Estudos Culturais: o debate continua (parte 2, 3,…)

Fabricia Bogoni
Das Teorias
Published in
6 min readMay 17, 2016

por Fabricia Bogoni, Júnior Melo da Luz e Lidiane Mallmann

Os Estudos Culturais são controversos. Eles não se deixam classificar, muito menos se definir. Não há uma fórmula, uma receita ou sequer um esquema de aplicação rápida. O que se sabe é que reúnem uma verdadeira complexidade e multiplicidade de estudos. Ainda que não possuam um referencial teórico e epistemológico, uma obra máxima na qual possam se amparar, um cânone, que seja, para se guiar, é possível traçar algumas poucas características elementares: o interesse pela cultura e as suas relações com a história e a sociedade, a abordagem da vida cotidiana e atividade humana como constituintes da cultura e a posição intelectual-teórico-política.

Esse campo de estudos — como nós preferimos chamar — suscita discussões bastante interessantes; como as que tivemos em 03 de maio de 2016, dia em que apresentamos os Estudos Culturais aos colegas de Teorias da Comunicação. O nosso objetivo com esse relatório não é encerrar um debate, mas, tal como o projeto dos Estudos Culturais, começar outro. A partir das leituras de Ana Carolina Escosteguy e, principalmente, de Luís Mauro Sá Martino, vimos que a dificuldade em compreender os Estudos Culturais está na insistência em encaixotá-los, em sintetizá-los em uma frase que permita transmitir a sua essência. Nada mais injusto. A indefinição teórico-epistemológica ou a ausência de um cânone é algo desejado no projeto desses pesquisadores. Os Estudos Culturais estão in process. Cada novo trabalho tem a oportunidade de repensar os pressupostos estabelecidos até o momento.

O nosso desejo é de que a parte 2 desse debate reverbere em parte 3 e em outras tantas mais que forem necessárias. Como (futuros) pesquisadores, vivemos à base de perguntas. Então, façamos mais algumas… Ou as suas dúvidas já terminaram? Se sim, sugerimos repensar as suas certezas.

Apresentação dos textos em sala de aula: retomando a parte 1

Em nossa abordagem sobre os Estudos Culturais, utilizamos três textos; dentre eles, dois de leitura obrigatória e um complementar (escolhido por nós). Na sequência, segue a síntese geral dos conteúdos de cada um. Para ler os tópicos principais das leituras, veja o PPT da nossa apresentação.

Estudos Culturais: nesse capítulo de livro, a pesquisadora Ana Carolina Escosteguy traça de modo didático e em linhas gerais a trajetória dos Estudos Culturais, da origem — através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) — à atualidade, seguindo o viés dos mass media e da cultura popular.

A dissolução dos Estudos Culturais: consenso genealógico e indefinição epistemológica: nesse artigo, o pesquisador Luís Mauro Sá Martino aponta a ausência de uma organização teórica e epistemológica no que constitui os Estudos Culturais não como um problema, mas como uma dissolução, enquanto disseminação desses estudos para outras áreas das Ciências Humanas, como a Comunicação, por exemplo.

Codificação e Decodificação: texto de Stuart Hall — quem foi uma figura de destaque dos Estudos Culturais, um pesquisador reconhecido amplamente por seu trabalho, um incentivador na realização de pesquisas sobre resistência de subculturas e meios de comunicação de massa, o líder do CCCS. Para Hall, codificação é como um código vai ser construído para ser emitido, e decodificação é como um receptor vai receber aquele código, interpretá-lo e reconstruí-lo. Para que não cause um estranhamento, é preciso que o código seja comum, em forma e em aparência, entre emissor e receptor. Esse código está presente no aspecto cultural da sociedade contemporânea.

Questões de debate: iniciando a parte 2

Nossa proposta é problematizar a pesquisa em Comunicação e a postura do pesquisador diante de seu objeto a partir de alguns aspectos dos Estudos Culturais presentes nos textos de Escosteguy e Martino.

A partir de Ana Carolina Escosteguy

  • A cultura para os pesquisadores dos Estudos Culturais é: heterogênea, no sentido de que as manifestações ocorrem de maneiras diferentes socialmente e historicamente; ativa, como o resultado da produção humana; constituída a partir da vida cotidiana e das artes; uma forma de expressão, a qual não pode ser hierarquizada e colocada em oposição a outras. — Como, então, nós poderíamos valorizar e legitimar as diferentes formas de cultura nas pesquisas em Comunicação? Como considerar o jornalismo, a publicidade, as relações públicas, o cinema, a comunicação digital enquanto cultura — já que se podem considerar as práticas profissionais enquanto produção cultural? O quanto os meios de comunicação, a internet, as ferramentas digitais, os softwares, os computadores, a tecnologia e a técnica influenciam na formação da cultura? Estamos atentos às manifestações culturais populares?
  • Para os pesquisadores em Estudos Culturais, não se pode descolar a cultura do contexto no qual ela está inserida, no qual ela se manifesta. — Estaríamos descolando nossos objetos de pesquisa de seus respectivos contextos? Estaríamos deixando de ver aspectos importantes que os atravessam? Como perspectivar os objetos a partir de diversos ângulos de observação e análise? Como recortar do contexto os aspectos mais interessantes a serem abordados em uma pesquisa sem negar a complexidade que envolve os objetos?
  • A partir dos estudos de subculturas, gênero, identidade, raça e etnia (o feminismo, no texto): Como os meios de comunicação os representam, atingem, afetam, influenciam? Como se estabelece a Comunicação com esses grupos específicos, quando se considera a existência de mídia especializada para eles?

A partir de Luís Mauro Sá Martino

  • A única definição em relação aos Estudos Culturais parece ser justamente a sua indefinição teórico-epistemológica. O projeto dos pesquisadores era mantê-los em aberto. Aliás, esse era o desejo de Williams quando disse que os Estudos Culturais teriam um futuro esplêndido desde que o projeto não se engessasse, não se tornasse uma disciplina. — Será que não estaríamos encaixotando demais os conceitos? Pior: estaríamos moldando perspectivas para se adaptar aos nossos objetos? Estaríamos forçando a aplicação de conceitos, de esquemas, de modelos? Estamos construindo adequadamente a teoria de nosso objeto? Que fontes de pesquisa estamos buscando para estudar os nossos objetos? Aquelas que dizem respeito a uma determinada área apenas ou aquelas que, apesar de distantes num primeiro momento, podem contribuir para o desenvolvimento da pesquisa (como por exemplo: a Comunicação e a Psicologia, o Audiovisual e a Filosofia da Vida, da Fotografia, do Cinema,…)?
  • Stuart Hall, ao perspectivar o futuro dos Estudos Culturais, imaginou que o legado seria o de provocar o pensamento sobre o contemporâneo. — De que maneira estamos analisando os acontecimentos da contemporaneidade?
  • A postura intelectual-teórico-política dos pesquisadores em Estudos Culturais, que, além de tentar reformar determinadas insatisfações sentidas em relação à sociedade, tenta instituir um novo campo de estudos. — Em que medida nossas pesquisas buscam fazer algo diferente do que já foi produzido? Em que medida nossas pesquisas resultam em informações novas para o campo da Comunicação? Em que medida essas informações são de interesse para alguém?
  • Se os Estudos Culturais estão em constante construção e autoquestionamento em relação às suas práticas, porque não realizamos esse exercício em relação às nossas pesquisas e aos nossos objetos? Talvez, possamos adotar a proposta de Martino (p. 15), a de que

Seria possível pensar em termos de uma disseminação de algumas concepções básicas dos Estudos Culturais em todo o tecido das ciências humanas, influenciados não por um conjunto de premissas epistemológicas ou por um conceito específico, mas como uma maneira de pesquisar o social de dentro, mas, ao mesmo tempo, com um olhar crítico e questionador das próprias atividades. […].

Essa proposta de Martino parece dar sentido ao nosso debate. Sendo assim, para além das premissas, a grande provocação que fica é: em quê os Estudos Culturais podem nos ajudar a avançar com as pesquisas em Comunicação? Afinal de contas, para quê estudamos essa teoria?

Ana Carolina Escosteguy é graduada em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pelotas e mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Possui pós-doutorado pelo Communication and Media Research Institute, o qual está associado ao Department of Journalism and Mass Communication da School of Media, Art and Design (University of Westminster), da Inglaterra. Atualmente, é professora de graduação no curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Luís Mauro Sá Martino é graduado em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero e mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui pós-doutorado pela School of Political, Social and International Studies (University of East Anglia), da Inglaterra. É professor atualmente no PPG em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Dentre os interesses de pesquisa: estudos em Teorias da Comunicação, Comunicação e Política e Midiatização da Religião.

Referências Bibliográficas (Leitura Obrigatória)

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. In: HOLFELDT, Antônio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga. (Org.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 151–170.

MARTINO, Luís Mauro Sá. A dissolução dos estudos culturais: consenso genealógico e indefinição epistemológica. In: ENCONTRO ANUAL COMPÓS, 19, 2010, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1500.doc>.

Sugestões de Leitura

Estudos Culturais em Comunicação: da tradição britânica à contribuição latino-americana, de Edson Fernando Dalmonte.

Comunicação e Estudos Culturais, de Itania Maria Mota Gomes e Jeder Janotti Júnior.

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Fabricia Bogoni
Das Teorias

Jornalista, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, Bolsista do CNPq.