Razão de chances (odds ratio): O que é e o que significa?

Gabriel Rodrigues
Datapsico
Published in
11 min readAug 6, 2021

Já ouviu falar na razão de chances? Se sim, fica até o final para entender um pouco mais sobre ela. Se não, te garanto que a leitura pode te ajudar a entender mais sobre essa estatística tão simples e tão poderosa.

Até o final desse artigo nós vamos:

Entender uma probabilidade
Entender o que é uma chance
Entender o que é razão de chances
Entender algumas regras da razão de chances
Aplicar a razão de chances em um problema simples

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Entendendo o que é uma probabilidade

Antes de entendermos o que é razão de chances, vamos entender o que é uma probabilidade. Digamos que você tem um dado de seis lados e você quer saber qual a probabilidade de conseguir o número “6” ao lançá-lo. A probabilidade de você conseguir o número 6 é de uma em seis (1/6). Você possui 6 diferentes possibilidades, e apenas uma delas é seu alvo. Logo, sua probabilidade = 1/6, aproximadamente 16,67%. Caso você deseje conseguir os números pares ao lançar o dado, sua probabilidade muda para 1/2 (ou 50%), já que três de seis lados (3/6, que pode ser simplificado para 1/2) são pares.

Digamos que amanhã há uma probabilidade de 80% de chuva. Isso significa que existe uma probabilidade de 80 em 100 de que amanhã chova.

Embora 1/6, 1/2 e 80/100 sejam probabilidades, não é a isso que nos referimos quando falamos de chance ou razão de chances.

Entendendo o que é uma “chance”

Antes de entendermos o que é razão de chances, vamos entender o que é uma chance. Voltemos ao exemplo inicial. Digamos que você tem um dado de seis lados e você quer saber qual a chance de conseguir o número “6” ao lançá-lo. Perceba que agora não queremos mais saber a probabilidade, mas sim a chance de isso acontecer. Entretanto, antes de descobrirmos a chance, precisamos entender a probabilidade do evento acontecer.

A probabilidade de conseguir o número 6, como vimos, é de 1/6. Você possui 6 diferentes possibilidades, e apenas uma delas é seu alvo.

A chance é calculada como a probabilidade de ocorrência sobre a probabilidade da não ocorrência:

De forma crua, a chance calcula quantas vezes a probabilidade de ter efeito é maior ou menor do que a probabilidade de não ter efeito. Perceba que se a chance for igual a 1, a probabilidade de ter efeito e de não ter efeito é a mesma. Se a chance for menor a 1, a probabilidade de ter efeito é menor do que a probabilidade de não ter efeito. E se a chance for maior que 1, a probabilidade de ter efeito é maior que a probabilidade de não ter efeito.

Vamos entender tanto a parte de cima quanto a de baixo dessa equação:

  • Probabilidade de ter efeito: é a probabilidade de você conseguir o número 6 que, como vimos, é uma em seis (1/6).
  • Probabilidade de não ter efeito: é a probabilidade total de efeito (100%, ou 1) subtraída pela probabilidade de efeito. Ou seja, se a probabilidade de efeito é p, a probabilidade de não ter efeito é 1-p. Nesse caso, 1-p é igual a 1-(1/6).

Fazendo as devidas substituições, conseguimos nossa chance para conseguir o número 6 em um dado. Note que a mesma chance serve tanto para conseguir o número 6 quanto para conseguir o número 5, ou o número 2, e assim por diante. A chance que estamos calculando é a de conseguir um número específico em um dado, que está apresentada a seguir:

Chance de conseguir um número específico em uma jogada de um dado de seis faces

Assim, a chance de conseguir o número 6 é de 0,20 em uma jogada de dado. Agora, o que significa 0,20? Que a cada jogada de dado, temos 0,20 chances de conseguir o número 6 contra uma chance de não conseguir esse número. A nossa chance é de 0,20 contra 1. Como o número 1 é cinco vezes maior que o número 0,20, também poderíamos dizer que existe cinco vezes mais chances de conseguir qualquer outro número!

Perceba, justamente, que existem outros 5 números!

Resumindo: nossa chance de conseguir o número 6 em uma jogada de dado é de 0,20 para 1. Para deixar ainda mais nítido o conceito de chance, vamos trabalhar os nossos outros dois exemplos.

Exemplo 2: Qual a chance de conseguir um número par ao jogar um dado de seis faces?

Vamos começar entendendo qual a probabilidade de efeito e a probabilidade de não ter efeito.

  • Probabilidade de efeito: a probabilidade de conseguir um número par ao jogar um dado de seis faces é de 3/6, ou 1/2. Isso porque existem 3 números pares em um dado de 6 faces (3/6, ou 1/2).
  • Probabilidade de não ter efeito: a probabilidade de não ter efeito é igual à 1-p. Substituindo, é igual a 1 — probabilidade de ter efeito. Assim, nossa probabilidade de não ter efeito é igual a 1–1/2, que é igual a 1/2.

Agora, basta substituir esses valores na equação:

Chance de conseguir um número par em uma jogada de um dado de seis faces

Opa, como assim a chance de conseguir um número par em uma jogada de um dado de seis faces é igual a 1? Isso significa que eu tenho 100% de probabilidade de conseguir um valor par em uma jogada de um dado de seis faces?!

NADA DISSO! A chance de conseguir um número par em uma jogada de um dado de seis faces é de 1 para 1. Ou seja, a probabilidade de conseguir é de 50%. E a probabilidade de não conseguir é 50% também. Esse exemplo é perfeito para exemplificar que, quanto mais perto uma chance é de 1, mais equilibrada é a possibilidade de conseguir o efeito sobre a possibilidade de não o conseguir.

Exemplo 3: Qual a chance de chover amanhã sendo que há uma probabilidade de 80% de chuva?

Novamente, primeiro devemos obter nossa probabilidade de ter efeito, e depois nossa probabilidade de não ter efeito.

  • Probabilidade de efeito: a probabilidade de chover é 80%, ou 80/100.
  • Probabilidade de não ter efeito: a probabilidade de não ter efeito é igual à 1-p. Substituindo, é igual a 1 — probabilidade de ter efeito. Assim, nossa probabilidade de não ter efeito é igual a 1–(80/100), que é igual a (20/100).

Agora, basta substituir esses valores na equação:

A chance de chover amanhã é igual a 4. Isso significa que existe a probabilidade de chover amanhã é 4 vezes maior que a probabilidade de não chover. Perceba que aqui fica bastante nítido que o número 4 representa quantas vezes a probabilidade de ter efeito é maior que a probabilidade de não ter efeito. A chance, em essência, representa exatamente isso.

Entendendo o que é a razão de chances

A razão de chances é a razão entre a chance de efeito sobre a chance de não efeito. Ou também sobre a chance de algo acontecer sobre a chance de não acontecer.

Indo por partes:

  • Chance de ter efeito: já sabemos que cálculo é esse, porque já o utilizamos na seção anterior. É a probabilidade de efeito (p) sobre a probabilidade de não efeito (1-p).
  • Chance de não ter efeito: é a probabilidade de não ter efeito (que é chamada de q) sobre a probabilidade de ter efeito (1-q), ou p.

Resumindo, a razão de chances é uma razão entre a chance de ter um efeito sobre a chance de não ter um efeito. Ela calcula quantas vezes a chance de ter um efeito é maior do que a chance de não ter esse efeito.

Vamos voltar para o exemplo do dado. Digamos que você tem um dado de seis lados e você quer saber qual a razão de chances entre conseguir o número “6” ao lançá-lo e não conseguir esse número.

  • Chance de ter efeito: como vimos, ela é de 0,2.
  • Chance de não ter efeito: ela é a probabilidade de não ter efeito sobre a probabilidade de ter efeito. Ou seja, 5/6 dividido por 1/6. Isso é igual a 5.

Substituindo isso na equação:

A razão de chances, então, é a divisão entre essas duas chances:

A razão de chances (RC) entre conseguir o número “6” ao lançar um dado de seis faces e não conseguir é de 0,04. Como é muito difícil para mim entender razões de chances abaixo de 1, gosto sempre de trocar o denominador pelo numerador a fim de entender melhor o efeito quando a RC é menor que 1.

Podemos agora interpretar isso de uma maneira diferente. A chance de não conseguir o número 6 em uma jogada de dado é 25 vezes maior do que a chance de conseguir o número 6 ao jogar o dado.

Perceba que estamos falando sobre as chances. Apenas isso, não estamos nos referindo à probabilidade de conseguir o número ou não (algo que estaria mais próximo do conceito de chance e da interpretação inicial que fizemos).

Exemplo 2: Qual a razão de chances entre conseguir um número par ao jogar um dado de seis faces e não conseguir um número par?

Vamos continuar nosso processo a partir da fórmula da razão de chances.

  • Chance de ter efeito: como vimos, nesse exemplo, a chance de conseguir um número par é de 1 para 1. Ou seja, a chance é igual a 1.
  • Chance de não ter efeito: ela é a probabilidade de não ter efeito sobre a probabilidade de ter efeito. Ou seja, 1/2 dividido por 1/2. Isso é igual a 1 novamente.

Podemos prosseguir direto para o cálculo da razão de chances:

Notamos algo semelhante ao que vimos quando estávamos falando de chance. A razão de chances entre conseguir um número par e a chance de não conseguir é igual a 1. Ou seja, as chances de conseguir ou não um número par são iguais!

De fato, a razão de chances busca mostrar com nitidez a diferença entre a chance de um efeito ocorrer e a chance do evento não ocorrer. Para situações que nem as que apresentamos até agora, talvez ela não seja tão útil.

Algumas regrinhas da razão de chances

Uma questão importante da razão de chances é que ela não é linear. Um efeito nulo de razão de chances ocorre quando RC = 1. Isso ocorre porque se a RC é igual 1, significa que a chance de algo ocorrer sobre a chance de algo não acontecer é a mesma.

Da fórmula da razão de chances, tiramos algumas conclusões:

  1. Não é possível termos uma razão de chances negativa. Se tiver isso, tem algo de errado no cálculo porque nenhuma chance pode ser negativa.
  2. A razão de chances se aproxima de 0, mas nunca chega a 0.
  3. Podemos calcular o intervalo de confiança para a razão de chances. Quando isso é feito e os valores do intervalo ultrapassam 1, significa que o efeito é provavelmente nulo na população.

Qual o uso da razão de chances? Um exemplo prático

A razão de chances pode servir para entender o tamanho de efeito da relação entre duas variáveis categóricas. O cálculo só pode ser feito, entretanto, com um recorte de duas variáveis categóricas binárias.

Vamos imaginar que você chefia um laboratório. Você deseja diminuir o máximo possível afastamentos por doença. Para isso, você inicia um programa de vacinação de pneumonia para quem trabalha na empresa. Você escolhe a vacina da pneumonia porque ultimamente os afastamentos têm ocorrido devido à essa enfermidade. Após a encomenda das vacinas, você recebe um aviso de que houve um problema durante a fabricação e que você só receberá vacinas o suficiente para metade das pessoas do laboratório. Até as vacinas ficarem prontas novamente, você mantém um registro da saúde de quem trabalha na empresa. Esse exemplo é descrito aqui.

Depois de um tempo, você possui essas informações:

Utilizando o que aprendemos, podemos nos perguntar:

  1. Quais as chances de alguém que tomou a vacina contrair pneumonia?

Se fizermos essa pergunta, nossa razão de chances é:

Para o numerador, a “chance de ter pneumonia para quem não tomou a vacina” é igual à quantidade de pessoas que não tomaram a vacina e estão doentes com pneumonia (23)÷ quantidade de pessoas que não tomaram a vacina e estão sem pneumonia (61). Assim, numerador = 23/61.

Para o denominador, a “chance de ter pneumonia para quem tomou a vacina” é igual à quantidade de pessoas que tomaram a vacina e estão doentes com pneumonia (5)÷ quantidade de pessoas que tomaram a vacina e estão sem pneumonia (77). Assim, denominador = 5/77.

Logo:

Interpretamos com isso que para cada chance de o grupo que tomou a vacina possui de ter pneumonia, existem 5.81 chances de o grupo que não tomou a vacina de ter pneumonia. Dizendo de uma forma mais contundente: existe 5.81 vezes mais chances de se contrair pneumonia quando não se toma a vacina.

Perceba que você poderia ter considerado o grupo “Doente sem pneumonia” como também “não tendo pneumonia”. Eu resolvi separar isso porque queria mostrar que podemos usar a razão de chances com variáveis categóricas que não são binárias.

2. Quais as chances de alguém que tomou a vacina de ter alguma doença que não seja pneumonia?

Para o numerador, a “chance de ter outra doença para quem não tomou vacina” é igual à quantidade de pessoas que não tomaram a vacina e estão doentes sem pneumonia (8)÷ quantidade de pessoas que não tomaram a vacina e estão sem pneumonia (61). Assim, numerador = 8/61.

Para o denominador, a “chance de ter outra doença para quem tomou a vacina” é igual à quantidade de pessoas que tomaram a vacina e estão doentes sem pneumonia (10)÷ quantidade de pessoas que tomaram a vacina e estão sem pneumonia (77). Assim, denominador = 10/77.

Logo:

Note que a razão de chances é praticamente 1. Podemos concluir então que não há efeito da vacina sobre outros tipos de enfermidade! Conseguimos concluir isso porque para cada 1 chance (lê-se: uma chance) de se ter outra doença que não seja pneumonia para quem tomou vacina, há também 1 chance (lê-se: uma chance) de se contrair outra doença que não seja pneumonia para quem tomou a vacina. Para mim, é fantástico que conseguimos determinar isso a partir de cálculos tão simples.

Espero que você tenha entendido mais sobre razão de chances! Para mim, ela é uma das estatísticas mais poderosas para se avaliar o efeito da relação entre duas variáveis categóricas. Se quiser mais materiais, os links abaixo podem ajudar:

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Espero que tenha gostado! Qualquer dúvida, observação ou comentário são muito bem-vindos! Fique à vontade para se manifestar e vamos aprender juntos 😄

Para falar comigo, é só entrar em qualquer um desses links.

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Gabriel Rodrigues
Datapsico

Sou um psicólogo que trabalha com Análise e Ciência de Dados desde a graduação — busco criar e compartilhar conteúdo sobre esses assuntos. linktr.ee/gabrielrr