História do crédito — Crédito nos dias de hoje
Como a tecnologia impactou a concessão de crédito, para as instituições financeiras e também para os clientes.
Aqui estamos nós em mais um capítulo da nossa série sobre a história do crédito!
No post anterior, meu querido amigo Rodrigo Pasqualucci mostrou toda a trajetória do que hoje conhecemos como crédito, desde os primeiros empréstimos até o surgimento dos primeiros bancos e do crédito moderno. Então, se ainda não conferiu, é só clicar aqui!
Dando sequência nessa jornada, vamos falar sobre o surgimento do crédito como conhecemos hoje, seus principais desafios e como a ciência de dados nos ajuda a solucioná-los.
Crédito no séculos XX e XXI
Como vimos antes, o crédito faz a economia girar, mas sua concessão não é nada trivial. Isso porque estamos, literalmente, tentando prever o futuro!
Com o objetivo de identificar maus pagadores surgiu o conceito score de crédito, que, de forma simplificada, é uma representação do risco daquele cliente não honrar os pagamentos de suas dívidas.
Os credit reports foram muito populares entre as instituições que ofereciam esse serviço durante o século XX e parte do XXI.
Tradicionalmente, esses reports apresentavam um apanhado geral das informações financeiras de um cliente, dados necessários para análise e calculo do score de crédito como: histórico de pagamentos, débitos, endereços, profissão, entre outros.
O score em si podia ser calculado com a ajuda de um scorecard, que apresentava as variáveis e seus pesos no modelo final. Era bastante comum que fossem estruturados em tabelas para facilitar o processo de escoragem, que era manual.
Vamos tomar como exemplo a planilha abaixo, que mostra um scorecard fictício.
Para um cliente com o seguinte perfil:
- 32 anos
- Renda de R$ 6.000
- Autônomo
- Sem negativações
Teríamos um score de 15 + 20 + 5 +10 = 50 pontos.
Para aqueles que quiserem se aprofundar no cálculo dos pesos e em outros conceitos de crédito, deixo a recomendação do livro Credit Scoring, do Abrahan Laredo. Apesar de ser focado em métodos mais tradicionais, o livro traz uma visão geral muito interessante dos principais aspectos da área.
Mesmo tendo sido bastante importantes, os scorecards tinham duas principais desvantagens em relação as técnicas atuais: dificuldade de escalonamento, por ser um trabalho manual, e menor assertividade, já que estavam limitados a modelos estatísticos e dificilmente eram revisados com base nos dados observados de pagamento e defaults de crédito.
Impacto da tecnologia
Em meados do século XX, tivemos o surgimento de novas técnicas de modelagem preditiva, além da já consagrada regressão logística. Nesse período começaram a surgir, os modelos lineares generalizados, as primeiras redes neurais e árvores de decisão, que, mais tarde, se tornaram os blocos fundamentais para construção de soluções de alto nível em diversas áreas.
O desenvolvimento de modelos mais complexos trouxe consigo maior assertividade na concessão de crédito. De um lado, o banco tem maior controle de sua exposição ao risco e, do outro, o cliente recebe propostas, taxas e limites mais condizentes com seu perfil.
Além dos novos modelos, a infraestrutura dos motores de crédito também foi impactada pelo avanço tecnológico. Por conta dos altos níveis de automação e integração de sistemas, hoje podemos estabelecer processos de triagem altamente eficientes, diminuindo os tempos de análise e concessão.
Vamos retomar o exemplo anterior: o modelo tradicional levava em conta variáveis de forma isolada, atribuindo pesos a cada uma delas, ou seja, interações entre elas não eram consideradas. Além disso, processos manuais limitavam a quantidade de análises feitas em um dia, com grande dificuldade de escalonamento. Se um banco quisesse aumentar a quantidade de clientes analisados, seria necessário contratar mais e mais analistas.
Em contraponto, um modelo de arvore de decisão pode encontrar diversos cortes para a mesma variável dependendo dos cortes em outras. Além disso, pode ser produtizado junto às políticas de forma escalonável, realizando centenas e até milhares de análises simultâneas.
Apesar dos avanços do ponto de vista operacional serem grandes, um outro aspecto fundamental da oferta de crédito sofreu profunda transformação nas últimas décadas: os dados!
Novas fontes de dados
Nas últimas décadas, a democratização da internet e do acesso a computadores e, principalmente, a smartphones proporcionaram um aumento exponencial no volume de dados produzidos todos os dias. O gráfico a seguir, retirado do site Statista, mostra como as vendas de telefones cresceu na última década.
Dentre as informações geradas podemos encontrar presença online, viagens, pagamento de contas do dia a dia, movimentações em aplicativos de transporte, entrega de refeições, entre outras. Essa lista não é nada exaustiva e, graças à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), esses dados são extraídos e utilizados apenas com o devido consentimento de cada indivíduo. Você pode conferir o texto da LGPD na integra clicando aqui.
Em contraposição aos modelos tradicionais, os provedores de crédito perceberam que essas fontes podem se mostrar bastante complementares, preenchendo lacunas existentes nos perfis de crédito.
Para entender como isso funciona, vamos de exemplo!
Imagine uma pessoa no início de sua vida financeira, ela não possui histórico de crédito, movimentações em conta ou cartões. Para um modelo tradicional de admissão, só estarão disponíveis dados cadastrais, como idade e endereço, que por si só não tem alto poder preditivo. Nesse cenário, a instituição financeira ainda não tem certeza sobre o risco desse cliente e oferecerá produtos básicos, com menores limites e taxas piores.
Nesse ponto, a introdução de informações como histórico de contas telefônicas, viagens e utilização da internet podem ajudar a desenhar um perfil mais completo e assertivo dessa pessoa.
Modelos da área de crédito
No exemplo acima, citei um modelo de admissão, ou Application, mas essa é apenas a ponta do iceberg do crédito. Essa é uma área vasta e com muitos produtos, então a seguir veremos um apanhado geral de alguns dos principais desafios e soluções desenvolvidas por nós da Datarisk.
Application
Os modelos de admissão são utilizados quando um novo cliente quer aderir a um produto financeiro, como cartão de crédito ou mesmo um empréstimo pessoal. Nesse ponto, a instituição ainda não tem informações históricas dessa pessoa como cliente. A falta de dados comportamentais dificulta a avaliação do perfil de risco e torna necessária a adição de outras fontes, como já exemplificado antes.
Nessa linha, o processo de Open Banking está tomando forma no Brasil. De forma simplificada, ele padroniza e facilita a troca de informações entre instituições financeiras a partir do consentimento do titular desses dados.
Na prática, se a pessoa já tem uma conta em um banco há anos e deseja migrar para outro, ela pode levar junto todo seu histórico, o que facilita bastante o processo de admissão.
Behavior
Depois da entrada do cliente na instituição, é muito comum que ocorram mudanças de limites e oferecimento de outros produtos. Isso porque, com o passar do tempo, o histórico do cliente começa a ser construído e a instituição tem melhor detalhamento do seu perfil de risco.
Nesse ponto entram os modelos comportamentais, ou Behavior. Esses modelos levam em conta informações como pagamentos de faturas passadas, atrasos e adiantamentos, mudanças de renda e movimentações na conta.
Os scores Behavior são mais robustos e, via de regra, com métricas melhores que os de Application.
Esses modelos são comuns, tanto em serviços B2C (Business to Consumer), que é o caso de cartões de crédito, quanto em B2B (Business to Business), quando uma empresa compra produtos ou matéria prima de forma recorrente de outra empresa.
Collection
Modelos de cobrança (collection) são utilizados para direcionar contatos de negociação com clientes inadimplentes. Assim, o output é o chamado Collection Score, uma medida da probabilidade do cliente regularizar sua dívida.
Processos de cobrança e negociação de dívidas podem ser realizados de diversas formas, desde envio de SMS até ligações de call center, geralmente obedecendo uma política relacionada ao tempo de atraso.
Nesse sentido, o Collection Score compõe uma camada fundamental para otimizar ações e aumentar a produtividade do time de cobranças, impactando não só na priorização dos contatos, mas também na forma com que os clientes são abordados e nas opções de negociação oferecidas.
Churn
Churn é um termo utilizado para descrever o abandono de um serviço por parte do usuário, como cancelamento de uma linha telefônica ou assinatura de um serviço de streaming.
Apesar de não ser relacionado ao risco de inadimplência, o churn pode estar associado a algumas frentes no setor financeiro, como a própria conta bancária ou ao cartão de crédito. A ideia, nesses casos, é de prever os clientes que tem maiores riscos de abandonar o serviço ou produto e, assim, direcionar possíveis incentivos.
Dessa maneira, a correta previsão do churn impacta na carteira de duas formas: melhorando a retenção dos clientes e otimizando a distribuição de incentivos.
Por exemplo, para um cliente com determinado perfil A e que tem uma chance alta de cancelar o cartão, talvez seja necessário oferecer uma anuidade gratuita. Por outro lado, para um segundo cliente com o mesmo perfil A, mas com uma probabilidade média de churn, um desconto na anuidade pode ser suficiente.
Inferência de rejeitados
Aqui chegamos em um dos maiores desafios da área. Para exemplificar o problema, pense no seguinte cenário:
Sua empresa abre uma frente para oferta de crédito e tem um motor que decide pela aprovação ou não de um cliente. De início, você usa um score de prateleira, mas com o tempo coleta dados de pagamento (targets) suficientes para o seu próprio modelo.
Neste ponto, você já tem informações de pagamentos que parece suficientes para uma primeira versão, maravilha!
Entretanto, quando colocado em produção, esse modelo tem um desempenho bem aquém do esperado. O que aconteceu?
O fato é que seu modelo foi desenvolvido inteiramente com clientes aprovados, logo, não conhece o comportamento daqueles que foram rejeitados anteriormente. Em produção, no “mar aberto”, poderá haver uma grande diferença populacional em relação ao treino e ao teste do seu modelo.
Ufa! Finalmente chegamos na tal da inferência de rejeitados, que consiste em trazer para dentro da modelagem também os clientes para os quais você não forneceu crédito.
Mas essa prática não é nada trivial, já que esses clientes não possuem a variável resposta, daí o termo “inferência”. Precisamos estimar, da melhor forma possível, se esse cliente viria a ser um inadimplente caso aprovado.
Algumas técnicas podem ser aplicadas para esse fim, desde fazer testes A/B aprovando parte dos inicialmente rejeitados, até utilizar um score poderoso como base da estimativa.
A realidade é que a inferência de rejeitados, assim como os outros problemas e soluções que citei, é um mundo por si só e merece um post só pra ela no futuro. Pra quem quiser já dar uma aprofundada no assunto, meu amigo Daniel Tonetti escreveu um super artigo abordando o tema, é só clicar aqui no link!
Conclusão
O crédito é tão velho quanto a própria escrita e mesmo assim nunca estivemos mais interessados em estudar e solucionar seus principais problemas!
Como vimos nesse post, os avanços tecnológicos, como novas técnicas de modelagem, a democratização da internet e os smartphones, possibilitaram uma nova e ampla gama de soluções para problemas milenares e, com certeza, estamos apenas no início.
Em artigos futuros vamos nos aprofundar nos modelos e problemas individuais, abordando aspectos específicos de suas soluções, então fiquem ligados!
Espero que tenha gostado do artigo! Em caso de dúvida estou à disposição no LinkedIn.
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Referências e fontes
Abraham Laredo Sicsú. Credit scoring: desenvolvimento, implantação, acompanhamento.. Editora Blucher. 1ª Edição. 2010.
Credit Reports and Scores. https://www.usa.gov/credit-reports
Vendas mundiais de smartphones. https://www.statista.com/statistics/263437/global-smartphone-sales-to-end-users-since-2007/
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm