Narrativas, dados e favelas na #residênciadata_labe

Jéssica Pires
data_labe
Published in
3 min readJul 27, 2018

Como pensar comunicação afirmativa na Maré.

Fui residente da primeira temporada da #residênciadata_labe

Vejo sempre como um desafio pensar uma comunicação afirmativa em um território estigmatizado apenas pela negação. E quando entendo que nosso papel em comunicar as narrativas da Maré é também ferramenta que pode potencializar a disputa desse território pela garantia de direitos, esse desafio vira luta.

Participar da primeira residência do data_labe, sobre jornalismo de dados, foi um marcador para mim, mulher periférica e favelada, que encontrei na comunicação uma ponte para ressignificar o território e as histórias que vi crescer do meu lado.

Entendemos a importância de pensar e comunicar dados que quantificam as narrativas que já conhecemos no cotidiano da Maré. Não é de hoje que contamos nossas histórias e a Maré vem construindo uma estratégia de hackear a comunicação e tomar posse desse lugar de fala. Mas trabalhar com dados até então não era “lugar de” mulher periférica. Essa residência, e as trocas com o data_ nos provocaram então, a continuar ouvindo dos tantos protagonistas que a Maré tem, suas histórias, contadas sob sua perspectiva, sob seu olhar, escolha e recorte. Mas também entender a importância que os dados têm nesse campo de disputa de representação, e de garantia de direitos.

A comunidade angolana do Complexo da Maré é uma das maiores do Brasil e isso já seria simples notar pelos sotaques diferentes em muitos por aqui. O senso comum sobre essa comunidade, porém, construído e fortalecido por uma mídia, que não se propõe a entender essas narrativas sob a perspectiva de seus protagonistas, estigmatizou essa comunidade e a afastou das outras que compõe a Maré. Quebrar a barreira criada por esse erro foi uma costura entre a metodologia que pensamos com o data para essa reportagem e muita empatia, cuidado e troca. Por fim nos aproximarmos de histórias como a da Lica, foi um reencontro com a nossa própria ancestralidade.

Já com as mulheres da reportagem Só Força, o assunto que nos fez chegar nessas 3 heroínas mareenses já poderia ser motivo suficiente para uma barreira. Toda essa cobrança moral que recai na mulher que passa por um processo de cárcere afeta inclusive a sua fala. Em uma delas, percebemos a necessidade urgente de expor tudo aquilo que viveu em 6 meses de privação de liberdade; já naquela que acompanha seu companheiro há 2 anos na rotina de visitas, vimos o choro, o pudor; e por último, na personagem que notamos a maior autonomia sob suas escolhas, a fala nos indicou posicionamento e certeza, mesmo diante de tanta violação.

O que fica dessa residência, e desses encontros, com assuntos tão específicos e que atravessam a nossa Maré, é mais uma vez entender que a favela também é lugar de fala. Ainda que a pauta seja violações de direitos, os dados precisam acompanhar sempre as perspectivas de quem os representa. E as estratégias que essas pessoas criam para acessar as ferramentas e direitos básicos em suas trajetórias são histórias lindas de se contar. Ah, e jamais poderia terminar esse texto sem dizer que lindo também foi passar quatro meses indo e vindo à Rua das Rosas para encontrar Clara, Eloi, Fernanda, Gilberto e Juliana, para tomar café, falar de dados, de Maré, de Angola, de jornalismo, e disso tudo que vivemos.

As reportagens podem ser lidas no site do data_labe e foram desenvolvidas entre abril e julho de 2018, durante a primeira temporada de residências do data_labe com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

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