A favela em dia de operação — data_lábia #11

Gabriele Roza
data_labe
Published in
4 min readAug 22, 2019

O podcast do data_labe aborda o cotidiano de exceção de quem vive na favela. Dados da Redes da Maré revelam que o número de mortes registradas no primeiro semestre de 2019 supera em mais de 10% o total de mortes de todo o ano de 2018.

O data_lábia #11 discute como é um dia de operação policial nas favelas e traz histórias, dados e análises de situações que afetam a vida de milhares de moradores. Uma das convidadas desta edição foi Bruna Silva, moradora da Maré há 38 anos. Em 2018, em uma operação policial na Maré, Bruna perdeu seu filho Marcos Vinicius e desde então acompanha com um olhar mais atento as operações realizadas na favela. ‘‘Eu era uma dona de casa tranquila, hoje devido ao que aconteceu com meu filho de 14 anos não tem como ficar mais tranquila. Foi preciso eu tomar um partido, tentar mostrar pra esse povo lá fora, pra sociedade brasileira que na Maré existe o pobre, o negro, o favelado, que precisa estudar, precisa ter o direito de ir e vir. Depois do que aconteceu com meu filho eu virei uma militante por direitos humanos.’’

Escute o data_lábia #11 A favela em dia de Operação

‘‘A gente vive numa política de segurança pública onde não tem, não temos direito a segurança pública. Quem nos mata aqui dentro hoje é a segurança pública.’’

Bruna Silva com a camisa escolar que o filho estava quando foi assassinado. Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Bruna conta que o filho foi vítima de snipers que estavam a pé na calçada, de touca ninja e sem identificação, ‘‘meu filho conseguiu se abrigar com outro amigo dele de 16 anos que era da mesma escola. Nesse dia 20 de junho, o Estado iria matar dois adolescentes, só que por um movimento brusco só pegou no meu filho’’. Bruna carrega o trauma da perda do filho e o trauma do cotidiano de violência na favela. No podcast, ela contou que recentemente a filha, voltando da escola para a casa, precisou se jogar no chão para se proteger de rajadas de um helicóptero da polícia.

‘‘Ela teve que se jogar porque o helicóptero desceu dando tiro. E se aquele helicóptero desse um tiro na minha única filha hoje? Como esse Estado ia explicar o que foi feito com meu filho e com a minha filha com roupa e material de escola de novo? Não dá pra cruzar o braço e deixar o raio cair duas vezes, em dia de operação a gente não vive.’’

Diante do grave cenário em que vive a Maré, onde as dinâmicas de violência do primeiro semestre de 2019 superam os indicadores de todo o ano de 2018, a Redes da Maré fez uma edição especial do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. De acordo com o Boletim, no primeiro semestre foram 21 operações policiais (14 da polícia militar, 5 da polícia civil e 2 conjuntas), uma média de 3,5 operações por mês. Nos seis meses, foram 15 mortes em operações policiais, 14 delas aconteceram em operações com o uso de helicóptero. De acordo com a organização, o 1º semestre de 2019 teve mais operações com helicóptero como plataforma de tiro que nos últimos dois anos.

Gráfico do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. Disponível no site da Redes Maré.

Não foi só na Maré que houve um aumento do número de mortes por agentes de segurança pública. A proporção de mortos por agentes do estado na letalidade violenta, segundo o relatório do Observatório da Segurança Pública do Rio de Janeiro, de janeiro a maio de 2019, aumentou em todos as regiões do Estado se comparado com 2018.

Pablo Nunes pesquisador do Cesec. Foto: Arquivo Pessoal

Para refletir sobre as questões que foram levantadas pela Bruna e que permeiam o cotidiano de quem mora nas favelas no Rio de Janeiro, convidamos para o podcast Pablo Nunes, do Observatório da Segurança Pública do Rio de Janeiro e pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec). ‘‘Na região de Niterói, por exemplo, quase 40% das mortes violentas ocorridas são cometidas pelas forças do estado. Ou seja, se a polícia parar de matar hoje, a gente vai reduzir 40% o número de mortes, isso é algo completamente assolador, e a troco de que?’’

‘‘Olhando o histórico de número de mortes pela polícia na últimas décadas, vemos que sempre que tivemos picos de mortes, tivemos também picos de outros crimes. Não é aumentando a letalidade policial que a gente resolve qualquer tipo de problema.’’

Foto da gravação do data_lábia #11

Você pode escutar o episódio completo nos tocadores Soundcloud, Spotify, Google Podcast , Apple Podcasts, Breaker, Castbox e outras plataformas. O data_lábia publica um episódio novo sempre na última terça-feira do mês. Fique ligade nas nossas redes!

Ficha técnica:

Roteiro, produção e apresentação: Clara Sacco, Gilberto Vieira, Juliana Marques
Participação: Bruna Silva, Juliana Marques, Pablo Nunes
Captação, edição e montagem: Eloi Leones
Texto: Gabriele Roza e Michel Silva
Capa: Jéssica Gulart

Para falar com a equipe: contato@datalabe.org

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