Letícia Rossa
Das Teorias
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7 min readApr 9, 2016

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Mass Comunication Research — o passado que vive no presente

Por Letícia Rossa e Vanessa Furtado

Contexto: para dicionários de língua portuguesa, traduz-se tal qual a inter-relação de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação. Para analistas do discurso, que se valem deste vocábulo para exprimir o cenário em que dada fala é inserida, o contexto condiz com as significações sócio-históricas que reconhecem a exterioridade em que um discurso é inserido (ORLANDI, 2000). Ou seja: o dizer do homem é afetado pelo sistema de conteúdos em que o indivíduo se inscreve — esse sistema, por sua vez, é constituído pela cultura, pela ideologia, pela língua, pelo imaginário (PÊCHEUX, 1988).

E, por essência, pela compreensão dos porquês de determinada temática ter sido abordada em sua respectiva forma no passado. É sob este viés que analisamos a construção e o debate acerca dos pensamentos da família Mattelart (1999) relativos à mass communication research apresentados em sala de aula no dia 5 de abril. Quais eram as reflexões propostas por eles? Qual o cenário comunicacional que se desenhava neste percurso traçado interdisciplinarmente? Qual era, portanto, o contexto em que os autores estavam enquadrados?

Visão instrumental: mídia poderosa(?)

Segundo a ótica dos Mattelart, os primeiros passos da pesquisa em comunicação de massa se deram em 1927 por meio dos estudos do cientista político da Universidade de Chicago Harold Lasswell. Em seu livro “Técnicas de propaganda na Guerra Mundial”, Lasswell transcreve as lições comunicacionais deixadas pelo conflito bélico ocorrido entre 1914 e 1918. Na perspectiva de Lasswell, a comunicação era tomada como um instrumento funcional com o poder para manipular e persuadir a população, podendo, assim, criar um exército sem demandar força física: trata-se de uma adesão das massas mais econômica à violência e corrupção. Esta análise (inserida no contexto do início do século XX) dá ênfase à noção instrumental que torna a mídia onipotente, como um meio pelo qual é integralmente eficaz ao repassar os seus símbolos.

Este ângulo, conforme exposto em sala de aula, nos faz relacionar à concepção “pessimista” de Andrew Keen, discutida em aulas anteriores, onde este traz em seu cerne o conservadorismo midiático. Para ele, existe uma necessidade de proteger o legado de uma mídia dominante e tradicional no que tange a propriedade intelectual. Esta visão é resultado de uma publicação de 2009 — ou seja: um século mais moderna do que o funcionalismo de Lasswell. Tal comparação nos faz questionar as possíveis evoluções traçadas na comunicação: ainda persiste esta ótica de “mídia dominante”? Conforme as discussões em sala de aula, ainda são visíveis os lapsos de “empoderamento” dos meios de massa, em especial nos momentos de comoção pública e temáticas políticas que envolvam diretamente o futuro de uma nação.

Encontramos um texto do professor Guillermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara, no México, que levanta aspectos interessantes de reflexão dos meios de comunicação de massa na era da internet. Ele menciona, no link abaixo, em trechos que podemos relacionar ao assunto aqui abordado, os movimentos sociais de comunicação e os possíveis limites à liberdade dos meios na nova era informacional.

Retornando à análise de Lasswell, a perspectiva era a da agulha hipodérmica (ou teoria da bala mágica), em que se acreditava que a mídia trazia em si a capacidade de transmitir o que quisesse ao público sem que ocorresse nenhuma reação. Um exemplo deste “poder midiático” é o caso de Orson Wells, quando foi realizada a leitura de Guerra dos Mundos na CBS e a população de fato acreditou que estava acontecendo uma invasão alienígena na Terra. Esta teoria, no entanto, segundo apontamentos discutidos em aula, foi afastada já na década seguinte, quando estudos indicaram que o meio social, sexo, idade e experiências passadas interferem na absorção da informação dos sujeitos. Ou seja: ele nunca foi passivo.

Escola estadunidense e as quatro funcionalidades da mídia

Na perspectiva de Lasswell, o processo de comunicação abarca três funções principais junto à sociedade:

1) a vigilância do meio, revelando tudo o que poderia ameaçar ou afetar o sistema de valores de uma comunidade ou das partes que a compõem

2) o estabelecimento de relações entre os componentes da sociedade — a comunicação em si

3) a transmissão da herança social — ou seja, a produção de conhecimento

Aliada a estes três conceitos está o da mídia como entretenimento, proposta lançada pelos também sociólogos Paul Lazarsfeld (1901–1976) e Robert Merton (1910), da Universidade Columbia, em Nova Iorque.

Percebe-se, assim, que há um movimento de fundo das ciências sociais (e de comunicação) se traçando em especial nos Estados Unidos. Exemplo disso é que os quatro pais do mass communication research têm sua origem em escolas estadunidenses: Merton (Universidade Columbia, NY), Lasswell (Universidade de Chicago, Illinois), o psicólogo Kurt Lewin (Universidades Cornell, em Nova Iorque, Stanford, na Califórnia, Iowa, no estado de Iowa e MIT, em Massachusetts), e o também psicólogo Carl Hovland (Universidade Yale, em Connecticut).

Os efeitos dos meios na massa

No final da década de 1940, Lasswell desenvolveu uma fórmula para sintetizar a lógica sociológica-funcionalista da mídia: quem diz o quê, por qual canal e com qual efeito? Esta diretriz e pensamento resultou em análises funcionalistas dos meios de massa: análise do controle, do conteúdo, das mídias ou dos suportes, da audiência e dos efeitos. Esta avaliação “prática” de amostras de comunicação trazem, em si, um viés do campo matemático com o intuito de formalizar em números as concepções tomadas conceitualmente em relação à mídia e suas recepções junto ao público.

Este estudo dos efeitos pode estar relacionado, sob certa ótica, à Teoria do Agendamento, que aborda o modo pelo qual os meios de massa pautam as discussões sociais. Mas, conforme discutido em sala de aula, o caminho contrário também funciona, com os sujeitos ativos pautando diretamente os veículos de comunicação.

Trazemos, aqui, uma fala de um professor de Comunicação da Universidade de Massachusetts, Michael Morgan, que ministra, ainda, cursos de efeitos dos meios de massa em Harvard, na cidade de Cambridge. Uma destas manifestações de Morgan foi assistida em 2015 por mim (Letícia Rossa), em Harvard, quando ele comparava o discurso selecionado pelos jornais de Boston aos de Cambridge (cidades vizinhas) na ocorrência de um atentato à Maratona de Boston, em 2013. Ele relaciona, como o vídeo exibe, os efeitos dos meios de comunicação de massa à Teoria do Agendamento.

Duplo fluxo da Comunicação

Na segunda parte do texto elaborado pela família Mattelart, abordaram-se as pesquisas mais técnicas de campanhas eleitorais — meramente quantitativas. Posterior a isso começou a ser pensada a existência de um elemento intermediário, entre o ponto inicial e final da comunicação, questionando, portanto, esse efeito “direto” e “indiferenciado” dela. Pode-se perceber, a partir dos estudos que consideraram esta premissa, um duplo fluxo da comunicação, em que pessoas mais próximas da mídia são informadas e depois, estas informam aqueles que estão mais distantes da mídia e precisam desta mediação. Posteriormente, essa descoberta permitiu a análise das decisões de grupo.

Uma Comunicação interdisciplinar

Sociólogos estudavam Sociologia. Psicólogos pesquisavam Psicologia. Economistas criavam o campo da Economia. E Comunicação, quem analisava? Nas primeiras décadas do século XX, em especial, a Comunicação era pensada não por comunicadores, mas por filósofos, sociólogos, físicos, historiadores e psicólogos. Estes conhecimentos distintos (técnicos e reflexivos) ditaram, de início, as metodologias para estudo e compreensão dos processos comunicacionais.

A Comunicação era, portanto, interdisciplinar. Mas… E hoje? É sabido que não existe uma epistemologia comunicacional, o que não nos constitui como um campo centrado em si. Conforme aponta o professor José Luiz Braga, que também atua no Programa de Pós-Graduação da Unisinos, a Comunicação e seus meios de massa ainda são constantemente atravessados por conhecimentos de outras áreas. Nós nos valemos de pesquisas anteriores, de terceiros, para embasar inferências comunicacionais. A interdisciplinaridade, portanto, continua cristalina e não dá margem à constituição do campo da Comunicação. Há quem defenda a formação deste campo a fim de conferir mais consistência aos estudos e solidez aos resultados. Porém, em contrapartida, existem estudiosos, na visão de Braga, que anseiam por uma Comunicação aberta aos campos (e seus respectivos conceitos) que a cercam com a proposta de gerar mais flexibilidade em estudos. Ora, indica Braga, esta opção pode ser perigosa, pois a ausência de uma epistemologia comunicacional pode resultar, no futuro, de modo mais radical, até à dissolução das pesquisas em Comunicação.

Após o estudo das reflexões de ambos os Matterlart, dos quatro pais do mass communication research e das reflexões em sala de aula ao lado dos colegas e professora, propomos o estímulo visando uma observação mais minuciosa dos meios de comunicação de massa do passado para, assim, compreendermos o presente. Esta meditação referente àquilo que fizemos e ainda produzimos, com efeitos e funções na sociedade, varia, como apontamos no início deste material, de acordo com o discurso em que estamos inseridos. Então: que significados pretendemos criar em contextos futuros? Quais as contribuições que nós, enquanto comunicadores interdisciplinares, buscamos tecer junto às massas?

Família Mattelart

Armand Mattelart é um sociólogo belga especializado no estudo da mídia, Comunicação, cultura de massa e indústria cultural.

Michèle Mattelart atuou como pesquisadora e professora em cultura e Comunicação na Universidade de Santiago do Chile. Especializou-se em gênero, política e meios.

Referências

MATTELARD, Armand e Michèle. História das Teorias de Comunicação. Loyola: São Paulo, 1999. p. 36–56.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2000.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Unicamp, 1988.

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Letícia Rossa
Das Teorias

Jornalista. Doutoranda em Comunicação. Feminista chata que quer fazer você pensar.