A midiatização e suas nuances

Fernanda Locatelli
Das Teorias
Published in
10 min readJun 24, 2016

Por Antônio Cândido, Evelin Haslinger, Fernanda Locatelli, Gabriela Schuch, Laura Guerra e Vinícius Brito

Afinal, o que é midiatização?

Na apresentação da proposta do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos — Unisinos, a linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais (linha 4) é apresentada com foco em pesquisar as interações sociais e os processos interpretativos relacionados às mídias que ativam uma circulação midiática por determinações mútuas entre produção, recepção e crítica social. A linha entende a midiatização como as incidências da mídia contemporânea sobre questões de sociedade que, por sua vez, dirigem à mídia expectativas e desafios. A partir dessas questões, elabora uma reflexão continuada sobre o próprio campo da Comunicação.

Seu corpo docente é formado por cinco professores: José Luiz Braga, Antonio Fausto Neto, Pedro Gilberto Gomes, Jairo Ferreira e Ana Paula Rosa. Cada um em sua trajetória e com seu foco de estudo, buscam problematizar, tensionar e ampliar as discussões sobre a midiatização e os processos sociais.

O ponto de convergência entre todos os autores é que eles concebem a midiatização como um fenômeno em processo, ou seja, que está em acontecendo ao mesmo tempo em que se desenvolvem as pesquisas. Trata-se, assim, de um conceito aberto, complexo e em construção, onde se percebe a sociedade não como já midiatização, mas em vias de midiatização.

Mas como cada professor concebe o fenômeno da midiatização?

Embora haja uma definição macro da linha de pesquisa que unifica e direciona os estudos dentro dela, cada professor desenvolve suas pesquisas elaborando conceitos que julgam fundamentais para a compreensão do fenômeno da midiatização. Dessa forma, o conceito central “Midiatização” acaba se desdobrando em objetos específicos como a circulação, os dispositivos midiáticos, os circuitos e dispositivos interacionais, as imagens-totens, a ambiência.

Prof. Dr. José Luiz Braga

De uma maneira geral, Braga foca na midiatização como um processo interacional em marcha acelerada para se tornar um processo “de referência”, ou seja, reformulações sociotecnológicas de passagem dos processos midiáticos à condição de processualidade interacional de referência. O autor considera que, com a midiatização crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade. Tais processos interacionais, em sua generalidade, se deslocam para modos mais complexos, envolvendo a diversidade crescente da midiatização — o que é bem mais amplo e diferenciado do que referir simplesmente o uso dos meios. Para saber mais, clique aqui.

Prof. Dr. Antônio Fausto Neto

Fausto Neto entende a midiatização como uma consequência da prática de comunicação que impõem novos processos que superaram os “protocolos clássicos”. A sociedade onde se desenvolve a midiatização é constituída por uma nova natureza sócio-organizacional no momento em que as linearidades dão espaço para descontinuidades, onde as noções de comunicação homogêneas são subvertidas às noções de fragmentos e heterogeneidade. Leia mais abaixo ou clicando aqui.

Prof. Dr. Padre Pedro Gilberto Gomes

Gomes analisa a midiatização a partir do conceito de ambiência, em que não só a comunicação é potencializada, mas a sofisticação tecnológica, amplamente utilizada desde a mais tenra idade, cria um novo ambiente matriz que determina o modo de ser, pensar e agir das pessoas. Mais informações aqui!

Prof. Dr. Jairo Getulio Ferreira

Em suas pesquisas, Ferreira trabalha a midiatização como uma matriz complexa que coloca em uma relação de mútua determinação os polos dispositivos midiáticos, processos sociais e processos de comunicação. Dando foco ao estudo das incertezas e indeterminações em contextos de midiatização, trabalha com três hipóteses para os dispositivos midiáticos: são adaptativos, regulatórios e disruptivos. E é nesta última instância que eclodem as defasagens entre as lógicas de produção e de reconhecimento. Clique aqui para ler mais.

Profª. Drª. Ana Paula Rosa

Por fim, Rosa trabalha o conceito de midiatização focando sua análise na fixação e circulação de imagens que, na sociedade em vias de midiatização, passam a operar uma nova processualidade e ganham nova importância junto à sociedade. Estas imagens são conceituadas pela pesquisadora como imagens-totens. Para conhecer mais da pesquisa, clique aqui.

Ainda com dúvidas sobre o que é a midiatização?

Então aqui vai um esquema para ajudar!

O esquema proposto por Eliseo Verón (1997), autor essencial para as discussões sobre midiatização, trabalha com três esferas: Instituições não midiáticas, ou seja, aquelas que não possuem a mídia como função primária, mesmo que se utilizem de seus processos; Meios, como a esfera propriamente da mídia; e atores individuais. Essas três esferas possuem quatro zonas de afetações: C1 — relação dos meios com as instituições e vice-versa; C2 — relação dos meios com os indivíduos e vice-versa; C3 — relação das instituições com os indivíduos e vice-versa; C4 — a maneira como os meios afetam as relações entre as instituições e os indivíduos e vice-versa. Para ler mais sobre a perspectiva abordada por Verón, clique aqui.

Quem sabe um vídeo para entender melhor? :)

Tem também uma apresentação bem linda no Prezi, se clicar aqui :)

E para aprofundar a discussão, destaca-se os principais pontos de dois textos essenciais para a compreensão da midiatização. O primeiro, Circulação além das bordas, é de autoria de Antonio Fausto Neto e situa as pesquisas sobre midiatização no Brasil e na América Latina. Já o segundo, A midiatização da cultura e da sociedade, de Stig Hjavard, apresenta uma perspectiva nórdica sobre o processo em questão.

A circulação além das bordas — Antonio Fausto Neto

No título, o autor faz uma metáfora. Para além das bordas, refere-se para além do que foi apresentado/pesquisado sobre o conceito até o momento.

O autor Antonio Fausto Neto, examina o conceito de circulação tendo como referência a sociedade em vias de midiatização. Parte da hipótese de que a circulação organiza uma nova arquitetura comunicacional, afetando as condições de vínculos entre os produtores e receptores, configurando novos modos de interação entre instituições, mídias e atores sociais. A circulação é um conceito histórico em diferentes teorias da comunicação, mas por décadas foi vista de forma automática pela tradição funcionalista. Foi estabelecido que o produtor gera uma informação e seu sentido, cabendo ao receptor apenas reconhecer a mensagem nos termos em que foi enviada.

Em relação aos meios, Fausto Neto explica:

“Trata-se de papel central, mas não exclusivo, uma vez que é neste contexto dos campos sociais ocorrem novas modalidades de disputas de sentidos entre diferentes campos e seus atores sociais” […] Sem dúvida, que a constituição de campos sociais e as lutas tecno-discursivas neles travadas pelo trabalho de produção de sentido, complexificam-se com a intervenção de suas dinâmicas de novos processos e dispositivos, como os midiáticos” (2010, p. 5 e 6).

O público reage ao que chega a ele conforme seus conhecimentos e informações, sua posição no mundo, sua pessoa. Não deixa de comentar e levar adiante, em conversas cotidianas, suas considerações sobre o que leu, ouviu ou assistiu. Recebe e emite conteúdo. Por meio de modernas tecnologias, as pessoas passam a ter condições de produzir e difundir conteúdo sobre mensagens recebidas. É a sociedade em midiatização: “O receptor é re-situado em outros papeis na própria arquitetura comunicacional emergente” (FAUSTO NETO, 2010, p.6).

Oferta e apropriação têm gramáticas e lógicas diferenciadas. Na sociedade em vias de midiatização, a circulação complexifica seus papéis ao organizá-las segundo novas dinâmicas de interface, deixando de ser um elemento invisível nessa nova ambiência midiatizada. O encontro de produção e recepção se dá num local que não é nem uma, nem outra — é um terceiro, o da circulação, que as coloca em pelo menos duas situações: de um lado, as põe em contato, mas por outro faz com que se movam em dinamicidades próprias.

Essas diferenças produzem sentidos. É nessa interdiscursividade que se faz a comunicação. A visão transmissional cria fronteiras entre emissor e receptor. A circulação ultrapassa esses limites. Circulação não tem começo nem fim previstos. É pôr adiante. O que nos desafia daqui para frente é investigar a complexidade da circulação para além de suas bordas.

A midiatização da cultura e da sociedade — Stig Hjavard

Stig Hjavard é professor da Universidade de Copenhague e representa a perspectiva nórdica, o pensamento da escola dinamarquesa sobre o conceito de midiatização.

Em seu texto, procura refletir sobre a midiatização e a mudança cultural e social em uma perspectiva institucional, desenvolvida para apreender as relações estruturais de mudança entre a mídia e as diferentes esferas da sociedade.

Dessa forma, promove uma observação dos atravessamentos da midiatização nas diversas instituições sociais, como a família, a religião, o trabalho, a política etc. Foca em como as instituições se apropriam dos recursos dos meios de comunicação e das possibilidades de construir relações sociais e produzir atenção por meio da ação comunicativa. Exemplos: impactos do uso de celulares e computadores dentro das famílias; Impactos das plataformas digitais que permitem que se trabalhe em casa etc.

Os meios são vistos como estruturas, como um conjunto de recursos e regras que impõem condições ao mesmo tempo em que possibilitam a ação reflexiva humana. Assim, a influência da mídia na mudança cultural e social se dá pelas mudanças nas relações inter-institucionais. Ou seja, todas as instituições, inclusive os meios de comunicação, dependem de outras instituições em uma relação complexa, de mútua determinação.

Assim, midiatização é vista como processo de longo prazo, um processo contínuo em que os meios de comunicação alteram as relações e comportamentos humanos que, consequentemente impactam na sociedade e na cultura.

Conceito de midiatização proposto por Stig Hjavard:

- Extensão, substituição, fusão e acomodação são processos importantes da midiatização. Os meios de comunicação alteram a comunicação e interação humana a partir de quatro aspectos: Estendem as habilidades de comunicação no tempo e espaço; Substituem atividades sociais face a face; Estimula uma fusão de atividades (face a face e mediadas) e; Provocam uma adaptação de comportamentos dos atores para acomodar as valorações, formatos e rotinas dos meios de comunicação;

- Análises históricas, culturais e sociológicas são necessárias para validação empírica;

- A análise da midiatização deve ser pensada em um nível meso (teoria do meio-termo) da cultura e da sociedade. Acima do nível das interações microsociais e abaixo do nível macro das assertivas gerais sobre a sociedade como um todo. Evitando a generalização excessiva e a teorização insuficiente.

- A midiatização é um processo da alta modernidade, quando os meios de comunicação se tornam mais independentes das outras instituições (semi-independente), ao mesmo tempo em que se reintegram à cultura e à sociedade (inter-relações).

O autor emprega o termo lógica da mídia para reconhecer o modus operandi da mídia como própria e capaz de influenciar outras instituições, bem como a natureza e as relações sociais e as relações entre o emissor, o conteúdo e o receptor. O grau de dependência em relação aos canais de comunicação é variável entre instituições e setores da sociedade.

Ao abordar a discussão da midiatização junto ao conceito de globalização, dois aspectos são importantes. Essa relação, por um lado presume a existência de meios técnicos que permitem estender a comunicação e a interação a longas distâncias e por outro impulsiona os processos de midiatização ao institucionalizar a comunicação e a interação mediada em muitos novos contextos.

Para Hjavard, talvez o fator mais relevante dos meios seja a possibilidade de interação à distância, ou seja, a realização de atividades transcendendo a presença. Aqui, interação é vista como comunicação e ação, intercâmbio entre duas partes. Dessa forma, não se trata só de troca de informação, mas de influência nas relações nos diversos ambientes.

A influência dos meios de comunicação está em uma relação de dependência com o tempo e o espaço. Em ambientes diversos, a relação e interação com e através dos meios se altera em sua forma. Exemplo: Comentários de ódio no facebook que talvez não ocorressem face a face. O cyberbullying também pode ser considerado como exemplo dessas alterações de ação e comportamento no uso de um meio específico, e de um momento histórico e sóciogeográfico.

Outro impacto importante da midiatização é que ela possibilita a virtualização das instituições sociais, provocando mudanças culturais e sociais. Exemplo: Resolver problemas por telefone ou internet. Pedir ligamento da energia elétrica por telefone, fazer transferências bancárias pela internet etc.

Portanto, a midiatização é um processo que influencia todos os campos. É vista, por Hjavard, como expansão das oportunidades de interação nos espaços virtuais e diferenciação do que as pessoas percebem como real. Nesse cenário, as divisões ontológicas (fato e ficção, natureza e cultura, global e local), se modificam.

Por fim, a interação mediada não é nem mais nem menos interação do que a não mediada. Interação é interação. Mas falar em midiatização significa dizer que, tanto a interação mediada quanto a não mediada são afetadas pela presença dos meios de comunicação.

REFERÊNCIAS

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos Brasil y Argentina. Rosário: UNR, 2010, p. 2–17.

HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2014, p. 13–72.

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Fernanda Locatelli
Das Teorias

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos