Do DIM ao Data is Mine — uma jornada até o mundo dos dados
Design Fiction para desenhar cenários futuros.
Entendendo o problema e criando cenários futuros
Nossa jornada começou, em 2017, com o filme Elysium, dirigido por Neil Blomkamp. O filme, apesar de ser ficção científica, trata de problemas que também podem ser considerados atuais.
Antes de tudo, ele evidencia um cenário em desequilíbrio:
- Desigualdade social
- Trabalho escasso e degradante
- Saúde precária para a maioria e avançadíssima para minoria
- Conflitos por poder, corrupção, revolta da população
- Tecnologia a serviço da minoria e usada como instrumento de poder e para escravizar a maioria
- Meio ambiente degradado
Esse futuro que o filme anuncia, é um futuro talvez não tão distante da nossa realidade hoje.
Por isso, começamos a desenhar cenários em cima da ideia de REGENERABILIDADE, entendendo que assim poderíamos desenvolver uma solução que ajudasse a REGENERAR o presente, para criar novos futuros.
A partir do estudo das dores no filme, decidimos trabalhar em cima de uma questão que é central na história: o uso de dados e tecnologia como instrumentos de abuso de poder.
Com esse conceito, a proposta foi promover uma REORGANIZAÇÃO de como lidamos com a questão dos dados, tecnologia e informação.
A partir dessa definição, colocamos como norte do projeto o problema: controle e segurança dos dados digitais.
Pesquisa com usuários
E então, fomos pra rua — e pras redes — entender o que e como as pessoas se sentem em relação à segurança dos dados pessoais digitais.
Em pesquisa online com mais de 100 participantes e 5 entrevistas qualitativas percebemos que as pessoas:
- Se sentem inseguras por terem pouca informação sobre assunto
- consideram o tema ainda desconhecido e pouco abordado na mídia em geral (2017)
- se preocupam segurança dos seus dados
- se sentem impotentes e resignadas pois não sabem o que fazer com a situação.
Ouvimos muitas falas como:
"A privacidade e sigilo protegidos por lei não resistem à evolução de tecnologia. É preciso encontrar mecanismos para restabelecê-los.”
e
"A privacidade depende muito de nós mesmos mantermos o sigilo e a privacidade de nossos dados.”
A partir dessas dores, entendemos que há uma necessidade por parte do usuário em ter:
- maior e melhor acesso a mais informações sobre o tema
- maior transparência das empresas e organizações na coleta, armazenamento, tratamento e uso dos dados coletados
- maior controle sobre os dados gerados para se sentirem mais seguros no meio digital
- melhores ferramentas, fluxos e soluções — opções — que garantam maior privacidade ao usarem a internet
Depois das pesquisas e entrevistas entendemos que o problema é maior. E novas perguntas surgiram:
Você acredita que possui privacidade no meio digital?
Se sente seguro utilizando a internet?
Tem ciência e controle sobre os dados que são coletados de você?
Contexto.
O que entendemos a partir da pesquisa com os usuário é que a sensação geral é de que estamos sendo espionados, seguidos, vigiados e invadidos constantemente. E isso não é uma suposição errada. É verdade.
Para entender como isso acontece, basta usar por alguns momentos o plugin da Electronic Frontier Foundation — o Privacy Badger — e ver o rastreamento invisível enquanto você navega na internet.
Ok, você pode se perguntar, como isso me afeta? o que essa coleta impacta minha vida? Outros vão dizer: "mas em troca de anúncios, os consumidores recebem conteúdo gratuito".
A questão da coleta e uso de dados impacta diversos âmbitos da nossa vida. Para ser breve e trazendo alguns exemplos de consequências, a coleta de dados de navegação gera:
- Internet lenta pelo comprometimento da largura de banda, prejudicando experiência de navegação do usuário
- Abertura de brechas para ataques cibernéticos, o que acaba implicando na falta de segurança e na violação de privacidade
E a verdade é que a internet é amplamente financiada por publicidade. Empresas negociam dados de audiência para vender segmentação pra propaganda direcionada. Esses serviços, sustentados por publicidade, serão inerentemente inclinados na direção da necessidades dos anunciantes e não dos consumidores.
E as consequências disso — de novo, para citar algumas:
- Difusão de conteúdos replicados e de má qualidade, fake news.
- Estímulo desenfreado ao consumo
- Vício em tecnologias, gerando ansiedade, stress…
- Técnicas de criação de perfis questionáveis.
- Manipulação política.
Esse é um assunto que vem sendo manchete no mundo todo. Percebemos que a questão dos dados impacta diversos âmbitos da nossa vida, desde consumo, vício no uso de tecnologias e até, por exemplo, manipulação política e o desfecho de uma eleição.
E todos esses dados são gerados por nós , pessoas como eu e vocês!
Outro caso abusivo de uso de serviço eh do tinder. Em setembro de 2017 uma mulher na Europa teve que mobilizar o mundo para conseguir todas as informações coletadas sobre ela durante 4 anos de uso do aplicativo e o que ela recebeu foram 800 páginas contendo — segundo ela — seus segredos mais obscuros e profundos . E tudo isso após deletar a conta.
Foram essa e outras historias parecidas que acabaram mobilizando a sociedade européia, culminando na criação da GDPR — General Data Protection Regulation na Europa, e aqui no Brasil a LGPD — Lei Geral de Proteção de Dados — ainda aguardando a definição do prazo para entrada em vigor. Ambas as leis, obrigam as empresas a entregarem todos os dados coletados da pessoa, se requisitado.
Para vocês terem dimensão, hoje o mercado de dados, vale mais do que o do petróleo.
E quem está ganhando com isso? — toda a riqueza está na mão de gigantes da tecnologia, sendo que quem produz esse valor, é o usuário final.
E o pior é que isso acontece com nosso consentimento, aceitando os termos de uso dos serviços dessas empresas! Só que esses termos são extremamente abusivos, a maioria das pessoas não o lêem, e se lêem, não os entendem.
Ou seja, do ponto de vista jurídico, esse consentimento tem pouco ou nenhum valor, pois um contrato subentende que ambas as partes compreendem o contrato em questão. Pedimos a alguns advogados especialistas avaliarem os contratos e termos e condições de algumas plataformas e marcassem o que consideravam abusivo. E o resultado foi este:
Mas independente de leis específicas que tratem de contratos pouco formais firmados no âmbito da web, como por exemplo quando a pessoa autoriza um site a acessar meus dados, não estamos abrindo mão da nossa privacidade ou dando acesso irrestrito aos nossos dados, como quem assina um cheque em branco.
O direito a privacidade é amplo, e goza de proteção constitucional.
Reformulação do problema
A partir da pesquisa com usuários e do entendimento do contexto, reformulamos nosso desafio, para nortear o processo de ideação:
Como podemos ajudar as pessoas a ter mais controle sobre os seus dados de modo a preservar seu direito à privacidade?
De modo geral, existem duas formas de lidar com os problemas.
A primeira é sendo reativo: a solução vem depois da demanda. Por exemplo: tivemos que ter centenas de acidentes de trânsito, para que se criassem leis e produtos/serviços que regulam a velocidade nas estradas.
A segunda forma é sendo proativo. Criando novos cenários que motivem novo e melhores hábitos. Um bom exemplo em São Paulo: Criando ciclovias permitimos que mais ciclistas existam. Ou seja, a solução gera /incentiva a demanda.
E para solucionar nosso problema, precisamos inverter o mindset. Gerar novos comportamentos. E por mais que o problema que estamos identificando ainda não seja entendido por todos, queremos ser proativos. Precisamos criar o ambiente/solução para que o mercado e as pessoas mudem.
Soluções
A partir desse cenário, entendemos que existem algumas formas de enfrentamento que podem e DEVEM acontecer de forma simultânea/coordenada, para REGENERAR a relação que temos com a questão dos dados.
Ação Civil Pública
Instrumentos Jurídicos como a Ação Civil Pública podem atuar contra qualquer violação de âmbito difuso e coletivo de qualquer princípio do direito fundamental e contra qualquer pessoa.
O Ministério Público, a Defensoria Pública e associações ligadas à defesa do consumidor, teriam legitimidade para propor *hoje* uma ação coibindo essas práticas. O que a Ação Civil Pública faria é criar uma cultura de não violação de direitos por parte das empresas.
OBS.: Uma legislação específica para a proteção de dados é de suma importância para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país, isso traz mais segurança jurídica e é fundamental para garantir o direito à privacidade prevista em nossa Constituição.
Criar uma Associação Civil de Defesa dos Usuários da Internet
Contra a violação de sua privacidade e comercialização indevida de dados para fazer advocacy, acelerar e acompanhar a transição e essas questões para o futuro.
Conscientização
Criação de conteúdo para o fomento do conhecimento, para criar um AWARENESS em relação ao tema e até para que haja uma pressão do consumidor em relação ao prestador de serviços.
Novas soluções — inovação tecnológica e de serviços
a) Criação de serviços e ferramentas que possibilitam/apoiam essa mudança de paradigma para moldar um mercado mais transparente e que respeite os direitos dos usuários.
b) E serviços que operem dentro desta nova lógica, e que coloquem o usuário como protagonista
A solução
Nossa solução trabalha com o pilar da tecnologia mas entendemos que todas as frentes precisam evoluir, como têm evoluído, para que a mudança aconteça. Principalmente, entendemos que a DIM precisa trabalhar a conscientização, fundamental para construir a base para um debate mais amplo.
Manifesto
O propósito da solução fica explícito no manifesto:
Seus dados, suas regras. Lutaremos e defenderemos o direito à privacidade.
Por termos de uso mais justos e transparentes.
Por escolhas e desejos livres de influências comerciais nunca antes autorizadas.
Pelo bem estar do indivíduo e da sociedade e por uma internet mais livre.
Tá na hora de assumir o controle dos seus dados.
Tome o que é seu por direito.
Marca
A marca procura trazer uma linguagem de proximidade com o usuário, para gerar identificação com um assunto estranho ao usuário e complexo por natureza
A conscientização da população é a chave para trazer o problema a tona. A sociedade precisa entender e conhecer importância do assunto! E para tal, criamos uma série de campanhas para conscientizar a comunidade.
A solução tecnológica
Basicamente criamos uma solução para iniciar essa transformação no modelo existente. Entendemos que esse não é o ecossistema ideal, porém é uma máquina em plena operação. A proposta é criar uma forma de começar já a mudar a lógica em que o mercado opera.
Queremos configurar uma nova dinâmica dentro desse mercado, não necessariamente ir de frente com ele.
Por que vender para publicidade? Mídia é importante, e deve ser nossa aliada no processo de mudança.
A mídia opera hoje em um modelo que é:
- Invasivo
- Vai contra a autonomia do usuário
- Inclinados na direção das necessidades dos anunciantes, não dos usuários.
A DIM oferece um caminho para que essa dinâmica mude, de forma gradual, promovendo como diferenciais:
- Consentimento prévio informado
- Remuneração do usuário
Como funciona
- O usuário instala o plugin ou app e se inscreve no DIM
- A ferramenta começa a bloquear traqueamento de terceiros automaticamente e o usuário configura seu perfil liberando quais dados serão coletados durante o uso da internet
- Aqui ocorre o armazenamento e gerenciamento da big data coletada
- Os dados são anonimizados e é feito um trabalho de data mining — de otimização e segmentação dos dados coletados
- Os dados são fornecidos para as DSPs que comercializa para as empresas
- Da receita gerada, uma parte vai para o DIM e outra para o usuário
Por meio da ferramenta, o usuário tem acesso ao conteúdo informativo de conscientização e do sites bloqueados. A forma de ingresso na plataforma é via CPF, o que torna cada usuário único.
Para ajudar o usuário a acessar tanto conhecimento novo, idealizamos um modelo que funciona assim:
Depois de colocar o CPF a pessoa responde um questionário que nos ajuda a entender melhor como ela se relaciona com a temática. A partir disso definimos um perfil — que sempre pode ser alterado — que faz uma curadoria de conhecimento e guia e ajuda o usuário nessa jornada.
Abaixo, por exemplo, o perfil mais provado, em que a pessoa não quer disponibilizar seus dados. Aí ajudamos ela a se proteger melhor.
Receita
A receita principal do DIM é gerada na cobrança de porcentagem no valor do dado comercializado — gerado para o usuário.
Além disso, DIM tem o potencial de gerar renda com:
- Consultoria de compliance e boas práticas para empresas.
- Criação de relatórios de tendências sobre diversos assuntos a partir da base de dados.
- Inteligência a partir de big data para todo tipo de negócio.
Oferta de valor
- Estímulo à conscientização — para que a população tenha conhecimento do assunto
- Consentimento informado —para que cada pessoa entenda o que esta assinando e aceitando nos termos
- Respeito aos direitos dos usuários — no fomento a um modelo mais humano que respeite o usuário
- Oferecer escolha e controle ao usuário quanto à coleta, tratamento e ao uso dos dados
- Negócios mais transparentes — incentivando empresas agirem de forma mais transparente com os usuários
Visões de futuro
Entende-se que a própria DIM irá mudar a forma como o mercado opera, e novas formas de gerar valor a partir de dados podem ser criadas. Entre elas:
- Onboarding de dados offline
- Apoio à tomada de decisão
- Mediação de uso dados para organizações, governo, institutos.
- Auditabilidade da coleta e uso de dados de usuários
- Serviços e produtos mais alinhados com as necessidades dos usuários
- Parcerias com empresas para financiar projetos de conscientização, criação de códigos de tecno ética.
O DIM, a ideia que inspirou a Data is Mine surgiu a partir de uma pós-graduação no IED — Instituto Europeo di Design de São Paulo. São co-autores do TCC: Marília Nunes, Sofia Antonio, Luigi Godoy, Lucas Barreiro e Giba Junqueira
O trabalho foi realizado sob orientação de Anderson Penha e professores do curso de Design Estratégico. Agradecimento especial ao Caio Vassão.
Quer ver o book completo do nosso TCC? Acesse aqui
Desde 2017 o mundo mudou, nós mudamos e o DIM mudou.
DIM foi transformada em Data is Mine, uma iniciativa liderada por Marília Nunes e Sofia Antonio