A midiatização e suas nuances
Por Antônio Cândido, Evelin Haslinger, Fernanda Locatelli, Gabriela Schuch, Laura Guerra e Vinícius Brito
Afinal, o que é midiatização?
Na apresentação da proposta do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos — Unisinos, a linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais (linha 4) é apresentada com foco em pesquisar as interações sociais e os processos interpretativos relacionados às mídias que ativam uma circulação midiática por determinações mútuas entre produção, recepção e crítica social. A linha entende a midiatização como as incidências da mídia contemporânea sobre questões de sociedade que, por sua vez, dirigem à mídia expectativas e desafios. A partir dessas questões, elabora uma reflexão continuada sobre o próprio campo da Comunicação.
Seu corpo docente é formado por cinco professores: José Luiz Braga, Antonio Fausto Neto, Pedro Gilberto Gomes, Jairo Ferreira e Ana Paula Rosa. Cada um em sua trajetória e com seu foco de estudo, buscam problematizar, tensionar e ampliar as discussões sobre a midiatização e os processos sociais.
O ponto de convergência entre todos os autores é que eles concebem a midiatização como um fenômeno em processo, ou seja, que está em acontecendo ao mesmo tempo em que se desenvolvem as pesquisas. Trata-se, assim, de um conceito aberto, complexo e em construção, onde se percebe a sociedade não como já midiatização, mas em vias de midiatização.
Mas como cada professor concebe o fenômeno da midiatização?
Embora haja uma definição macro da linha de pesquisa que unifica e direciona os estudos dentro dela, cada professor desenvolve suas pesquisas elaborando conceitos que julgam fundamentais para a compreensão do fenômeno da midiatização. Dessa forma, o conceito central “Midiatização” acaba se desdobrando em objetos específicos como a circulação, os dispositivos midiáticos, os circuitos e dispositivos interacionais, as imagens-totens, a ambiência.
De uma maneira geral, Braga foca na midiatização como um processo interacional em marcha acelerada para se tornar um processo “de referência”, ou seja, reformulações sociotecnológicas de passagem dos processos midiáticos à condição de processualidade interacional de referência. O autor considera que, com a midiatização crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade. Tais processos interacionais, em sua generalidade, se deslocam para modos mais complexos, envolvendo a diversidade crescente da midiatização — o que é bem mais amplo e diferenciado do que referir simplesmente o uso dos meios. Para saber mais, clique aqui.
Fausto Neto entende a midiatização como uma consequência da prática de comunicação que impõem novos processos que superaram os “protocolos clássicos”. A sociedade onde se desenvolve a midiatização é constituída por uma nova natureza sócio-organizacional no momento em que as linearidades dão espaço para descontinuidades, onde as noções de comunicação homogêneas são subvertidas às noções de fragmentos e heterogeneidade. Leia mais abaixo ou clicando aqui.
Gomes analisa a midiatização a partir do conceito de ambiência, em que não só a comunicação é potencializada, mas a sofisticação tecnológica, amplamente utilizada desde a mais tenra idade, cria um novo ambiente matriz que determina o modo de ser, pensar e agir das pessoas. Mais informações aqui!
Em suas pesquisas, Ferreira trabalha a midiatização como uma matriz complexa que coloca em uma relação de mútua determinação os polos dispositivos midiáticos, processos sociais e processos de comunicação. Dando foco ao estudo das incertezas e indeterminações em contextos de midiatização, trabalha com três hipóteses para os dispositivos midiáticos: são adaptativos, regulatórios e disruptivos. E é nesta última instância que eclodem as defasagens entre as lógicas de produção e de reconhecimento. Clique aqui para ler mais.
Por fim, Rosa trabalha o conceito de midiatização focando sua análise na fixação e circulação de imagens que, na sociedade em vias de midiatização, passam a operar uma nova processualidade e ganham nova importância junto à sociedade. Estas imagens são conceituadas pela pesquisadora como imagens-totens. Para conhecer mais da pesquisa, clique aqui.
Ainda com dúvidas sobre o que é a midiatização?
Então aqui vai um esquema para ajudar!
O esquema proposto por Eliseo Verón (1997), autor essencial para as discussões sobre midiatização, trabalha com três esferas: Instituições não midiáticas, ou seja, aquelas que não possuem a mídia como função primária, mesmo que se utilizem de seus processos; Meios, como a esfera propriamente da mídia; e atores individuais. Essas três esferas possuem quatro zonas de afetações: C1 — relação dos meios com as instituições e vice-versa; C2 — relação dos meios com os indivíduos e vice-versa; C3 — relação das instituições com os indivíduos e vice-versa; C4 — a maneira como os meios afetam as relações entre as instituições e os indivíduos e vice-versa. Para ler mais sobre a perspectiva abordada por Verón, clique aqui.
Quem sabe um vídeo para entender melhor? :)
Tem também uma apresentação bem linda no Prezi, se clicar aqui :)
E para aprofundar a discussão, destaca-se os principais pontos de dois textos essenciais para a compreensão da midiatização. O primeiro, Circulação além das bordas, é de autoria de Antonio Fausto Neto e situa as pesquisas sobre midiatização no Brasil e na América Latina. Já o segundo, A midiatização da cultura e da sociedade, de Stig Hjavard, apresenta uma perspectiva nórdica sobre o processo em questão.
A circulação além das bordas — Antonio Fausto Neto
No título, o autor faz uma metáfora. Para além das bordas, refere-se para além do que foi apresentado/pesquisado sobre o conceito até o momento.
O autor Antonio Fausto Neto, examina o conceito de circulação tendo como referência a sociedade em vias de midiatização. Parte da hipótese de que a circulação organiza uma nova arquitetura comunicacional, afetando as condições de vínculos entre os produtores e receptores, configurando novos modos de interação entre instituições, mídias e atores sociais. A circulação é um conceito histórico em diferentes teorias da comunicação, mas por décadas foi vista de forma automática pela tradição funcionalista. Foi estabelecido que o produtor gera uma informação e seu sentido, cabendo ao receptor apenas reconhecer a mensagem nos termos em que foi enviada.
Em relação aos meios, Fausto Neto explica:
“Trata-se de papel central, mas não exclusivo, uma vez que é neste contexto dos campos sociais ocorrem novas modalidades de disputas de sentidos entre diferentes campos e seus atores sociais” […] Sem dúvida, que a constituição de campos sociais e as lutas tecno-discursivas neles travadas pelo trabalho de produção de sentido, complexificam-se com a intervenção de suas dinâmicas de novos processos e dispositivos, como os midiáticos” (2010, p. 5 e 6).
O público reage ao que chega a ele conforme seus conhecimentos e informações, sua posição no mundo, sua pessoa. Não deixa de comentar e levar adiante, em conversas cotidianas, suas considerações sobre o que leu, ouviu ou assistiu. Recebe e emite conteúdo. Por meio de modernas tecnologias, as pessoas passam a ter condições de produzir e difundir conteúdo sobre mensagens recebidas. É a sociedade em midiatização: “O receptor é re-situado em outros papeis na própria arquitetura comunicacional emergente” (FAUSTO NETO, 2010, p.6).
Oferta e apropriação têm gramáticas e lógicas diferenciadas. Na sociedade em vias de midiatização, a circulação complexifica seus papéis ao organizá-las segundo novas dinâmicas de interface, deixando de ser um elemento invisível nessa nova ambiência midiatizada. O encontro de produção e recepção se dá num local que não é nem uma, nem outra — é um terceiro, o da circulação, que as coloca em pelo menos duas situações: de um lado, as põe em contato, mas por outro faz com que se movam em dinamicidades próprias.
Essas diferenças produzem sentidos. É nessa interdiscursividade que se faz a comunicação. A visão transmissional cria fronteiras entre emissor e receptor. A circulação ultrapassa esses limites. Circulação não tem começo nem fim previstos. É pôr adiante. O que nos desafia daqui para frente é investigar a complexidade da circulação para além de suas bordas.
A midiatização da cultura e da sociedade — Stig Hjavard
Stig Hjavard é professor da Universidade de Copenhague e representa a perspectiva nórdica, o pensamento da escola dinamarquesa sobre o conceito de midiatização.
Em seu texto, procura refletir sobre a midiatização e a mudança cultural e social em uma perspectiva institucional, desenvolvida para apreender as relações estruturais de mudança entre a mídia e as diferentes esferas da sociedade.
Dessa forma, promove uma observação dos atravessamentos da midiatização nas diversas instituições sociais, como a família, a religião, o trabalho, a política etc. Foca em como as instituições se apropriam dos recursos dos meios de comunicação e das possibilidades de construir relações sociais e produzir atenção por meio da ação comunicativa. Exemplos: impactos do uso de celulares e computadores dentro das famílias; Impactos das plataformas digitais que permitem que se trabalhe em casa etc.
Os meios são vistos como estruturas, como um conjunto de recursos e regras que impõem condições ao mesmo tempo em que possibilitam a ação reflexiva humana. Assim, a influência da mídia na mudança cultural e social se dá pelas mudanças nas relações inter-institucionais. Ou seja, todas as instituições, inclusive os meios de comunicação, dependem de outras instituições em uma relação complexa, de mútua determinação.
Assim, midiatização é vista como processo de longo prazo, um processo contínuo em que os meios de comunicação alteram as relações e comportamentos humanos que, consequentemente impactam na sociedade e na cultura.
Conceito de midiatização proposto por Stig Hjavard:
- Extensão, substituição, fusão e acomodação são processos importantes da midiatização. Os meios de comunicação alteram a comunicação e interação humana a partir de quatro aspectos: Estendem as habilidades de comunicação no tempo e espaço; Substituem atividades sociais face a face; Estimula uma fusão de atividades (face a face e mediadas) e; Provocam uma adaptação de comportamentos dos atores para acomodar as valorações, formatos e rotinas dos meios de comunicação;
- Análises históricas, culturais e sociológicas são necessárias para validação empírica;
- A análise da midiatização deve ser pensada em um nível meso (teoria do meio-termo) da cultura e da sociedade. Acima do nível das interações microsociais e abaixo do nível macro das assertivas gerais sobre a sociedade como um todo. Evitando a generalização excessiva e a teorização insuficiente.
- A midiatização é um processo da alta modernidade, quando os meios de comunicação se tornam mais independentes das outras instituições (semi-independente), ao mesmo tempo em que se reintegram à cultura e à sociedade (inter-relações).
O autor emprega o termo lógica da mídia para reconhecer o modus operandi da mídia como própria e capaz de influenciar outras instituições, bem como a natureza e as relações sociais e as relações entre o emissor, o conteúdo e o receptor. O grau de dependência em relação aos canais de comunicação é variável entre instituições e setores da sociedade.
Ao abordar a discussão da midiatização junto ao conceito de globalização, dois aspectos são importantes. Essa relação, por um lado presume a existência de meios técnicos que permitem estender a comunicação e a interação a longas distâncias e por outro impulsiona os processos de midiatização ao institucionalizar a comunicação e a interação mediada em muitos novos contextos.
Para Hjavard, talvez o fator mais relevante dos meios seja a possibilidade de interação à distância, ou seja, a realização de atividades transcendendo a presença. Aqui, interação é vista como comunicação e ação, intercâmbio entre duas partes. Dessa forma, não se trata só de troca de informação, mas de influência nas relações nos diversos ambientes.
A influência dos meios de comunicação está em uma relação de dependência com o tempo e o espaço. Em ambientes diversos, a relação e interação com e através dos meios se altera em sua forma. Exemplo: Comentários de ódio no facebook que talvez não ocorressem face a face. O cyberbullying também pode ser considerado como exemplo dessas alterações de ação e comportamento no uso de um meio específico, e de um momento histórico e sóciogeográfico.
Outro impacto importante da midiatização é que ela possibilita a virtualização das instituições sociais, provocando mudanças culturais e sociais. Exemplo: Resolver problemas por telefone ou internet. Pedir ligamento da energia elétrica por telefone, fazer transferências bancárias pela internet etc.
Portanto, a midiatização é um processo que influencia todos os campos. É vista, por Hjavard, como expansão das oportunidades de interação nos espaços virtuais e diferenciação do que as pessoas percebem como real. Nesse cenário, as divisões ontológicas (fato e ficção, natureza e cultura, global e local), se modificam.
Por fim, a interação mediada não é nem mais nem menos interação do que a não mediada. Interação é interação. Mas falar em midiatização significa dizer que, tanto a interação mediada quanto a não mediada são afetadas pela presença dos meios de comunicação.
REFERÊNCIAS
FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos Brasil y Argentina. Rosário: UNR, 2010, p. 2–17.
HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2014, p. 13–72.