Um corpo no mundo: o terceiro ano do data_labe

Levanta a cabeça, princesa!

Gilberto Vieira
data_labe
8 min readDec 11, 2018

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Entramos no terceiro ano do data_ com uma certeza: seríamos uma organização formal da sociedade civil. A experiência no Laboratório para Estruturas Flexíveis da Casa do Povo serviu de confirmação para um desejo latente: precisaríamos experimentar também modelos de gestão para disputar o lugar que gostaríamos: com incidência política, metodológica, narrativa e estética no mundo.

Trabalhamos na virada do ano. Entre videoconferências e planilhas, nós produzimos a residência Minas de Dados em parceria com o Olabi e a Transparência Brasil para que cinco mulheres negras refletissem com a gente sobre dados, tecnologias e governo aberto. Foi um sucesso porque começamos a tecer uma rede hoje fundamental para a história do data_. Foi aí que conhecemos a Juliana Marques, uma das residentes do programa, que em poucos meses se tornou a analista de dados da nossa equipe, abrindo uma possibilidade nova: a de compormos juntos um quadro ativo de colaboradores.

As Minas de Dados ❤

A Ju pôde nos ajudar, num primeiro momento, a nos entender melhor, com mais confiança e credibilidade, como uma organização de dados, onde pesquisa, jornalismo e design andam juntos. Nós selecionamos uma jovem designer, a Ana Clara Tito (que hoje desponta no cenário das artes) e nos despedimos do Fábio Silva, data_laber de coração e história. Eles já não fazem parte da equipe mas deixam sempre lembranças. Nós produzimos juntos uma reportagem sobre a intervenção militar no Rio, fazendo comparações entre dados da Redes da Maré de 2014 (na ocasião da Ocupação Militar na Maré) com os dados do Observatório da Intervenção.

Alguns números da desastrosa intervenção militar no Rio.

Nessa época aprovamos um projeto junto a Fundação Ford para um ano de operação do data_labe como organização. Começamos um processo longo e complexo de abertura do CNPJ, estatuto, conselho, conta no banco e vários etcéteras. O processo durou seis meses.

Um conselho data_labe desses…

Nos garantimos com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos para desenvolvermos a primeira #residênciadata_labe, onde selecionamos duas jornalistas da Maré — as incríveis Jéssica Pires e Juliana Sá — para produzirmos as reportagens ‘Maré Angolana’ e ‘Só Força’. Também contamos com a edição do Thiago Ansel e do Pedro Lira, parceiros de vida que nos ajudaram com um método todo nosso de produzir reportagens complexas, cheias de dados, personagens e gráficos.

Um passo importante foi o aluguel da data_casa. Nos movemos mais pra dentro da Maré onde o contato com personagens, parceiros, amigos se tornou mais cotidiano, mais orgânico e intenso. Ter uma casinha do nosso jeito trouxe mais amor e conforto pro nosso trabalho.

Perdemos Marielle Franco. Sentimos um sabor amargo na boca e lidamos com um medo diferente. Celebramos a importância de sua vida para nossas lutas tão diárias e nos fortalecemos. Não vão nos calar. #MariellePresente

Em julho começamos a produzir, em parceria com o Observatório de Favelas, uma agência-escola de jornalismo, com inspirações e dedicatórias à Escola de Jornalismo da Énois . Recebemos 352 inscrições de jovens comunicadores de mais de 20 favelas da cidade. Selecionamos 11, escrevemos uma primeira reportagem lançada no dia das crianças sobre a nova geração de pais e menores que, nas favelas da cidade, têm pensado e agido sobre seus corpos negros de forma mais autônoma e empoderada. Hoje passamos pela produção de uma segunda reportagem, em parceira com o The Intercept Brasil, sobre as políticas voltadas a jovens inseridos no sistema socioeducativo da cidade.

Bondão da NARRA, uma agência-escola de jornalismo na Maré.

Em agosto recebemos duas novas e incríveis membras na equipe. A designer Giulia Santos e a jornalista Hannah de Vasconcellos. Nós entrevistamos mulheres lésbicas e lançamos uma reportagem, experimentando um formato menor de texto, sobre visibilidade lésbica e as políticas voltadas a essa população. Teve podcast e tudo.

2018 foi um dos anos mais simbólicos para nossa geração. As eleições federais prometiam um resultado arrasador para o caminho de fortalecimento da democracia que vínhamos traçando. Nos encontramos com a Énois e realizamos, com apoio da Open Society Foundations, a segunda #residênciadata_labe: o checazap. Selecionamos três jovens comunicadores de favelas (Amanda Flor, Jordan Sousa e Thaynara Santos) e experimentamos mais uma vez um método novo: desenhamos uma programação espelhada onde os 10 estudantes da Énois e os 5 do data_labe (contando com a Fernanda Távora e Eloi Leones) produziram juntos checagens de notícias falsas que chegavam em nossos grupos de whatsapp. Esse processo foi fundamental para nos colocar nos debates mais profundos que envolveram as eleições e a tsunami de desinformação que foi capaz de eleger um presidente e vários governadores e congressistas. Nos chocamos com as realidades paralelas dos grupos de zap onde a verdade é construída a partir de conceitos mais abertamente maniqueistas. Onde as informações e os dados se perdem em uma configuração manipuladora e, às vezes, perversa. Vimos os canais de mídia convencionais perderem força e acreditamos mais uma vez na nossa capacidade de criar redes de informações apuradas, onde os protocolos de definição da verdade estão baseados em checagem de fatos e números, ouvidos e olhos atentos às consequências das notícias.

Residentes do Checazap. Mamãe ama.

De quebra, produzimos uma matéria sobre as eleições aqui na Maré com base nos santinhos que fomos juntando durante a campanha. O resultado é a constatação de mais uma eleição fisiológica, baseada em currais eleitorais e que deixa a favela a margem dos processos democráticos. Nada novo no front.

O data_labe sempre disse sobre nossos corpos no mundo. Quando nos chegou o Boletim Epidemiológico HIV/Aids de 2017, produzido pelo Ministério da Saúde, nós lançamos uma chamada para jovens que vivem com HIV nas quebradas do Rio. Selecionamos o Anselmo Almeida e com edição e coordenação do super Pedro Lira, produzimos uma reportagem que busca desmistificar os tabus em torno da vida com HIV. Lançamos o material no Olabi, no Dia Mundial do combate à AIDS com a presença da equipe, da Maria Eduarda, do Grupo Pela Vidda e com a apresentação do registro da performance [I=I] realizada na Off Bienal do Cairo pelo nosso parceiro e amigo Vinicius Couto.

Lançamento da reportagem ‘Ainda precisamos falar sobre HIV’ no Olabi, com grande elenco.

Trabalhamos ainda com a equipe da Subcomissão da Verdade na Democracia da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na conformação de uma plataforma sobre os dados coletados pela Subcomissão nos últimos anos. Memórias da Violência é uma plataforma de visualização de casos de violações de direitos humanos cujo responsável é o Estado. O lançamento está marcado para o começo de 2019 e o trabalho é fundamental para afirmarmos a necessidade de continuidade do trabalho de uma Comissão de Direitos Humanos forte nas instituições legislativas. Muito mais agora que se aproximam executivos e legisladores que declaram saudades aos tempos mais perversos da nossa história.

Como a gente não cansa, o fim do ano veio, finalmente, para realizarmos o piloto do #cocôzap, nosso projeto de geração cidadã de dados sobre saneamento básico em favelas. Com apoio do Fundo Socioambiental Casa e parceria com a Casa Fluminense e Redes da Maré nós selecionamos 4 jovens moradores daqui para uma imersão de três meses nos temas do saneamento. A partir de um número de zap a ideia é mapear notificações de moradores sobre a situação do lixo. A pessoa tira uma foto do esgoto ou do bolsão de lixo e envia a localização pra gente. Aí vamos montando uma base de dados que alimenta um mapa. Quanto mais queixas e participação popular, mais podemos diagnosticar a situação da favela e, quem sabe, incidir sobre as políticas excludentes que a gente sabe bem que existem. O maior desafio que encontramos foi o de receber as notificações. Estamos entendendo aos poucos que o lixo é uma questão bem mais complexa que envolve memória, cultura, mas principalmente vontade política. Estamos em fase de buscar apoio e financiamento para as próximas etapas do #cocôzap, com mais experiência e abrangência acreditamos que seja possível repensar os modelos de saneamento da cidade a partir da participação cidadã. Nós compartilhamos todos os resultados desse primeiro piloto aqui: cocozap.datalabe.org

#cocôzap na data_casa

Pra fechar com rebolado a gente ainda produziu a CriptoFunk, inaugurando um debate público que, da porta pra dentro, já era uma preocupação do data_: segurança digital. A partir da ideia de cuidado integral, onde corpo, mente e espírito caminham juntos, nós realizamos, em parceria com Intervozes, Coding Rights e Mapa das Minas, um dia inteiro de atividades sobre como usar melhor nossas tecnologias. Dos apps de chat ao funk, passando por autodefesa e feminismo, o evento contou com muitos corpos diversos e debates de ponta! Foi nessa época que convidamos o Philyppe Motta e a Sissi Mazzetti mestres da Comunicação Não Violenta, para orientar reuniões de checagens de sentido com nossa equipe. Aprendemos a sempre perguntar “como foi seu dia” antes de uma reunião de trabalho e também a cuidar de forma mais organizada de nós mesmos no cotidiano.

Rebolar também é cuidado. Oficina de afrofunk na CriptoFunk.

2018 foi ano de Xangô! Ancorados nas nossas convicções, no amor, na força e na esperança nós realizamos muito. Colhemos o que plantamos nos primeiros anos de data_. Participamos de mais de vinte encontros públicos, inclusive no IBGE e na Bienal de Arte de São Paulo. Viajamos a mais de oito cidades, cinco delas na América Latina, Europa e África (dá pra ver tudo no insta). Nos aproximamos da universidade através de parceiros como o Laboratório de Ciência de Dados em Saúde Coletiva da UFRJ (o Link DataPop) e a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV. Protagonizamos um dos episódios da série Políticas, modo de fazer da GloboNews em parceria com o Instituto Update e dirigido pela nossa amada Yasmin Thayná. E fomos reconhecidos pelo jornal comunitário Maré de Notícias como uma revelação em 2018 na categoria comunicação. Viva!!

Formation ❤

Nos preparamos para o ano novo. É sempre tempo de resoluções, de sonhar sonhos maiores e de planejar para se manter vivo e íntegro. Nós realizamos, com consultoria, apoio e muito amor da Georgia Haddad Nicolau, uma imersão de planejamento organizacional que nos trouxe aterramento, visão, objetivos e metas. Agora é juntar forças para enfrentar os desafios que batem na porta. O governo do município, do estado e do país serão representados por homens que já não nos representam a tempos. Seremos resistência. Mas também tranquilidade para defender os direitos que conquistamos e para nos manter vivos nas batalhas que se anunciam. A gente sabe como fazer: com amigxs, parceirxs e amor.

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Gilberto Vieira
data_labe

Co-fundador do @data_labe, organização de mídia e pesquisa sobre favelas e periferias.