8M: A legalização do aborto é pela vida das mulheres! 8M: Abortion legalization is about women’s lives!

Alessandra Jungs de Almeida
Data + Feminism Lab, MIT
9 min readMar 8, 2023

English below.

O 8M espalha-se pela América Latina e Caribe como um grande e potente movimento que nenhuma força institucional, formal ou patriarcal consegue conter ou controlar. O 8M é uma greve que, como afirma Verónica Gago¹, subtrai nossos corpos (de mulheres e corpos dissidentes) da reprodução do capital para colocá-los em movimento, protesto e celebração pelo direito de termos vidas dignas. Exigimos do estado acesso a saúde e educação de qualidade e também o combate ao racismo, ao feminicídio, a exploração das nossas jornadas de trabalho e a feminização da pobreza. Por meio desse movimento pela vida das mulheres também demandamos a urgente e necessária autonomia e liberdade de decidir sobre nossos corpos, incluindo o direito de acessar abortos seguros, livres, legais e gratuitos.

A legalização do aborto é uma demanda coletiva do 8M porque diz respeito a vida das mulheres. Por exemplo, estima-se que 97% dos abortos inseguros sejam realizados em países em desenvolvimento nas regiões da Asia, África e América Latina². Mundialmente, as estimativas são de que 73,3 milhões de abortos induzidos sejam realizados por ano no mundo e que de cada 10 gravidezes, 6 sejam não desejadas e 3 acabem em abortos induzidos². Desse total, estima-se que anualmente aproximadamente 22 milhões de pessoas arrisquem suas vidas em abortos inseguros*³. Como resultado, anualmente, 47 mil mulheres morrem mundialmente em abortos inseguros³. A região de América Latina e Caribe é a com a maior porcentagem mundial de mortes maternas cuja a causa é o aborto, com 9,9% das mortes sendo causadas por abortos inseguros. A porcentagem total mundial é 7,9%⁴. Também, nessa região, há as leis mais restritivas em relação ao aborto no mundo, resultando em abortos inseguros⁵ ⁶.

Apesar de as pessoas abortarem, em muitos países, como no Brasil, abortar é um ato criminoso. Legalmente, o ato de abortar pode ser classificado como criminoso ou legal⁷. A maioria dos países do mundo permite o aborto quando está em risco a vida da mulher, 60% dos países permitem quando trata-se de preservar a saúde mental ou física, 40% não pune o aborto quando a gravidez resulta de violência sexual e 30% permite o aborto voluntário, quando é decisão da mulher. Na região da América Latina, segundo dados de 2018 considerando 18 países da região, apenas 42% dos países permitem a interrupção da gravidez em caso de estupro⁷. Não surpreendentemente, essa é a região com mais abortos inseguros no mundo. Mundialmente, comparando grupos de países onde o aborto é amplamente legal com países que não é, foi encontrado na análise com dados de 166 países que a taxa de gravidezes indesejadas é maior em países onde o aborto é restrito do que onde o aborto é legal². Onde o aborto é restrito, estima-se que a média anual de gravidezes indesejadas seja de 73 para cada 1000 mulheres e onde o aborto é amplamente legal essa estimativa cai para 58 gravidezes indesejadas a cada 1000 mulheres². De qualquer maneira, em ambos os cenários, os dados encontrados são de que metade das gravidezes indesejadas acabam em abortos². Esse resultado significa, na prática, que pessoas em cenários restritivos decidem tomar riscos físicos e legais para abortar e que aborta-se mais quantitativamente nesses cenários restritivos.

Assim, a ilegalidade não impede a realização de abortos induzidos, o que também ocorre no Brasil. No país, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2016 o aborto é um fenômeno comum na vida das mulheres brasileiras. A pesquisa, com amostragem de 2.002 mulheres representando mulheres urbanas e alfabetizadas de 18 até 39 anos (ou 83% da população feminina brasileira), demonstrou que uma em cada cinco mulheres de até quarenta anos no Brasil já abortou pelo menos uma vez. Do total das mulheres pesquisadas que disseram terem realizado um aborto, 48% delas tiveram que ser internadas para finalizarem o procedimento. Comparando os dados do PNA de 2016 com o de 2010, a taxa de aborto de mulheres entre 18 e 39 anos permanece estável e considerando esses dados, somente em 2015, pode-se estimar que ocorreram cerca de meio milhão de abortos no Brasil⁸, mesmo o procedimento sendo proibido.

Esses dados sobre aborto demonstram que as mulheres abortam. E que realizam esse procedimento em diferentes países e cidades, incluindo o Brasil, sendo ou não o aborto legal e tendo ou não essas pessoas acesso à informações, medicamentos de qualidade ou acesso à cuidados básicos de saúde para realizar o procedimento. Por conta disso, neste 8M, as mulheres brasileiras e outros corpos que gestam demandam: aborto legal, livre, seguro e gratuito já!

*Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aborto é definido como “uma intervenção de saúde simples que pode ser gerenciada de forma eficaz por uma ampla gama de profissionais de saúde usando medicação ou procedimento cirúrgico”⁹. Além disso, nas primeiras 12 semanas de gravidez, abortos por medicamentos também podem ser autogeridos com segurança pela gestante fora de uma unidade de saúde (por exemplo, em casa). Esse procedimento requer que a mulher tenha “acesso a informações precisas, medicamentos de qualidade e apoio de um profissional de saúde treinado (se ela precisar ou quiser durante o processo)”⁹. Aborto inseguro, segundo a OMS, é aquele “realizado por alguém sem competências técnicas, em um ambiente sem padrões médicos ou sanitários, ou ambos”³.

Fist and green kerchief by Prensa Obrera/Ojo Obrero Fotografía/Bernardo Cornejo Malz is licensed under CC BY 4.0

English version.

8M: Abortion legalization is about women’s lives!

The 8M movement has spread across Latin America and the Caribbean as a powerful force that cannot be contained or controlled by any institutional, formal, or patriarchal force. The 8M strike, as Verónica Gago¹ has stated, removes our bodies (women and dissident bodies) from the reproduction of capital and puts them in motion, protest, and celebration for the right to live dignified lives. We demand access to quality healthcare and education and fight against racism, feminicide, and the feminization of poverty. Through this movement for women’s lives, we demand autonomy and freedom to decide about our bodies, including the right to access safe, free, and legal abortions.

The legalization of abortion is a collective demand of the 8M movement in Latin America because it is a critical issue that directly affects women’s lives. For instance, it is estimated that 97% of unsafe abortions occur in developing countries in Asia, Africa, and Latin America². Globally, an estimated 73.3 million induced abortions are performed each year, and out of every ten pregnancies, six are unwanted, and three end up in induced abortions². Of this total, it is estimated that approximately 22 million people risk their lives in unsafe abortions annually*³. As a result, 47,000 women worldwide die annually due to unsafe abortions³. The Latin America and Caribbean region has the highest percentage of maternal deaths worldwide caused by abortion, with 9.9% of deaths resulting from unsafe abortions. In comparison, the total worldwide percentage is 7.9%⁴. Moreover, this region has the most restrictive laws regarding abortion in the world, which leads to unsafe abortions⁵ ⁶.

Abortion remains a criminal act in many countries, including Brazil, despite being a common procedure worldwide. Legally, abortion can be classified as criminal or legal⁷. Most countries around the world allow abortion when the woman’s life is at risk, 60% of countries allow it when it is necessary to preserve mental or physical health, 40% do not punish abortion when the pregnancy is a result of sexual violence, and 30% allows voluntary abortion when it is the woman’s decision⁷. In the Latin American region, according to 2018 data from 18 countries, only 42% of countries allow termination of pregnancy in cases of rape⁷. Unsurprisingly, this region has the highest rates of unsafe abortions globally. Comparing groups of countries where abortion is widely legal with those where it is restricted, an analysis of data from 166 countries found that the rate of unwanted pregnancies is higher in countries with restricted abortion laws than in countries where it is legal². In countries where abortion is restricted, the annual average of unwanted pregnancies is estimated to be 73 per 1000 women, whereas, in countries where it is largely legal, this estimate drops to 58 unwanted pregnancies per 1000 women². Nonetheless, in both scenarios, half of the unwanted pregnancies end in abortions². This result implies that people in restrictive scenarios are willing to take physical and legal risks to undergo abortions and that abortions are more quantitively performed in these restrictive scenarios.

Thus, despite being illegal, induced abortions still occur in Brazil. According to the 2016 National Abortion Survey (PNA), abortion is a common experience among Brazilian women. The survey, which sampled 2,002 urban and literate women between the ages of 18 and 39 (representing 83% of the Brazilian female population), found that one in five women up to the age of forty in Brazil has had an abortion at least once. Of the women who reported having had an abortion, 48% required hospitalization to complete the procedure. Comparing PNA data from 2016 to 2010, the abortion rate among women aged 18 to 39 remained stable. Based on these findings, it is estimated that there were approximately half a million abortions in Brazil in 2015⁸, despite the procedure being prohibited.

These abortion data demonstrate that people abort. And they perform this procedure in different countries and cities, including Brazil, whether or not abortion is legal and whether or not these people have access to information, medication or basic health care to perform the procedure. Because of this, for our lives in this 8M, we demand legal, free, and safe access to abortion now!

* According to the World Health Organization (WHO), abortion is “a simple health intervention that can be managed effectively by a wide range of health professionals using medication or a surgical procedure”⁹. In addition, in the first 12 weeks of pregnancy, medical abortions can also be safely self-managed by the pregnant person outside of a health facility (eg, at home). This procedure requires the woman to have “access to accurate information, quality medication and support from a trained health professional (if she needs or wants it during the process)”⁹. Unsafe abortion, according to the WHO, is “performed by someone without technical skills, in an environment without medical or sanitary standards, or both”³.

*************************************

Alessandra Jungs de Almeida é doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e estudante visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ela é assistente de pesquisa no Data + Feminism Lab, MIT. Twitter: ale_jungs

Alessandra Jungs de Almeida is a doctoral candidate in International Relations at the Federal University of Santa Catarina (UFSC) and a visiting student at the Massachusetts Institute of Technology (MIT). She is a research assistant at the Data + Feminism Lab, MIT. Twitter: ale_jungs

Referências / References:

(1) Gago, V. A Potência Feminista, ou o Desejo de Transformar Tudo, 1a edição.; Peres, I., Oliveira, B., Translators; Editora Elefante, 2020.

(2) Bearak, J.; Popinchalk, A.; Ganatra, B.; Moller, A.-B.; Tunçalp, Ö.; Beavin, C.; Kwok, L.; Alkema, L. Unintended Pregnancy and Abortion by Income, Region, and the Legal Status of Abortion: Estimates from a Comprehensive Model for 1990–2019. Lancet Glob. Health 2020, 8 (9), e1152–e1161. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30315-6.

(3) World Health Organization. Unsafe Abortion: Global and Regional Estimates of the Incidence of Unsafe Abortion and Associated Mortality in 2008; 6; 2011. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44529/9789241501118_eng.pdf;jsessionid=E60130DDD9A58F5A303188B96F89EDB7?sequence=1.

(4) Say, L.; Chou, D.; Gemmill, A.; Tunçalp, Ö.; Moller, A.-B.; Daniels, J.; Gülmezoglu, A. M.; Temmerman, M.; Alkema, L. Global Causes of Maternal Death: A WHO Systematic Analysis. Lancet Glob. Health 2014, 2 (6), e323–333. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(14)70227-X.

(5) Franco Yañez, C. Abortion Rights in Latin America: An Unsettled Battle. GIGA Focus Latin America. 2021. https://www.giga-hamburg.de/en/publications/giga-focus/abortion-rights-in-latin-america-an-unsettled-battle (accessed 2022–10–15).

(6) Galli, B. Challenges and Opportunities for Access to Legal and Safe Abortion in Latin America Based on the Scenarios in Brazil, Argentina, and Uruguay. Cad. Saúde Pública 2020, 36. https://doi.org/10.1590/0102-311X00168419.

(7) Aguiar, B. H. K.; Silva, J. M. da; Libardi, M. B. O.; Passos, J. de A.; Andrade, S. C. de; Parente, P. B. C.; Arrais, A. da R.; Oliveira, A. M. I. de. A legislação sobre o aborto nos países da América Latina: uma revisão narrativa. Com Ciênc. Saúde 2019, 29 (1), 36‑44.

(8) Diniz, D.; Medeiros, M.; Madeiro, A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc. Saúde Coletiva 2017, 22, 653–660. https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016.

(9) World Health Organization. Abortion. World Health Organization. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/abortion (accessed 2022–10–15).

--

--

Alessandra Jungs de Almeida
Data + Feminism Lab, MIT

Postdoctoral Associate @MIT • Research Affiliate in the Data + Feminism Lab, MIT