Caça ao tesouro ou, melhor, aos dados.

Paloma Calado
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3 min readJun 29, 2016

Na tentativa de desconstruir parte do preconceito que há sobre os jovens de favelas, iniciei o desafio de descobrir quantos jovens da Maré têm acesso as universidades públicas. Uma ótima oposição contra argumentos do senso comum são os dados! Pois bem, fui em busca destes tesouros.

Nilma Lino Gomes, primeira mulher negra a comandar uma universidade federal, a Unilab, e uma das idealizadoras do Programa Ações Afirmativas da UFMG

Dados abertos são de fácil acesso,certo? Errado! Por isso, citei que eram tesouros, difíceis de encontrar. Nessa jornada, os dados básicos como população, estimativa de jovens (15–30 anos) moradores da Maré e número de universidades públicas no Rio de Janeiro foram até fáceis de serem descobertos.

Ao traçar uma estratégia, o melhor banco de dados atual e mais abrangente encontrado foi do ENEM. Lindo! Vamos à análise. A primeira parede foi encontrada: não há o bairro dos vestibulandos. Pensei: acabou a pesquisa. E, assim, eu descobri o quanto é árduo o jornalismo de dados e nem sempre o questionamento feito será respondido imediatamente. Os desafios de raspagem, limpeza, análise e visualização são acessíveis até um certo nível, como se você só pudesse descobrir o que lhe cabe ser descoberto. Pra quê saber quantos favelados mareenses estão na universidade pública?

As barreiras técnicas também surgiram. Como abrir uma base de dados com 6GB? Neste caso, as redes de amigos nos ajudam. Caso não tenha amigos que lhe possam ajudar e nem um supercomputador com capacidade de processar um arquivo deste tamanho, aconselho fortemente a começar fazer trocas com a galera da área. Assim, você não desistirá e será aconselhado sobre como lidar com essa situação.

A busca não para! Corro para o RioCard para saber o quantitativo de RioCards Universitários estão ativos, e imaginem a resposta que obtive: “Não podemos lhe passar essa informação por questões de segurança.”. Hã? Como assim? Não pedi os microdados (a menor fração de um dado e pode estar relacionado a uma pesquisa ou avaliação. A partir da agregação de microdados é construída a informação). Mesmo assim, fui barrada!

Cabe a nós a reflexão: segurança de quem? Dos usuários? Com certeza não, pois em nenhum momento eles os exporiam. Da empresa? Deixo as conclusões com vocês.

Está ok, chega de portas na cara e vamos trabalhar com o que temos dos dados do Enem. De certo não saberei agora quantos jovens da Maré estão em universidades públicas, mas será interessante descobrir quantos alunos das escolas das redondezas da Maré têm se interessado pelo Enem.

Parece que os ventos começaram a soprar a favor, até reparar que Maré não é bairro no Data Escola Brasil. Causou-me um imenso estranhamento, já que o primeiro reconhecimento de bairro foi nos anos 60, o território foi delimitado pelo Decreto nº 7.980, de 12 de agosto de 1988 e incluso na XXXª Região Administrativa (Região Administrativa da Maré) com a Lei nº 2.119, de 19 de janeiro de 1994. Vinte e dois anos depois da inclusão na região administrativa e nos dados oficiais não constam que somos um bairro? Assim, seguimos em frente com a luta nossa de cada dia para sermos reconhecidos como bairro, como parte da cidade e como cidadãos.

E, a pesquisa continua.

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Paloma Calado
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Cristã, moradora da Maré, estudante de Ciência da Computação da UFRJ, e sonhadora. Computação é a sua paixão, mas adora cantar, costurar, e seu cabelo black