Entrevista Cecília do Lago — Cityvis Award 2018

Rodrigo Medeiros
datavizbr
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5 min readOct 23, 2018
Fonte: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,roubos-de-celular-atingem-metade-das-ruas-de-sao-paulo,70002022457

Recentemente saíram os projetos vencedores do Cityvis Award 2018 e tivemos dois projetos brasileiros no shortlist da categoria Journalistic, o Cellphone robberies (representado pela Cecília do Lago) e o StreetMusicMap (representado pelo Daniel Bacchieri). Então resolvi fazer uma entrevista com cada um deles para conhecermos mais do projeto e tentar entender a evolução da área no Brasil. Começamos com a Cecília do Lago.

Datavizbr: Primeiramente agradeço a participação no Datavizbr e gostaria que você contasse um pouco a história do projeto.

Cecília: A reportagem sobre roubo de celulares em São Paulo foi meu primeiro grande projeto quando fui convidada a fazer parte da equipe do Estadão Dados. Nele, fiz a apuração de dados e a visualização tanto para o digital quanto para o impresso. A apuração de rua foi feita por dois repórteres de Metrópole, o Bruno Ribeiro, especialista em cobertura local e o Marco Carvalho, setorista de segurança pública. Numa conversa com a equipe, percebemos que muitos dados de segurança traziam uma informação crucial para a viabilidade do projeto, as latitudes e longitudes de cada ocorrência (embora não todas). Esse projeto nasceu como uma experimentação e se tornou um especial quando nós percebemos que metade das ruas da capital tinham sido atingidas por algum roubo em 2 anos. Isso nos mostrou como esse tipo de crime se deslocou para a periferia, se “democratizando” e afetando milhões de paulistanos. Um crime que não vê classe social. Para nós o grande mérito da reportagem é mostrar que o fenômeno afeta a todos, em graus diferentes dependendo das dinâmicas ultra locais, como uma esquina mal iluminada ou um ponto de ônibus em local ermo.

Datavizbr: Quais as dificuldades que você teve para executar o projeto?

Cecília: As maiores dificuldades foram em relação à qualidade dos dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. A SSP possui muitos dados abertos em transparência ativa, em seu site, isso é muito positivo, pois não precisamos incomodar a assessoria de imprensa para ter acesso a eles. Entretanto, ainda não há uma API em que você possa fazer um filtro da base ou download em massa de grandes períodos e há uma falta de documentação e dicionário de dados. Isso dificulta o nosso trabalho quanto maior é o volume de informações com que lidamos. No caso específico, o volume foi bem grande, pois é o tipo de ocorrência mais numerosa. Além disso a metodologia que a SSP aplica para divulgação de estatísticas não é replicável aos dados da transparência e o órgão não é muito claro quanto à memória de cálculo que utiliza para divulgar seus números. Isso advém de um problema que não é da SSP e sim, da falta de um padrão nacional de estatísticas de segurança pública entre todos os estados e processos de registro. Fizemos outros projetos de visualização em transportes após esse, e muitas das dificuldades que tínhamos no projeto de roubos de celulares já foram superadas, inclusive na concepção metodológica. Quando atualizarmos o mapa dos roubos de celulares, ele certamente estará melhor e mais preciso.

Datavizbr: Me conta um pouco qual tua perspectiva em relação ao CityVis Award e a repercussão em saber do resultado.

Cecília: Fiquei sabendo da competição através de um amigo que me incentivou a inscrever o projeto. Não tínhamos a pretensão de sermos selecionados. Mas a equipe toda ficou muito feliz em saber que nossa visualização urbana pôde competir em pé de igualdade com o jornalismo de dados da Alemanha, como a Spiegel Online, que foi a vencedora da categoria. Para nós é um sinal de que estamos no caminho certo e que devemos fazer cada vez mais visualizações urbanas sobre o Brasil.

Datavizbr: Como você acha que estamos aqui no Brasil na área de visualização de dados / jornalismo de dados? O que falta? O que achas necessário a gente divulgar mais?

Cecília: Acho que o jornalismo de dados no Brasil é muito promissor e tem mostrado bons frutos. O último prêmio Esso foi vencido por uma reportagem de dados. As dificuldades que o jornalismo de dados no Brasil encontra são as mesmas dificuldades históricas, conjunturais e atuais impostas ao jornalismo aqui em geral: crise de credibilidade e crise de modelo de negócio. Mas há uma dificuldade própria do jornalismo de dados do Brasil: dificuldade de formação e qualificação do profissional. As faculdades, mesmo as melhores, estão décadas atrasadas nesse aspecto. Mesmo nascendo nesse turbulento ambiente, vejo iniciativas muito férteis nessa área. Mas esse jornalismo só vai ter grande impacto quando esse tipo de reportagem começar a ter forte respaldo do público, que hoje carece de confiabilidade com a instituição imprensa como um todo, devido a contextos conjunturais maiores. Também há uma falta de “educação midiática” que é o incentivo ao consumo crítico de informação e a uma postura não passiva diante da “dieta informacional” que recebemos. Quanto mais crítico for o cidadão, mas terreno terá o jornalismo de dados.

Datavizbr: Para finalizar gostaria que deixasse para o pessoal, duas inspirações / referências de projetos que achas que pode ser interessante para quem está começando se espelhar, além do seu projeto (obvimente!).

Cecília: Um projeto simples e bem executado que ajuda a entender a realidade brasileira é o comparador de rendas do Nexo Jornal. Para mim ele foi muito marcante.

O segundo projeto que eu destacaria é este do New York Times. O núcleo mais completo e qualificado de jornalistas de dados do mundo demorou 2 anos para publicar esta reportagem sobre os dados eleitorais da eleição de 2016 dos EUA. Isso mostra o tamanho do desafio para reportar histórias que antes não eram possíveis de serem reportadas, mas que, agora que são possíveis e os dados estão disponíveis, há um desafio de recurso humano de lidar com esse nível de detalhe e dar uma informação de amplitude nacional em nível ultra local.

Quem se interessa em fazer jornalismo de dados, o melhor caminho para se inspirar é ler muitas reportagens e seguir repórteres de dados, e começar a fazer por si próprio, seus próprios levantamentos (recomendo a base de dados eleitorais do TSE por exemplo) e comparar com as reportagens.

Cecília do Lago é repórter no @estadaodados.

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Rodrigo Medeiros
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Interaction Designer and Professor, PhD. Curator at @datavizbr. #ux #dataviz