#Marshall McLuhan: O Profeta da Era Digital

Rumenig Pires
Das Teorias
Published in
11 min readMay 1, 2016

Por Fernando Beretta e Rumenig Pires.

Introdução

Marshall McLuhan é um dos mais notórios pesquisadores nos estudos de mídias. Ao longo de sua vida, desenvolveu diversos conceitos e teorias buscando compreender os efeitos variados de novas tecnologias na sociedade. Na aula do dia 26 de abril de 2016, foram discutidas algumas de suas principais ideias e, nesse breve texto, buscamos discorrer sobre esses conceitos e sobre algumas discussões que ocorreram em aula.

Primeiros trabalhos

O primeiro dos grandes trabalhos de McLuhan foi “The Mechanical Bride” (1951). Nele, McLuhan realizou um estudo seminal sobre cultura popular e publicidade. Famoso por sua abordagem explicitamente contra um método cientifico, já aqui revelou seu método de pesquisa e escrita pouco convencional, consistindo de ensaios curtos e sem ordem especifica, estilo que ele chamou de “mosaico”.

Indo contra sentimentos gerais da época em relação aos estudos culturais, especialmente os desenvolvidos pelos pensadores da Escola de Frankfurt, ele vê a industria cultural de uma maneira positiva e já demasiadamente desenvolvida para ser antagonizada. De acordo com ele, vivemos em um redemoinho cultural, repleto de novas tecnologias que surgem com frequência alucinante. A única maneira de sobreviver a esse redemoinho seria o analisando e compreendendo, abordagem que se expandirá para todas as suas pesquisas e obras futuras.

Sua obra seguinte, “The Gutenberg Galaxy” (1962), estudou os efeitos das mídias de massa como fator de mudança da sociedade. Ele propõe que as tecnologias não são apenas invenções que nós usamos, mas a maneira com a sociedade se reinventa, desenvolvendo o conceito de Ecologia de Mídia.

McLuhan deu atenção especial ao efeito da prensa na cultura europeia e como ela levou a sociedade para uma “tirania do visual”, afetando todas as facetas da sociedade, levando ao eventual desenvolvimento de ideias como o nacionalismo e o dualismo.

Ele descreve quatro épocas de mudança e revolução na sociedade, que ocorreram por influência das novas tecnologias e meios de comunicação:

  1. Cultura tribal oral;
  2. Cultura dos manuscritos, marcada pelo desenvolvimento da escrita;
  3. Galaxia de Gutenberg, com o surgimento da prensa;
  4. Era eletrônica, com o advento da eletricidade;

Ele propõe que os meios eletrônicos acabariam por substituir a cultura visual com uma cultura muito mais aural/oral, que vai resultar em uma sociedade mais afastada do individualismo e da fragmentação em direção à uma identidade mais coletiva com uma base tribal. Ele crê que isso aconteceria a partir de uma nova mídia que será uma extensão da nossa consciência via a eletricidade. Assim surge a ideia da Aldeia Global, um dos conceitos mais importantes dos estudos de McLuhan.

McLuhan ainda traz a ideia do teatro global para se referir a mudança do consumidor para o produtor, da compra para o envolvimento; ideias que se tornam cada vez mais relevantes hoje em dia.

Meio e mensagem

O conceito de mensagem pode parecer confuso à primeira vista. O que o autor que dizer com “meio” e “mensagem”? Não é a mensagem o conteúdo do meio? Como pode o próprio meio ser a mensagem?

Esse uso de termos pode ser criticado. Umberto Eco, por exemplo, pensa que esse conceito é demasiadamente reducionista ao colocar canais, códigos e mensagens sobre o mesmo guarda-chuva conceitual.

Todavia, o que a primeira vista pode parecer reducionismo, se analisado sobre a perspectiva correta, tem muitos méritos. Esse vídeo de 2 minutos é um sucinto resumo sobre a maneira como McLuhan entende os meios:

Ao se referir aos meios, McLuhan está querendo descrever qualquer tecnologia ou suporte que altere a maneira como nos relacionamos com a realidade. Por exemplo, a locomotiva. Antes dela surgir, tínhamos um tipo de relação com o espaço. Nosso transporte anterior era à cavalo e isso impunha uma certa cadência e várias limitações à maneira como as pessoas podiam se deslocar. Com a chegada da locomotiva, novas possibilidades se abriram. Agora havia se tornado possível deslocamentos à grandes distâncias com relativo baixo custo e praticidade. Essas novas possibilidades mudaram a maneira como as pessoas se relacionam com o espaço e as distâncias. Lugares onde não era possível chegar, agora são acessíveis. Esse novo meio, a locomotiva, tem uma mensagem. Essa mensagem é justamente essa nova maneira de encarar o espaço.

McLuhan cita vários exemplos para ilustrar esses conceitos. Ele afirma que o que falamos no telefone não importa. O que importa é o fato de falarmos no telefone. Sua intenção é analisar o impacto que essa tecnologia tem na maneira como nos relacionamos como sociedade. Nesse sentido, ele criticou os teóricos que analisavam conteúdo dos meios ignorando a análise do próprio meio. Ele chamou esses acadêmicos de “sonâmbulos”.

Por outro lado, McLuhan reputava Alexis de Tocqueville como alguém que entendia a gramática dos meios, especialmente a da palavra impressa. Ele elogia a análise de Tocqueville sobre como o fato de a cultura da França ser letrada influenciou na Revolução Francesa em decorrência da uniformização provocada pela disseminação da imprensa. Isso não aconteceu na Inglaterra, onde havia predominância da cultura oral. Tocqueville aponta isso como uma das causas para a revolução não ter tido a mesma força com os ingleses.

Uma reflexão inevitável é tentarmos supor como McLuhan lideria com os meios de nossa época. Como será que ele encararia o Facebook, por exemplo? Essa discussão surgiu em aula e tomamos a liberdade de especular sobre isso.

O ponto de partida dessa reflexão foi um TCC escrito por Rumenig Pires disponível nesse link.

Alguns conceitos trabalhados nesse trabalho avançam sobre as premissas de McLuhan, atualizando-as ao nosso contexto atual. Assim como a locomotiva e a eletricidade alteraram a maneira como nos relacionamos com a realidade, no momento em que vivemos, nosso ambiente está alterado pelas lógicas do software. Segundo Lev Manovich, se a eletricidade e o motor de combustão tornaram a sociedade industrial possível, da mesma forma, o software estaria possibilitando a sociedade global da informação. O software e o computador seriam como que metamídias e o Facebook uma mídia híbrida que combina características de banco de dados com narrativas.

No trabalho, um dos eixos de análise é entender como o Facebook se enuncia e que ferramentas ele oferece aos usuários, para, então, compreender sua natureza midiática. Umas das conclusões que emergiram dessa análise foi a de que ele é uma plataforma que criação de identidade ou personas — personagens de si mesmos, como diria Kilpp.

A partir dessa constatação, fizemos, na conclusão, um amarramento que é epitomizado pela seguinte citação de Zygmunt Bauman:

“Vive-se a própria vida como uma história ainda a ser contada, mas a forma como deve ser tecida a história que se espera contar decide a técnica pela qual o fio da vida é tecido.”

O que queremos dizer com isso é que, nos termos de McLuhan, a presença do meio Facebook altera a maneira como nos relacionamos com a vida na medida em que, na expectativa de compartilharmos o que fazemos, buscamos viver (ou fingir viver) uma vida digna de ser compartilhada e “curtida” pelos outros usuários, ou melhor, outras personas.

Tétrades ou as Leis da Midia

Em seus livros póstumos Laws of Media (1988) e The Global Village (1989), McLuhan resumiu suas ideias sobre como prever os efeitos de uma nova tecnologia no que ele chamou de tétrades, ou as Leis da Mídia. Ele propôs quatro efeitos que indicam os impactos e implicações de uma nova tecnologia e que podem ser utilizados para prever os efeitos que essa tecnologia trará para a sociedade. Ele comenta que, quando uma tecnologia é criada, geralmente não se considera o impacto de sua criação na sociedade e que nós não podemos confiar nos nossos instintos para descobrir isso. Ao invés disso, temos que aguçar os nossos sentidos para estudar o padrão das consequências desse vórtice tecnológico e cultural.

Procurando encontrar um padrão para analisar esses efeitos, ele propôs a ideia das tétrades. Elas podem ser resumidas em quatro perguntas, que são respondidas sempre em relação à tecnologias prévias:

  • O que essa tecnologia aperfeiçoa? (Aperfeiçoar)

Ex: o rádio intensifica a cultura oral, a fala humana. A internet intensifica o fluxo de informações não territoriais, etc.

  • O que essa tecnologia torna obsoleta? (Obsolescer)

Ex: o rádio substitui a cultura da escrita. Impresso é a tecnologia do individualismo, o radio a tecnologia da tribo. Internet torna obsoletas cartas, revistas, TV, e até, eventualmente, viagens aéreas.

  • O que essa tecnologia pode recuperar? (Recuperar)

Ex: rádio resgata o sentido de comunidade, voz do quarteirão, o acesso ao mundo não visual, etc. A internet recupera informações baseadas em texto, recupera um certo tipo de integração social.

  • Como essa ferramenta vai se reverter quando levada ao limite? (Reverte)

Ex: rádio originalmente era um meio criado para uma comunicação de um ponto ao outro, ele pode ser usado de maneira a mobilizar a população, um meio para espalhar informação, noticia, prestar serviço e levar para o surgimento da televisão. Internet se torna praticamente um mundo em si só, um meio multimídia.

No texto de Vinícius Andrade Pereira, que foi discutido em sala, o autor utiliza as tétrades de McLuhan como questionamentos aplicados sobre o Facebook, tentando entender os efeitos que essa nova tecnologia terá na sociedade. Ele concluiu que o Facebook aperfeiçoa “uma serie de ações sociais relacionadas à observação do outro e à vigilância”, assim como outras formas de comunicação como a escrita e a fotografia, ao mesmo tempo que torna obsoleto “meios que se destinavam à interação social e à comunicação, sejam aqueles mais antigos, como as cartas, […] sejam aqueles mais modernos, já dentro da cultura digital, como chats, blogs e correio eletrônico”.

Ao mesmo tempo, o Facebook recupera uma ideia de cidade pequena, da praça, “a fofoca, a opinião livre, o ‘disse me disse’”. Essa recuperação parece levar quase à um sentido literal a visão de McLuhan sobre uma aldeia global, comprovando suas ideias mais de quarenta anos depois.

Por fim, o Facebook, se levado ao seu limite, se torna, além de uma rede social, um espelho da própria internet — contendo produtos, vendas, negócios, etc. Com esses exemplos é possível entender como se aplicariam as leis da mídia propostas por McLuhan para tecnologias contemporâneas, mostrando-se um conceito ainda pertinente nos estudos culturais.

Meios quentes e frios

Um dos conceitos mais complexos e polêmicos propostos por McLuhan é a relação que ele faz entre o que chama de meios quentes e meios frios. Em Understanding Media (1964), sua obra mais conhecida, ele propõe que diferentes meios convidam a diferentes níveis de participação e envolvimento, assim como afetam os sentidos de maneiras variadas.

Sendo assim, ele designou “quente” todo meio que exige pouca participação do usuário ou espectador e que requer o uso intenso de um único sentido. Dessa maneira, ele considera o cinema como um meio quente, por conta de sua imagem em alta definição e da experiência imersiva na sala escura. Rádio e fotografia também seriam exemplos de meios quentes. Esses meios possuem um padrão de ordem, lógica e análise; um pensamento ordenado presente em culturas letradas, que ele também se refere como culturas “quentes”.

Em contrapartida, um meio “frio” exige maior participação e causa menos imersão no usuário, estimulando a criatividade, imaginação e pensamento abstrato. Um meio frio pode ser, por exemplo, um desenho que, ao contrário da fotografia, demanda mais abstração do espectador. Um seminário, ou a própria televisão também seriam exemplos de meios frios.

A imagem a seguir é um diagrama com exemplos daquilo que podemos entender por meios frios e quentes:

McLuhan também comenta os efeitos variados que uma tecnologia fria pode causar ao ser inserida em uma sociedade quente e vice-versa. Dessa maneira, a eletricidade (fria), causaria mais choque ao ser introduzida em uma sociedade letrada, linear e lógica (quente) do que ao ser apresentada em uma sociedade menos visual e letrada (fria).

Deve se levar em conta que, mesmo enquanto apresentado com a diferenciação clara entre quente e frio, esse conceito se compreende melhor se visualizado em uma escala, com os meios podendo se encontrar em qualquer lugar entre os dois extremos. Assim, ao invés de ser entendido como uma separação binária, os meios seriam sempre “mais quentes” ou “mais frios”, ao invés de apenas um ou outro.

Dessa maneira, McLuhan também percebe que, com o passar o tempo, um meio pode esfriar ou esquentar. Um exemplo claro seria o da televisão. Na época que o autor propôs esses conceitos, a TV se caracterizava por ter uma tela pequena e péssima qualidade de imagem, além de ser em preto e branco. Frequentemente era necessário mexer na antena para se obter um sinal adequado e havia diversas distrações ao redor do espectador. Somando-se a isso a prática do zapping, podemos entender porque McLuhan entendia a TV como um meio frio, ou seja, que requeria bastante participação (tanto mental quanto física) do espectador. Com o passar do tempo, porém, a televisão melhorou consideravelmente sua qualidade de imagem e seu tamanho, o som evoluiu de um canal mono chiado para o som surround, de maneira que a experiência de assistir televisão gradualmente se aproximou mais da experiência cinematográfica (ainda que mantenham suas diferenças fundamentais). Essas melhorias esquentaram a TV, exigindo menos abstração e participação por parte do espectador. Deve se lembrar que esses conceitos se aplicam apenas aos meios, como concebidos por McLuhan, e não ao conteúdo. No entanto, as emissoras de TV atualmente tem se esforçado para abrir canais de comunicação entre espectador e produtores e criar dinâmicas, mesmo que limitadas, de interação com público. Exemplo disso seriam as votações via telefone do “Big Brother Brasil” e “Você Decide” ou a atenção que os roteiristas e produtores de novelas dão às críticas que os espectadores fazem online, a ponto de mudarem a narrativa da série com base nesse feedback. A partir disso, podemos questionar se, apesar dessas mudanças se darem no plano do conteúdo, elas, em contrapartida, não alteraram a própria natureza do meio. Ou seja, apesar de a análise de McLuhan dar menos ênfase ao conteúdo, é possível que certas apropriações que os produtores façam desse conteúdo acabem por influenciar o próprio meio que o veicula.

Problematizações e atualizações

Sendo um autor que notoriamente propôs conceitos complexos apresentados de maneria pouco científica e muitas vezes à frente do seu tempo, McLuhan suscita diversos questionamentos nos dias de hoje, especialmente sobre como aplicar suas ideias nos estudos contemporâneos.

Um dos primeiros problemas surge ao tentar aplicar suas definições vagas de meio/mídia/tecnologia para novas tecnologias. O que McLuhan diria da Internet? Ou do Faceboook? Qual é o meio e qual é a mensagem?

Além disso, cada vez mais o conteúdo se distância de um único meio, transitando de uma tecnologia para a outra. Um filme ao mesmo tempo aparece na sala de cinema, na televisão, em um computador e em um celular. Como encarar os conteúdos trans e cross midiáticos? Assim, seus estudos sobre o meio e a mensagem se tornam ainda mais relevantes, porém, ainda mais complexos. Talvez seja pertinente lembrar que McLuhan afirmava que o conteúdo de um meio é sempre outro meio: o pensamento é o conteúdo da fala, a fala é o conteúdo da escrita, a escrita é o conteúdo da imprensa. Sob essa perspectiva, como encaramos o meio Internet? Ela não engole apenas um, mas vários outros meios de maneira sem precedentes na história. Talvez teríamos que nos utilizar de conceitos de Manovich e cunhar uma classificação própria para ela — um meta meio, ou algo do tipo.

Ao longo dos anos, os estudos de McLuhan passaram por diferentes fases. De sua relativa obscuridade, até o seu sucesso e presença marcante tanto na cultura pop quanto nos estudos acadêmicos dos anos 60, passando novamente por uma rejeição nas décadas seguintes vindo a ser redescoberto e estudado a partir do advento da Internet. Como o vídeo anterior afirma, McLuhan foi considerado um profeta por ter previsto, a partir da análise dos meios de comunicação de sua época, a aproximação entre as pessoas gerada pelos novos suportes tecnológicos na forma de uma aldeia global. Seus estudos — complexos, abertos e polêmicos — se tornaram base para o desenvolvimento de grandes ideias sobre cultura, tecnologias, publicidade, e muitas outras áreas.

Enfim, quem foi Marshall McLuhan? Cremos foi um pesquisador muitas vezes incompreendido que buscou suscitar diálogos sobre coisas que ninguém estava pensando em falar na época e que, hoje, são, mais do que nunca, muito pertinentes.

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