Dados, para quê os queremos?

isis r.
data_labe
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4 min readMay 3, 2016

Nos últimos meses, pude acompanhar de perto as aulas do Data Labe, que pretende ser um laboratório permanente de dados na Favela, criando as condições necessárias para o levantamento, cruzamento e visualização de dados referentes à juventude periférica do Brasil. Nessa primeira fase do projeto, os cinco residentes do laboratório — Eloi, Fabio, Fernanda, Paloma e Vitoria — participam de um curso da Escola de Dados.

Nele, já aprenderam um pouco sobre jornalismo de dados, que nada mais é do que a possibilidade da utilização de dados digitais, hoje disponíveis em grande escala, para a criação de pautas e produção de narrativas jornalísticas. Também conheceram a Lei de Acesso à Informação (LAI), que permite que qualquer cidadão solicite informações da União, dos Estados e dos municípios e aprenderam como fazer um pedido.

Funções básicas do Excel e do Open Refine, raspagem de dados (maneiras de extrair dados de maneira automatizada de páginas da web), análise dessas informações e até mesmo um pouquinho de programação em Python para a realização de tarefas simples foram temas abordados em outras aulas.

A ausência de dados é um dado em si. Imagem: Colin/Wikimedia Commons

Com essa série de novos conhecimentos, cada residente teve a oportunidade de evoluir um pouco na elaboração dos projetos guiados por dados que deverão concluir nos próximos meses. Alguns deles se destacam por ilustrar que a ausência de dados e a dificuldade em obtê-los também é um dado em si.

Um deles é sobre empregabilidade de pessoas trans. É relativamente fácil encontrar um ou outro relato pessoal a respeito do assunto, isso é dado e informação relevante (ainda que numa escala micro). Mas dados da população brasileira, produzidos por órgãos governamentais, não há (alô, IBGE!). As poucas organizações não-governamentais que tratam do tema não indicam, em seus sites, pesquisas ou estudos que mostrem quantas pessoas trans se encontram empregadas e quantas estão desempregadas ou na informalidade.

Outro trata do acesso de jovens da Maré ao ensino superior. Há várias formas de tentar mensurar essa informação de maneira automatizada e inteligente. No entanto, o Inep, órgão responsável pela aplicação do ENEM, não disponibiliza o domicílio de origem de quem faz a prova, nem sequer a região administrativa da cidade. As escolas estaduais também não mantêm registro de onde os alunos concluintes realizam o exame, o que poderia servir de auxílio para conseguir uma parte desses dados.

O último dos projetos que aqui destaco trata de empregos e mobilidade na Baixada Fluminense, e quanto a esse houve avanço. Foi possível avaliar níveis de empregabilidade da população dessas cidades e tempo de deslocamento para o trabalho, mas não descobrir que porcentagem de trabalhadores de Baixada viaja diariamente para o Rio de Janeiro, que tipo de vagas de emprego é ofertada na Baixada e que tipo é no Rio, etc.

Os casos podem servir para indicar que ainda não temos a experiência necessária para pesquisar informações nos lugares certos: começamos há pouco tempo, são muitas fontes, a informação vem fragmentada, não sabemos todos os caminhos… Nem tutores, nem residentes ou assistentes. Mas também apontam para o fato de que queremos saber de dados de populações que são constantemente negligenciadas pelo poder público.

Ir até o fundo e descobrir o que gostaríamos de saber poderia confirmar nossas suspeitas de que grande parcela da população trans está fora do mercado formal de trabalho e encontra dificuldades para nele se inserir, que jovens favelados e periféricos ainda têm menos acesso ao ensino superior do que a população que vive em outras regiões das cidades e que empregos ofertados no Rio de Janeiro talvez ofereçam remunerações melhores do que os da Baixada Fluminense, justificando um deslocamento diário de aproximadamente duas horas para alguns trabalhadores.

Se esse for o caso, a ausência desses dados não é meramente acidental, mas reveladora da ausência de certos segmentos da população na concepção de diversas políticas públicas, que vão de direitos humanos fundamentais, educação, emprego, desembocando no desenvolvimento local e regional.

Nesse sentido, os dados podem servir para apresentar de forma mais precisa a dimensão desses problemas e ajudar a qualificar o debate em prol de políticas públicas que também sirvam para essas minorias. A produção de dados acerca desses atores serve para nos lembrar que o que temos como relatos na escala micro são pontinhos que, uma vez ligados, podem evidenciar negligência, exclusão e invisibilização numa escala macro. Reivindicá-los pode significar tomar o primeiro passo necessário, o mais tímido, para o início da criação de uma realidade menos desigual.

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