O ano em que eu saltei sem paraquedas

Rafa Lima
Daoravida
Published in
4 min readDec 27, 2016
Grand Canyon, 2013. (Foto: Rafa Ferreira)

Chegar aos 28 colecionando anos excelentes é um privilégio, eu sei disso. Anos de descobertas, de alegrias, êxitos pessoais e profissionais. Anos de evolução. Essa escalada constante me fez acreditar no poder de um novo ano, em recarregar as energias e acreditar. Pausa para acreditar. Foi assim que eu defini o significado de Réveillon, anos atrás.

Depois de tantas experiências positivas, apesar dos percalços dos últimos dois anos, eu senti que era hora de arriscar. Buscar a felicidade de outra forma, em outras vielas da vida. E eu fiz. Respaldado pelo autoconhecimento que eu adquiri nesse período, de saber quem eu sou, quais são minhas paixões e o que eu sei fazer razoavelmente bem, eu achei que estava pronto para me jogar. Um salto sem paraquedas que durou vários meses.

Já são nove meses fora da roda, como eu costumo dizer, ou do meu período sabático, como digo quando preciso prestar contas a alguém sobre porque eu não trabalho.

O termo “período sabático” sugere que todos os dias são sábados durante um tempo, e está na moda. Provavelmente você imagine alguém que encontrou significado na vida, depois de viajar 47 países em troca de abraços ou fazendo trabalho voluntário com crianças órfãs em Gana. Eu gostaria muito, por sinal, que meu ano tivesse sido assim, no entanto este não é um post do Hypeness.

A gente já nasce na roda. Jardim de infância, escola, aprender a ler — até os 7 anos! — esportes, passar de ano, video game, andar de bicicleta, dar o primeiro beijo, prestar vestibular, fazer faculdade, arrumar um estágio, um emprego, ser promovido, casar, ter um carro novo, ter um filho, uma casa, uma adega climatizada, um cachorro de raça, viajar nas férias, assinar Netflix, e tudo mais que todo mundo que está na roda tem como modelo de procedimento. Como um formulário a ser preenchido e entregue na saída.

Você com certeza já ouviu o despertador tocar e quis continuar dormindo mas não podia. Já desejou não sair da cama numa segunda-feira modorrenta. Afinal, temos compromissos às segundas desde que nos entendemos por gente. É automático. No entanto, nesse ano eu descobri é mais difícil começar uma semana tendo a liberdade de fazer absolutamente tudo o que você quiser, inclusive não levantar. Acredite em mim.

Muita coisa muda quando você não precisa levantar na segunda, quando você levanta mas ainda precisa decidir o que fazer. Quando você não tem absolutamente nada para fazer. E não compare com férias, não tem nada a ver. A liberdade é implacável.

Eu chorei às segundas. Não só às segundas, também chorei no meio da tarde de algum dia bom e passei alguns dias sem querer abrir a janela e deixar a luz entrar. Eu fiquei angustiado muitas vezes. Eu não quis sair de casa. Eu evitei pessoas, pessoas queridas, para não precisar responder o que eu estava fazendo.

Me dei conta de que coragem não era suficiente para mudar o rumo da minha vida. Que eu não estava preparado e que eu não me conhecia tão bem como imaginei. A gente nunca para de se conhecer. Que eu não conseguiria ter o controle o tempo todo. Descobri na marra.

Descobri também que eu preciso de poucas coisas para ser feliz. Não comprei nada e nada me falta: eu sou feliz. E só me basta pessoas e sonhos. Pessoas para compartilhar, para rir, para ouvir e contar, para esquecer da vida. E sonhos para não desistir, para levantar às segundas e também às quintas. Para querer mais. E arte, claro, porque a vida não basta.

Aprendi tanto. Fiquei mais cascudo, superei as dificuldades e frustrações, tentei e não deu certo, tentei e deu certo. Tomei notas para a vida. Saio mais forte mas ainda incerto. Fato é que como não preciso de muito, não aceito qualquer coisa. A vida é tão rara e eu tenho o privilégio de poder ousar viver.

Muitas noites eu quis dormir e só acordar no ano que vem. Quis pular essa fase como quem só quer chegar em casa quando está sem blusa num dia gelado. Respiro aliviado por ter chegado até aqui, por 2017 estar batendo na porta. Eu sobrevivi. Agora respiro fundo; pauso; acredito. Vamos em frente.

Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte
E tenho comigo pensado deus é brasileiro e anda do meu lado
E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro

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