aprender e, por fim, a caçula não quis ficar de fora e também começou a praticar.

Moradora do Guarujá, no litoral de São Paulo, Carol aproveita os momentos de lazer, quando não está na escola, para aproveitar o mar. Ela conta que o surfe é uma prática constante em sua vida, assim como skate, o que não é de surpreender. A prática do skate nasceu nos anos de 1960, na Califórnia, e era o passatempo de surfistas frustrados durante dias sem ondas para “pegar”. E, assim como eles, Carol é apaixonada pelos dois.

Apesar da pouca idade, Carol é muito habilidosa e já participa de campeonatos, que acontecem em sua maioria no litoral norte de São Paulo, em praias como Maresias e Ubatuba. Normalmente ela disputa com crianças mais velhas que ela e apesar de ser a caçula ela demonstra convicção e reconhece a vantagem ao afirmar que ser menor é bem melhor ao competir pois sua leveza permite que a onda te carregue com mais facilidade.

Mesmo assim não esconde a apreensão: “Eu fico meio nervosa e eu tento conseguir, mas às vezes eu fico muito nervosa e não consigo ir muito bem”, ela conta. Bem amparada, Carolina recebe apoio psicológico de uma profissional que a ajuda lidar com os momentos de nervosismo e admite que conversa com ela sobre isso.

A força feminina

mulheres surfistas
Ju Marton em Itamambuca, litoral norte de São Paulo. Fonte: acervo pessoal

“A primeira vez que subi na prancha eu pensei: ‘Meu Deus! O quê que é isso? É a melhor coisa que eu já fiz na vida”. O entusiasmo de Júlia Marton, de 24 anos, ao contar sobre quando começou a surfar é contagiante. A jovem expansiva surfa há menos de cinco anos, mas deixa claro que desde o início soube que teria um caso de amor com a prancha.

O término de um outro amor foi o que levou Júlia para o esporte. Após o fim de um relacionamento abusivo, ela encontrou refúgio em novas e antigas amizades que a levaram ao mar. Ela conta que algumas amigas que já surfavam começaram a chamá-la para ir junto, até que um dia decidiu experimentar a sensação que as mulheres ao seu redor definiam como indescritível.

E os impactos na saúde mental foram imediatos: “Eu acho que posso dizer por todos que praticam que é maravilhoso porque é muita coisa boa ao mesmo tempo, que faz você liberar muitos hormônios que te deixam muito bem, muito feliz; desde estar na praia, do sol, do mar, da água salgada e da sensação de você descer uma onda é uma coisa que não tem remédio melhor, pelo menos não pra mim”, admite.

Ju na praia de Itaguaré. Fonte: acervo pessoal

A psicóloga especialista em análise de comportamento, Samira Falcão, explica que, combinados com terapia e acompanhamento psiquiátrico, nos casos necessários, o surfe, assim como a prática de outros esportes, traz resultados significativos para o tratamento de pacientes que estejam enfrentando algum tipo de problema psicológico. “Em todos os casos, eu sempre indico atividade física, porque ele equilibra tanto fisiologicamente, socialmente e emocionalmente, então em muitos casos, junto com o psiquiatra a gente consegue até eliminar ou diminuir muito a dosagem da medicação porque as pessoas estão se sentindo bem com a prática da atividade.”

O esporte como uma terapia alternativa

Ainda que sejam vistas com desconfiança por parte da comunidade médica, as terapias alternativas são reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde, a OMS, e há pesquisas que comprovam seus benefícios e apontam para a significativa melhora na saúde dos pacientes que optam pelo tratamento complementar.

A terapia alternativa visa colocar em equilíbrio o físico, o emocional e o psicológico. Para isso, incorpora técnicas da medicina tradicional, conhecimento popular, crenças espirituais e curas com energia. Em resumo, as terapias alternativas atuam nas questões emocionais que, quando não tratadas, podem agravar doenças físicas e psicológicas. Elas podem ser qualquer atividade que colaborem para o bem-estar da pessoa.

Samira frisa que realizar atividades esportivas ajuda muito no processo de saúde mental, pois além de contribuir para a produção da serotonina, endorfina e adrenalina, elas acabam regulando também os níveis estressores de pessoas que lidam com alto nível de tensão, ou de pessoas com depressão que apresentam ausência dessas substâncias. Dessa forma, o esporte se torna uma opção positiva e saudável.

A Internacional Surf Therapy Organization é uma das defensoras do surfe como terapia alternativa. Com sede em Los Angeles, na Califórnia, a organização define o “surfe terapia” como um método de intervenção que combina surf e atividades estruturadas para promover o bem-estar psicológico, físico e psicossocial nas pessoas. Apesar de estar em estágios iniciais, e de não ser tão conhecida, já mostra resultados positivos e tem ganho cada vez mais adeptos em países como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália.

E não é preciso ser um estudioso do assunto ou psicanalista para saber reconhecer os benefícios do contato do mar e da prática de esportes. A pequena Carol define de forma simples e objetiva, como é natural das crianças, o sentimento causado pelo surfe: felicidade.

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