Transformação Digital — o que é, o que não é e o que deveria ser

Danilo Ferreira
Danilo Ferreira
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5 min readJan 23, 2019
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Esse artigo é um daqueles que se escreve em partes e durante anos. Isso mesmo, anos! Durante esse tempo venho juntando uma peça na outra, conversando com muita gente sobre Transformação Digital (TD) e validando a necessidade de escrever algo que lance um pouco de luz sobre o tema. Talvez eu possa te ajudar a entender melhor esse assunto com os “dois centavos de experiência” do que vivi até agora. Como referência de motivação, eu finalmente sentei e escrevi esse texto depois de ler o artigo do João Batista. Recomendo a todos a leitura! E, claro, o objetivo aqui não é competir e sim colaborar com o conhecimento.

Como todo profissional de TI com background em gerenciamento de projetos, vou começar sobre com o que está no escopo e o que está fora dele.

O que é: o nome sempre me causou desconforto. Muitas vezes ouvi: “a TI está passando por uma transformação digital”. Espera um pouco. TI por definição não é digital? O que quero dizer é: não deixamos isso no passado quando saímos da máquina de cartão perfurado? Em algum momento recente a tecnologia foi analógica? Isso mostra o quanto o termo virou um item de prateleira nos discursos sem ao menos questionarmos se isso faz sentido. Indo direto ao ponto, TD é um processo — e um processo é uma série de ações que são realizadas em uma ordem para atingir um resultado em particular, segundo o dicionário Collins.

E o sujeito a “sofrer” essa transformação não deveria ser toda a empresa? Se a transformação digital da empresa é focada somente em TI, pode parar.

Isso nunca vai dar certo!

Justamente porque um dos pontos dessa transformação é colocar TI na mesa de discussões sobre o futuro da empresa. Se uma analogia ajudar, em um restaurante, TI sairia da cozinha e discute o pedido junto com o cliente. Mesmo que depois ela volte à cozinha para preparar o pedido. Essa mudança é muito significativa na prática, pois o setor passa a ser envolvido, ao invés de somente comunicado sobre a estratégia e o que será feito.

Isso vem ao encontro de uma constatação que o mercado já está fazendo: as empresas que estão ganhando o jogo são aquelas que entenderam que o core-business delas é ser uma empresa de tecnologia acima de qualquer coisa. O AirBnB é uma empresa de tecnologia que vende turismo. A Amazon é uma empresa de tecnologia que vende varejo. E esses são só os exemplos mais atuais e cristalinos. Só estamos talvez deslocados no tempo e fazendo essa constatação no começo de uma onda de mudanças/transformações organizacionais. Hoje esses segmentos/industrias que não estão sofrendo a transformação ficam para trás enquanto há empresas se destacando usando dados (tomando decisões data-driven) e processos oriundos de tecnologia.

Apesar de essa ser a principal característica da transformação, não é a única. Ela anda em conjunto com outras mudanças. Como a mudança na maneira como nos relacionamos com orçamentos. Qual a porcentagem de acerto dos gestores em relação ao que pediram no orçamento inicial (B zero, OPEX e CAPEX?) e o quanto gastaram? Será que esse processo não é caro, ineficiente e gera atitudes do tipo “precisamos gastar tudo, senão ano que vem pode vir menos”? Ou seja, temos um mindset institucionalizado que premia aquele que acerta o número, ao invés de quem faz mais com menos e economiza para a empresa.

A mudança de como nos relacionamos com projetos, que inclui, mas não se limita, a mudança da maneira como gerenciarmos escopo através de produtos e não mais projetos. Isso abre uma oportunidade gigantesca para a empresa rever o seu portfólio, avaliar o que é mais forte e definir o que faz sentido manter e focar e o que pode ser abandonado.

A mudança na gestão de pessoas e conhecimento, com as empresas entendendo que o grande capital que elas possuem e não é facilmente mensurável são seus funcionários. Gente altamente capaz que se motiva e acredita no propósito da empresa. Empresas que entendem que processos precisam ser mudados e revistos constantemente, mas que eles são seguidos por pessoas e nunca deveriam estar acima dos funcionários e clientes. Do mesmo modo, elas devem compreender que, sem pedir passagem, foi invertida a equação que a empresa é que única e exclusivamente seleciona o funcionário. Hoje as pessoas capacitadas têm muitas opções disponíveis e muitas vezes topam ganhar um pouco menos e trabalhar com gente bacana em um ambiente legal. Sim, isso existe e tem se tornado cada vez mais frequente.

TD também é a mudança na gestão do medo. Vivemos tempos com menos certezas, menos vaidade e mudanças que acontecem com mais frequência, incluindo a mudança na maneira como os gestores de pessoas trabalham. Eles devem gastar tempo se relacionando com o seu time, entendendo a motivação das pessoas e fazendo do ambiente de trabalho um lugar melhor, e fazendo relatórios e se relacionando com outros gestores para fazer política. E com certeza não agindo como “vigiar e punir” na liderança do time.

Por fim, há a mudança ou atualização de tecnologias que a empresa usa. Tecnologia é só uma parte das mudanças em transformação digital. Em resumo, há um conjunto de mudanças que precisa ser orquestrado. E essa orquestração da TD é o grande desafio. Por exemplo, mudar de projetos para produtos, mas não endereçar previamente como será o orçamento, indica uma mudança rasa e que perde bastante do seu potencial caso todas as mudanças estivessem sendo postas em prática.

O que não é TD: Agile coaches, treinamento da área de negócios em Scrum ou Kaban, paredes coloridas, liberar bermuda e camiseta, abraçar árvore, discursos motivacionais reforçando que as coisas vão mudar e há espaço para todos que querem mudar junto com a empresa, continuar tratando as empresas envolvidas como “cliente e fornecedor”, Trelo e JIRA para acompanhar as atividades, mindset que estabelece que a empresa é a última bolacha do pacote, sala de video game, Slack, deploy contínuo, devops e horário flexível até a página 2. Importante ressaltar que todas essas iniciativas têm o seu valor, mas que elas não são suficientes (sozinhas) para serem chamadas de uma transformação digital.

Como o tema é grande e nosso tempo e foco restrito, vou quebrar esse tema em mais artigos para discutir as partes desse conjunto de transformações.

Nota:
Já passei por três tentativas de transformação digital em grandes empresas (mais de 10 mil funcionários) nos últimos 10 anos. É sempre bom explicitar: essas são as minhas experiências e minhas definições práticas sobre o tema. Não tenho a intenção (nem pretensão) de esgotar a discussão sobre esse assunto. Ao contrário, acredito que com a discussão e a troca de ideias será possível expandir essas definições.

Originalmente publicado no Linkedin em 23 de janeiro de 2019

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Danilo Ferreira
Danilo Ferreira

Danilo Ferreira, CTO com 20+ anos, especialista em desenvolvimento ágil e liderança técnica. Formado em Computação, MBA em TI, apaixonado por inovação.