Entrevista com Barbara Castro, diretora de criação do estúdio Ambos&&.

Rodrigo Medeiros
datavizbr
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10 min readOct 7, 2019

Essa semana tivemos a oportunidade de entrevistar Barbara Castro, diretora de criação do estúdio Ambos&&, que se dedica a concepção e execução de instalações interativas, exposições e visualização de dados. Primeiramente gostaríamos de agradecer à Barbara por ter aceitado a entrevista e por compartilhar conhecimento com a comunidade de visualização de dados no Brasil.

Antes de começar a entrevista, vou contar um pouco da trajetória da Barbara até chegar o ponto que vamos falar na entrevista que são as exposições focadas em visualização de dados.

Barbara Castro se formou em design, comunicação visual pela PUC-Rio em 2009 e atuou por dois anos como motion designer na TV Globo. Ao ingressar no mestrado em Artes Visuais, Poéticas Interdisciplinares, na EBA-UFRJ se torna integrante do Laboratório de Visualidade e Visualização, coordenado pela pesquisadora Doris Kosminsky, sua orientadora. Ainda no mestrado, firma co-orientação com Luiz Velho, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada, em que se torna bolsista e pesquisadora Trainee. No IMPA, começa a estudar programação criativa para desenvolver instalações interativas. Ainda durante o mestrado se torna colaboradora do NANO — Núcleo de Arte e Novos Organismos, responsável por desenvolver as visualizações de dados para os projetos de Guto Nóbrega e Malu Fragoso. Como integrante do Labvis, participa como designer de visualização de dados do projeto Energy Database para BID — Banco Interamericano de desenvolvimento. Em 2015, se torna co-fundadora do estúdio Ambos&& que se dedica a concepção e execução de instalações interativas, exposições e visualização de dados. Desde então realizou projetos para Museu do Amanhã, Centro Cultural Banco do Brasil, Museu Nacional, SESC entre outros.

Em 2018, Barbara Castro e Luiz Ludwig idealizam a exposição Existência Numérica com curadoria de Doris Kosminsky que apresenta a visualização de dados como linguagem artística para mais de 25 mil visitantes no Oi Futuro. Você pode acompanhar tudo o que rolou no canal do Youtube da Ambos&&. O livro Existência Numérica já está a venda na Amazon.

Abertura da Exposição Existência Numérica

Em 2019, Casa Firjan convida o estúdio Ambos&& para conceber a exposição Data Corpus junto com sua equipe. Barbara Castro, Karina Araújo e Maria Isabel Oschery realizam a co-curadoria com intuito de apresentar a dimensão humana dos dados em uma exposição didática inspirada no ciclo de tomada de decisão baseada em dados. A exposição se encerra dia 15 de outubro de 2019, ou seja, aproveitem os últimos dias.

Exposição Data Corpus

Agora entendo o que rolou até aqui, podemos começar nossa entrevista com a Bárbara:

As obras de visualização de dados começaram a ficar mais próximas e conhecidas no mundo da arte contemporânea quando obras como a History Flow (2003) e Wind Map (2012) da Fernanda Viegas, Flight Patterns (2005) do Aaron Koblin e Dear Data (2014) de Giorgia Lupi e Stefanie Posavec começaram a fazer parte do catálogo do The Museum of Modern Art (MoMA) em Nova Iorque. Dessa forma te pergunto, como a Ambos&& começou o processo de curadoria para exposições de arte interativa? Como foi o processo de inclusão das obras de visualizações de dados nessas exposições e quais foram as dificuldades nesse processo?

Quando fundamos a Ambos&& eu tinha acabado de ingressar no doutorado em Artes Visuais na UFRJ, na linha Poéticas Interdisciplinares, que é teórico-prática. Ingressar no campo da curadoria foi consequência de duas necessidades. Por um lado, eu e Luiz, na época, queríamos levar nossa pesquisa e olhar de criação para exposições e poder desenvolver instalações autorais. Nesse sentido, a primeira exposição autoral da Ambos&&, foi Vamos Comer na Galeria BNDES em 2017, que surgiu da necessidade de apresentar uma pesquisa e visão nossa sobre a Tropicália em quatro instalações interativas para relembrar a potência da produção tropicalista e abordar conceitos de arte computacional revisitando o que foi realizado na Tropicália em termos de Artes Visuais, Música, Design e Cinema. Não era uma exposição sobre dados, mas a interatividade e a computação se baseiam em sensores, interfaces e conexões com dados.

Rio Hackeado. Fonte: http://ambos.art.br/role-pelo-rio-hackeado/

Nos museus e centros culturais, vemos o aumento no interesse pela inclusão de experiências interativas e digitais como uma forma de atração de públicos diversos. Talvez o início de nosso esforço de levar dados para os museus tenha sido na instalação Meu Rio Hackeado no Museu do Amanhã em que deixávamos os dados de interação exibidos para todos que passavam por ali, como uma experiência coletiva pontual no museu.

O campo da arte computacional é vasto e possui toda uma terminologia especializada com diversos tipos de produção: arte eletrônica, arte telemática, bioarte, interfaces vestíveis, etc. No Brasil, temos uma grande comunidade de pesquisadores e artistas desse campo e percebi que nos congressos e encontros especializados ainda pouco se falava sobre visualização artística de dados. Mesmo em instituições com tradição em investir em exposições de arte e tecnologia, como Oi Futuro no Rio de Janeiro, e o Itaú Cultural em São Paulo, não encontramos projetos dedicados a visualização de dados. Por isso Luiz, Doris e eu optamos por propor a exposição Existência Numérica. Acredito que o maior desafio foi encontrar pessoas no Brasil que estejam realmente dedicadas a visualização de dados como expressão artística. É normal que os dados façam parte da concepção de muitas obras de arte computacional, mas poucos se debruçam sobre a visualização como linguagem.

Nesse caso, os curadores de visualização artística de dados precisam conhecer a fundo o portfolio de artistas e profissionais de perfis distintos até encontrar projetos e obras que contemplem a mensagem e temática da exposição. É necessário procurar em diferentes fontes de informação e círculos de atuação, entre os artistas, os designers, os jornalistas, os desenvolvedores, os cientistas da computação. Outra dificuldade é encontrar projetos que abordem a temática desejada com desenvolvimento estético ou interativo propícios ao ambiente de exposição, pois a grande maioria dos projetos são desenvolvidos em ambiente web e solicitam alguma adaptação.

Um dos detalhes mais interessantes do trabalho da Ambos&& é trazer o olhar mais artístico do trabalho em visualização de dados. Essa visão do trabalho autoral trazido pelos pesquisadores como o Pedro Miguel Cruz e Moritz Stefaner — pesquisadores com ligação com as áreas como design e computação — faz com que esse trabalho seja multidisciplinar por natureza. Como você tem percebido esse tipo de trabalho mais autoral na área de visualização de dados? Pergunto isso porque na maioria dos casos o designer, programador e/ou pesquisador são chamados para participar de projetos com escopo e resultados fechados, onde não há muita oportunidade de experimentação.

Essa é uma discussão valiosa para o campo da visualização de dados: a relação entre autoria, poética, informação e letramento visual para criação de projetos mais complexos e criativos. Pessoalmente, acho que ainda vejo uma dicotomia entre abordagens mais artísticas ou mais informativas. Acho que um recurso que o Pedro Miguel utiliza muito bem é a criação de metáforas visuais que tenho visto em algumas abordagens jornalísticas também. Imagino que seja um modo de introduzir o interesse em decodificar as representações em leitores que estão mais acostumados com gráficos mais tradicionais como gráficos de barra e de pizza. Em sala de aula, os alunos de design costumam indagar sobre a dificuldade do público em ler determinadas visualizações mais complexas que concatenam várias dimensões de informação.

Porém, acredito que a questão da autoria não está restrita ao campo da linguagem visual, mas também a própria coleta, curiosidade e necessidade de investigação de um tema a partir de um projeto de visualização de dados. Pedro Miguel é um exemplo de projetos autorais não só pelo emprego das metáforas visuais, mas pelo princípio do projeto, quando define um assunto que está interessado em pesquisar e vai atrás dos dados. Nesse aspecto, vejo projetos do data_labe, uma iniciativa de jornalismo de dados no complexo da Maré, com uma veia muito autoral também. Eles empregam e questionam os dados e toda a metodologia desde com muita propriedade. A relação que eles estabelecem com dados é uma prática de reflexão, exercício de cidadania e demanda popular através dos dados.

Instalação Disritmia, de Bárbara Castro.

Pessoalmente, alguns de meus projetos autorais incluem dados em uma dimensão poética. Os dados são empregados como matéria-prima sem compromisso com a informação ou necessidade de leitura visual. Nas instalações Disritmia e Preamar usei dados de batimento cardíaco para falar sobre afetos, conectividade, vitalidade.

A Exposição Existência Numérica já é um marco na história das exposições que incluem obras de visualização de dados no Brasil. Você poderia contar como início esse processo, quais obras foram selecionadas e qual o público vocês conseguiram atingir durante essa exibição de 3 meses no Oi Futuro do Flamengo no Rio de Janeiro? Conta também sobre a experiência de curadoria compartilhada como você teve com o Luiz Ludwig e com a Doris Kosminsky nessa exposição.

Eu e Luiz estávamos nos dedicando ao setor cultural criando exposições e instalações interativas desde 2014. Por outro lado, eu colaborava com a Doris no Labvis desde 2011. A idealização minha e do Luiz Ludwig, vinha com intenção de trazer os dados para o espaço expositivo para falar sobre arte e sociedade. Nós dois já tínhamos prática e interesse na área de visualização e convidamos a Doris Kosminsky, que orientava minha tese de doutorado, para realizar a curadoria conosco, pois sabíamos que seu olhar, ainda mais especializado que o nosso, teria muito a contribuir. Conceitualmente estávamos falando sobre a existência e queríamos que os dados representassem uma diversidade de níveis dessa existência. Queríamos dados no nível individual, como um pulso do coração ou um nome, ao coletivo, como dados de uma nação, de uma cidade. Também almejávamos uma absorção poética dos dados e uma diversidade de formas de obras: vídeos, obras generativas, obras interativas, dados em tempo real e também uma visualização física de dados. Porém, temos poucos artistas brasileiros dedicados a visualização de dados e há um grande desafio de se trazer e manter obras interativas do exterior. Nossa primeira escolha foi convidar o Pedro Miguel Cruz, pois sua obra tem a capacidade singular de representar dados de forma poética. Também convidamos o Till Nagel e Chritopher Pietsch para trazer o CityFlows e entramos em contato com a operadora de bicicletas Tembici para termos uma visualização do Rio de Janeiro. Um fator curioso, talvez pelo perfil dos três criadores, é que todos os artistas convidados são pesquisadores que estão na academia com uma produção muito ativa. Nós conhecíamos o trabalho da Alice Bodanzky que trazia uma materialidade e uma relação com dados e convidamos ela para criar uma obra nova para a exposição sem definir temática, apenas solicitando que fosse algo físico. Com essa seleção submetemos o Existência Numérica para Oi e fomos contemplados com o Patrocínio, para realização em 2018 no Oi Futuro. A exposição teve pouco mais de 25 mil visitantes em dois meses.

A Ambos&& também organizou outros trabalhos como o Rolé pelo Rio Hackeado, a Caixa climática e o Em3. Você se considera uma artista/pesquisadora em transição para trabalhar apenas com visualização de dados ou se considera uma artista/pesquisadora que também utiliza a visualização de dados como uma plataforma para se expressar? E nesse processo, como entra a programação nos seus trabalhos: você tem alguma parceria para criar as programações, em alguns casos você mesmo programa?

Enquanto designer e artista, me encontrei programadora durante meu mestrado e doutorado. Entrei fundo na programação criativa e a grande maioria dos trabalhos da Ambos&& foram programados por mim. Nesse sentido, acredito que o código é uma ferramenta de expressão e acho particularmente difícil entregar essa etapa a outra pessoa quando o projeto é de cunho artístico, pois parte da criação é absorver o processo de programação. De modo geral eu tenho uma intenção anterior a programação, mas hoje em dia já faz parte da forma como eu penso. Quando concebo ideias já estou também concebendo código e quando programo, estou amadurecendo as ideias iniciais. Código e linguagem visual andam juntos. A programação é uma etapa experimental também, tanto quando se trata de conceber a experiência e o processo de interação, mas também na definição da visualidade. No campo da arte, é preciso que tudo tenha maior abertura para expressão da máquina e do visitante. Para projetos de visualização mais próximos do campo de design de informação acho mais fácil compartilhar ou colaborar com programadores(as), pois os códigos visuais e a interação precisam ser mais delimitados e preditivos e nesse sentido acho mais fácil enviar alguns esboços e layouts e ir refinando junto com quem está desenvolvendo a programação.

Você teria alguma dica para quem está começando na área de visualização de dados, além de correr para curtir os vídeos e imagens das exposições da Ambos&& nas redes sociais?

Se você se interessa pela parte teórica e pelo processo de criação, nós lançamos o livro Existência Numérica que é bilingue. O livro é um catálogo com fotos e entrevistas sobre a exposição e que inclui uma seleção de textos de pesquisadores, designers e artistas em três tópicos: Visualização para textos mais introdutórios, Questionamentos para textos mais provocadores e Existência para textos que refletem o impacto dos dados em nossas vidas. Temos autores muito importantes da área que contribuíram com esse texto como Lev Manovich, Ben Fry, Sara Diamond, Johanna Drucker entre outros.

Outra dica é o livro Observe, Collect and Draw da Giorgia Lupi e da Stefanie Posavec é maravilhoso para compreender a visualização de dados em uma perspectiva menos tecnológica e mais pessoal e começar a realizar visualização com papel e lápis. Em nosso livro do Existência Numérica temos um texto da Lupi sobre a visão que descreveu como Humanismo de Dados a partir da experiência que elas tiveram com o projeto Dear Data.

Para quem quer começar a programar e vem do campo criativo, temos uma abundância de materiais online e excelente documentação de várias linguagens de programação que é maravilhoso, mas pode ser confuso. Muitos apontam o Processing como uma linguagem para iniciar no campo da programação criativa. É uma linguagem realizada para artistas e designers, muito intuitiva. Porém, para o campo da visualização acredito que apresenta algumas restrições na forma de lidar com textos e interfaces. Nesse caso, acho que o Javascript é uma linguagem boa para iniciar pois tem excelente documentação e muitas bibliotecas mais simples e mais avançadas.

Meu processo de aprendizagem de programação foi baseado nas demandas criativas das minhas ideias e acredito que a gente absorve melhor quando temos objetivos. Só cuidado para pensar projetos simples. Programar é também saber fragmentar o processo de criação em doses pequenas e constantes.

A equipe do datavizbr agradece mais uma vez a participação da Barbara nessa entrevista. Acompanhem nosso twitter para saberem de novos conteúdos.

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Rodrigo Medeiros
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Interaction Designer and Professor, PhD. Curator at @datavizbr. #ux #dataviz