Dados à Mesa: visualizando o sistema alimentar da cidade de São Paulo

Gabriela Momberg
datavizbr
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7 min readJan 5, 2022

Acredito que para começar um projeto de design da informação seja necessário o envolvimento com múltiplos campos do conhecimento. Desde que tenho discutido sobre segurança alimentar com pessoas à minha volta, não conheço alguém que não tenha se inspirado diante da ideia de transmitir e visibilizar dados relacionados ao tema, pelas mais diversas motivações: planejamento de políticas públicas, conscientização para o consumo responsável, mobilização política, articulação de ações sociais, entre outras possibilidades. Com isso em mente, desenvolver o projeto Dados à Mesa foi um percurso dotado de pesquisa e experimentação de caráter interdisciplinar, os quais pretendo abordar neste artigo.

Imagem produzida pela autora

Dados à Mesa é um trabalho final de graduação apresentado em 2020 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, orientado pelo Prof. Dr. Leandro Velloso. A partir de metodologias do Design da Informação (DI), da Design Research e do Design Centrado no Humano (DCH), foi elaborada uma coleção de estamparia para guardanapos e panos de prato, baseada em dados relacionados ao sistema alimentar na cidade de São Paulo. O objetivo principal era criar uma experiência de contato do cidadão paulistano com a informação disponível em dados abertos.

O projeto foi, desde o princípio, orientado pelo DI[1]. No entanto, também foram utilizadas outras abordagens de design ao longo do processo. O desenho da pesquisa incluiu uma fase preliminar de revisão exploratória de fontes e de imersão no universo do usuário. Desta introdução, seguiu-se para uma modelagem de dados e visualizações. Estas fontes — a análise exploratória de dados e a pesquisa de usuário — alimentaram a etapa de ideação, cuja sequência foi dada pela prototipagem das alternativas geradas. Por meio de um processo iterativo entre ideação, prototipagem e modelagem, desenvolveu-se o desenho final do projeto.

Diagrama da metodologia

O contexto que mobilizou as primeiras pesquisas bibliográficas é dado pelo cenário de oferta e consumo em São Paulo. Estar em contato com projetos de desenvolvimento sustentável para a cidade, ao mesmo tempo vivenciando um centro urbano onde a predominância de ultraprocessados é ostensiva diante da classe trabalhadora, suscitou o interesse pela visualização de informação sobre o ambiente alimentar[2] que se estabelece no território e as condições sociais que se relacionam a isso. Estávamos tratando, portanto, de sistema alimentar.

Imagem produzida pela autora

Em uma abordagem inicial com a visualização de dados, foi realizada uma análise exploratória de dados abertos, coletados de plataformas de instituições públicas e de órgãos independentes que disponibilizaram informações recentes relacionadas ao sistema alimentar — infraestrutura de abastecimento, estabelecimentos comerciais, mercado de trabalho, cobertura vegetal, unidades de produção agrícola, entre outros dados. A modelagem de visualizações em softwares como Tableau e QGIS caracterizou um momento de descoberta e familiarização com aspectos dos dados como amplitude, granularidade, outliers, tendências, clusters e demais parâmetros[3]. A visualização de dados foi associada, nessa etapa, a uma postura de observação por parte da designer.

Com o objetivo de criar um projeto de DI que se comunicasse com o cidadão paulistano, foi essencial adotar metodologias do DCH. Dessa forma, o que caracterizamos como a etapa de imersão consistiu na realização de entrevistas com usuários que, de diferentes perspectivas, estavam envolvidos com a cadeia da alimentação na cidade de São Paulo. As conversas foram semiestruturadas a fim de observar relações que essas pessoas estabeleciam entre o espaço e a alimentação. Foram ouvidas pessoas ligadas à agricultura familiar, à mobilização social, ao movimento de cooperativismo e à agenda de segurança alimentar. Para processar e analisar a informação coletada, utilizamos o método do Diagrama de Afinidades.

Diagrama de Afinidades: método de processamento e análise da pesquisa de usuário

Da imersão resultaram oito categorias temáticas que orientaram um exercício de geração de soluções. Nesse processo, ideias abstratas foram traduzidas em alternativas visuais por meio do sketching. Adotar um método de ideação baseado na produção manual de esboços permitiu estabelecer uma abordagem experimental e flexível no processo criativo da visualização de dados. Por meio desta prática, foi possível refletir sobre as relações entre os tipos de visualização, os conjuntos de dados levantados e a interface gráfica[4]. As descobertas na ideação alimentavam, assim, novas buscas por dados e modelagens. Essa etapa foi, portanto, fundamental para embasar a execução do projeto posteriormente pelos softwares de visualização e de ilustração digital.

Categorias resultantes do Diagrama de Afinidades
Geração de alternativas por meio de esboços manuais

Por fim, as visualizações se estruturam da seguinte forma: três séries temáticas compostas por um mapa municipal e 96 combinações de gráficos que representam cada distrito de São Paulo. Os mapas possuem uma camada coroplética em que são apresentados dados relativos, e uma camada sobreposta de bolhas proporcionais, com dados absolutos. Os gráficos de distrito são uma combinação de preenchimento de área, como plano de fundo, ao qual é sobreposto um gráfico de pictogramas com dados quantitativos. Cada série se concentra sobre um tema apresentando um cruzamento específico de informações:

  • Série 1: mais relacionada à dimensão produtiva do uso do solo, apresenta a proporção de terrenos vagos e áreas livres, comparada à quantidade de estabelecimentos em que se pode consumir alimentos no modelo de circuito curto, e ainda à quantidade de famílias em extrema pobreza.
  • Série 2: apresenta o cenário da oferta no mercado formal de alimentos, comparando estabelecimentos de oferta de ultraprocessados, in natura ou mistos, a áreas em vulnerabilidade social.
  • Série 3: com um olhar sobre o mercado de trabalho informal ligado à tendência de precarização presente no sistema alimentar, tem-se a renda média domiciliar comparada ao número de microempreendedores individuais na categoria de entrega rápida, e a distância diária percorrida entre moradia e local de trabalho de entregadores ciclistas de aplicativo.

Como resultado da ideação tivemos também a definição do suporte. A escolha por um projeto de estamparia se deve a um processo de análise das categorias temáticas, na qual se considerou o pano de prato e os guardanapos como potenciais veículos para a informação, uma vez que o artefato têxtil pode se ambientar em locais de consumo alimentar.

Definida a estamparia como a técnica de reprodução das visualizações, o passo seguinte à ideação foi a prototipagem das estampas em tecido. Houve diversos níveis de fidelidade nesta produção, e conforme o avanço do detalhamento, foram necessárias adaptações na modelagem de visualizações, e consequentemente o recomeço de ciclos entre ideação, modelagem e prototipagem. Quando as estampas passaram a incorporar dados reais e as escalas pareceram estar adequadas à representação da granularidade dos dados, pôde-se traçar um projeto para os artefatos finais de serigrafia, stencil e imersão do tecido.

Experimentação com técnicas de estamparia

A produção dos protótipos foi imbuída de caráter experimental, levando em consideração que se poderia recorrer a métodos de maior escala para a execução das estampas. No entanto, a prototipagem artesanal provou-se possível e interessante à medida em que institui uma dinâmica de cuidado e sensibilização para com os dados. O tempo que se leva para estampar cada ponto de dado no tecido pode ser entendido como uma dimensão da experiência sensorial para além da visualização. Nesse sentido, o envolvimento do designer com processos analógicos no tratamento dos dados pode oferecer uma importante contribuição para o resultado na infovis.

Produção de protótipos de alta fidelidade em serigrafia, imersão e stencil

Uma das reflexões que este trabalho suscita é a de que visualizar dados pressupõe não apenas um sujeito[5], mas uma interface, e portanto, escolhas de projeto que poderão interferir em sua ambientação. Nesse sentido, a coleção se apresenta como um esforço de aproximação ao contexto do cidadão por meio do ponto mais recorrente do sistema alimentar — o consumo — para convocá-lo, por meio da interação com o artefato têxtil, a refletir sobre questões de interesse público que permeiam a alimentação na cidade. A visualização da informação na estamparia busca trazer à mesa novas camadas de percepção acerca do lugar e do sistema em que um ato cotidiano se situa.

Imagens produzidas pela autora

Referências

  1. ARAUJO, GABRIELA MOMBERG ; VELLOSO, LEANDRO MANUEL REIS . Dados à mesa: visualizando a alimentação na cidade de São Paulo. In: 10º Congresso Internacional de Design da Informação e 10º Congresso Nacional de Iniciação Científica em Design, 2021, Curitiba. Blucher Design Proceedings. São Paulo: Editora Blucher, 2021. v. 9. p. 1745–1752.
  2. Machado, P., Claro, R., Martins, A., Costa, J., & Levy, R. (2018). Is food store type associated with the consumption of ultra-processed food and drink products in Brazil? Public Health Nutrition, 21(1), 201–209. doi:10.1017/S1368980017001410
  3. TUFTE, Edward R. Envisioning information. 1990 Graphics Press.
  4. LUPI, Giorgia. (2017), Data Humanism, the Revolution will be Visualized.
  5. DRUCKER, Johanna. Graphesis - Visual Forms of Knowledge. 2014 Harvard University Press.

Para saber mais, acesse o caderno disponível na página do projeto.

Imagem produzida pela autora

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