Entrevista com Carol Seixas sobre o projeto borDADOS

Rodrigo Medeiros
datavizbr
Published in
10 min readMar 31, 2022

Um pouco antes de começar a pandemia enviei umas perguntas para Carol para ela contar um pouco da experiência dela na Especialização utilizando visualização de dados e bordado. E aí veio a pandemia e vocês já sabem… agora chegou hora de contar um pouco sobre isso :)

Carol Seixas é Designer de Produto/Product Designer na iFood. Paulistana criada no interior de São Paulo, formada em Arquitetura e Urbanismo e pós-graduada em Design Gráfico, iniciou sua trajetória como designer de produto em 2018. Carol toca alguns projetos paralelos de artesanatos, sempre experimentando novos formatos e metodologias, além de ser líder local do IXDA Campinas e host do podcast Papo Sobremesa do iFood, onde trabalha atualmente.

Rodrigo: Primeiro, você está no grupo de tantas pessoas que fizeram a transição de carreira para UX nos últimos anos. Portanto, eu gostaria que você contasse um pouco sua trajetória profissional e acadêmica e como você foi parar na Pós-graduação em Design Gráfico da Unicamp. Se possível, inclui também onde entra visualização de dados nessa transição.

Carol: Minha trajetória de vida inclui 5 mudanças de carreiras muito diferentes entre si. Me formei em Arquitetura e Urbanismo pela PUCCamp mas nunca me vi projetando algo além de móveis pra minha própria casa. Quando saí da faculdade, também estava recém-formada em produção artesanal de jóias e queria trabalhar como ourives. Cheguei a trabalhar no comercial de uma grande empresa brasileira do ramo mas não havia conexão entre as lojas e o ateliê, então dentro do meu privilégio, pude sair dessa empresa e voltar a trabalhar com meus pais enquanto procurava um emprego. Nesse tempo também dei aulas de inglês e alemão em escolas de idiomas da minha cidade até conseguir um emprego em comércio exterior numa empresa alemã da indústria naval. Fiquei nessa empresa por 5 anos, sempre tentando sair para um emprego em que eu pudesse usar mais minha criatividade.

Na Páscoa de 2016, um colega visitou minha casa e me contou que estava trabalhando como UX Designer em uma startup. Quando ele abriu o Sketch e me mostrou o que fazia, eu simplesmente enlouqueci — eu me via fazendo aquilo. Senti que tinha encontrado algo que fazia sentido para mim.

A partir disso, comecei a procurar cursos e eventos de design que pudessem me ajudar a saber mais. A Campus Party foi o primeiro lugar que pude de fato saber mais sobre a área e foi onde conheci você, né Rodrigo? Que — muito educadamente — me colocou em contato com o Daniel Furtado que se tornou um grande amigo, mentor e agora, vizinho. Também tive a chance de conhecer o mundo de visualização de dados através do projeto “Dear Data”, citado em uma das palestras que assisti. Isso foi um presente desse evento pois eu sempre achei fascinante esse tipo de trabalho mas não sabia como procurar mais sobre.

Nessa altura, eu ainda estava nesse emprego na indústria, mas tinha conseguido ser transferida para o departamento de marketing onde poderia trabalhar mais próximo a design, pois produzia desde um post no Linkedin, catálogos, sites, até cenário dos estandes nas feiras. Eu imaginava que pra conseguir entrar na área de UX design eu precisava entender mais de design. Foi assim que encontrei a pós-graduação em Design Gráfico pela Unicamp em 2018.

Saí do emprego da indústria nesse mesmo ano e procurei emprego por 4 meses até conseguir em uma empresa pequena de Campinas de SaaS. Comecei como designer gráfica atendendo o departamento de marketing até que surgiu a oportunidade de uma vaga na área de UX que estava nascendo naquele momento. Com pouco tempo de casa, uma pessoa que conheci nos eventos de design me indicou pra uma vaga no iFood (que era uma das minhas metas de carreira) e eu iniciei o processo de entrevistas. Em março de 2019 consegui entrar no iFood e estou aqui até hoje como designer de produto em uma unidade de negócio voltada para empresas.

Carol exibindo o quadro de tempo de uso das redes sociais após a banca.

Rodrigo: Você poderia explicar um pouco o que é o projeto borDADOS?

Carol: Nessa pós-graduação, aprendemos um apanhado de coisas que compõe o mundo de design gráfico. Como eu já estava trabalhando com design de produto no iFood quando chegou o momento de escolher o tema do trabalho final, decidi primeiramente que iria fazer algo que não exigisse tanto do computador para que eu pudesse explorar algo mais manual. Como sou muito ligada a bordados e tapeçarias, poder fazer algo com isso seria muito desafiador mas também de uma enorme recompensa pessoal.

Aproveitando que uma das matérias que tivemos foi infografia, sabia que poderia tentar algo na área de visualização de dados — que nessa altura já tinha uma presença na minha vida através da minha curiosidade de acompanhar projetos e trabalhos de outras pessoas.

Foi ai que nasceu a ideia de apresentar observações do cotidiano representadas por visualizações de dados com técnicas e proposições artísticas.

O raciocínio por trás do projeto foi o fato de que me intriga como lidamos com a cultura de dados enquanto sociedade. Sendo assim, fiz um levantamento de informações sobre o meu cotidiano e o de colegas do meu trabalho, considerando três temas: deslocamento para o trabalho, uso de redes sociais e migração para a cidade de Campinas/SP. Minha ideia foi representar esses dados em gráficos para uma visualização do que temos em comum enquanto grupo de pessoas que trabalham na mesma empresa.

Considerando que hoje vivemos a realidade do Big Data, entendo que minhas interações online serão utilizadas a favor do capitalismo moderno e que eu tenho valor a partir do dado que gero. Portanto, procurei fazer uma leve provocação acerca desta situação, propondo que meus dados tenham, também, valor emocional. Para isso, fiz uso de técnicas manuais para reproduzir visualmente, e de forma gradual, informações pessoais e de meus colegas que podem ser rapidamente reproduzidas por computadores de forma mecânica e serem descartadas com muita facilidade, pois além do tempo de duração delas ser diário, o processamento de dados acontece de maneira muito mais dinâmica.

A minha idéia de captar informações pessoais e trabalhar com os temas citados anteriormente teve como objetivo, dentro de uma abordagem humanizada, trazer o indivíduo como centro de seus dados. Contudo, abordei o projeto com a crítica da condição atual da sociedade, que tem se mostrado acelerada, tecnológica e superficial e proponho uma desaceleração, prática esta que nos ajudará a entrar em contato com a vida e o outro, e permitir que nós tenhamos mais momentos de convívio.

“Não deveríamos esperar que aplicativos nos contem algo novo sobre nós mesmos.” Dear Data

Pra mim, a felicidade de evolução desse projeto é um resgate de tempos em que nos permitimos ficar desconectados e produzir algo manual, sem nos preocuparmos com prazos, entregas e metas. Com isso, espero ver pessoas tendo mais contato consigo mesmas e com o outro, não esperando mais que algo tecnológico conte coisas novas sobre elas mesmas. Minha intenção quanto à percepção do que apresento é que a leitura de como o objeto será percebido cabe a cada um que entrar em contato com esses objetos e quiser relacioná-los.

Rodrigo: Como foi o passo a passo metodológico do projeto? Você pode contar um pouco do “mãos as linhas” mesmo e porque a escolha do bordado para representar os dados?

Carol: Bordar, em específico, faz parte da minha vida desde pequena pois venho de uma família de bordadeiras. Aprendi pequena a fazer ponto-cruz com minha mãe, uma tremenda artista nessa área, e muitos anos depois me encontrei nesse universo através do bordado livre, técnica em que não há a rigorosidade de bordar um mesmo ponto e um mesmo formato como o ponto-cruz tem.

Carol bordando em um final de semana no Parque Taquaral.

Hoje mexo com tapeçaria e quero começar com cerâmica nos próximos meses, mas a escolha do bordado foi certeira uma vez que este trabalho propõe uma forma diferenciada de visualização de dados, que foge aos meios digitais hoje típicos desta área. Parti para um processo de criação artística, cuja base metodológica é experimental. A experimentação me permitiu adaptar minhas produções quando se fez necessário, sem que eventuais desvios fossem inesperados, muito pelo contrário, eles são bem vindos ao projeto.

Processo de pintura do algodão cru com o mapa do Brasil.

Iniciei este trabalho com algumas imagens em mente, como um gráfico de percursos das pessoas entre seus lares e seus locais de trabalho. Os outros temas foram surgindo com o tempo. Minhas ideias iniciais não são o que entreguei na monografia, pois no percurso do projeto me peguei descobrindo coisas novas, experimentando e produzindo de novas maneiras, pois não haviam regras, nem ordens. Não se trata de alguma ordem padronizada como exerço no trabalho, em que penso, projeto, prototipo e testo — e os erros são rapidamente corrigidos. Aqui o erro pode fazer parte do todo, muitas vezes sendo incorporado ao projeto, representando um caminho de valor, diferente do previsto.

Os 3 quadros levados a banca.

Fiz uso também de método científico, com as etapas de levantamento de hipóteses, coleta de dados e avaliação dos dados coletados para validar essas hipóteses. Acredito que essa abordagem complemente o método experimental para que possamos discutir sobre o tema, provocar um pensamento acerca do que foi levantado, mas sem a pressão de responder algo, como é no mundo de ciência de dados. Para a pesquisa com meus colegas, fiz através do Google Forms com bastante respostas escritas pois os gráficos gerados automaticamente não me interessavam para esse projeto. Em seguida, me preocupei em avaliar quais dados iria utilizar e como. Descartei as respostas que não ajudavam e parti para a produção dos gráficos. Nesse tempo, fiz um curso de aquarela em tecido, pois sabia pouco dessa técnica e entendi o preparo necessário com a ajuda da professora. Há um descanso entre pintar e bordar, e não tem como apressar o procedimento, senão as linhas do bordado se mancham com a tinta da aquarela. Isso é bonito demais e estava totalmente alinhado a proposta dos dados mais lentos que estava trabalhando. Para a base dos projetos, fiz os esboços e as artes no programa Adobe Illustrator, até para pensar na melhor maneira de dispor as informações. Quando fiquei satisfeita, imprimi no tamanho que gostaria de fazer e passei para o tecido com um lápis comum, pois sabia que a aquarela tem tendência a correr para os cantos onde a água acaba, e sabia que daria a sensação de uma borda com o lápis embaixo das cores. Para a aquarela, utilizei tintas de aquarela para tecido diluídas com água (cada uma conforme sua necessidade para chegar ao tom que queria) e pintei com pincéis de cerdas macias, sem muita especificidade. E para os bordados, utilizei linhas próprias de bordados com 2 tipos de pontos diferentes: para os caminhos e redes sociais usei o ponto atrás e para o de migração, utilizei o ponto nó francês, além de um bastidor para manter o bordado esticado.

Os quadros de tempo de uso das redes sociais e da migração dos colegas.

Rodrigo: Percebo no seu trabalho uma influência do jeito de fazer visualização de dados e design da informação da Giorgia Lupi e do projeto Dear Data. Você chegou a se aprofundar na temática do data humanism no projeto?

Carol: Sim, com certeza. O trabalho delas foi a grande base para o que propus, não tenho como negar que eu gostaria de ter feito o Dear Data, de tão genial que acho que é.

Acredito que vivemos em uma bolha social, onde dados são trabalhados de maneira bastante elitizada, distanciando o ser humano comum — que não ironicamente — é quem fornece os dados usados.

Os contrapontos aos problemas da aceleração e elitização da informação parecem convergir com a ansiedade e frustração que venho sentindo em relação aos tempos atuais e sua falta de contato humano. Não sou uma pessoa que vai contra a modernidade e evolução natural das tecnologias, mas sinto que estamos perdendo o contato com diversas coisas e pessoas do nosso cotidiano, pois criamos maneiras de evitar o outro e o auto-cuidado.

“Com toda a tecnologia, acredito que deveríamos estar usando-a e não o contrário.” Yuval Noah Harari, programa Roda Viva da TV Cultura, 11 de Novembro de 2019

Hoje, ao me deparar com o tempo de uso do celular, encaro a dura realidade de que estou, e que estamos como sociedade, perdendo nossas vidas em frente a telas pequenas com informações inúteis, e úteis, que nos distraem dos acontecimentos cotidianos para além dos celulares e computadores.

Ao preparar a monografia, li alguns textos de Byung-Chul Han (2019) em que ele cita o filósofo alemão Friedrich Nietzsche para criticar a hiperatenção e a hiperatividade de maneira que acredito ser a mensagem que quero passar.

Em “Humano, demasiado humano”, livro de 1878, Nietzsche argumenta que a vida humana acaba quando elementos contemplativos são expulsos dela. Como alternativa à vida hiperativa, Han oferece a ideia de uma “vida contemplativa”, na qual os indivíduos sabem dizer “não” ao excesso de estímulos. Para o autor, essa capacidade de negação é mais ativa do que qualquer forma de hiperatividade contemporânea.

Portanto, minha escolha de usar práticas manuais e artesanais para reproduzir esses dados captados acontece de maneira que acompanhe a proposta de uma vida contemplativa, pois bordados e aquarelas são trabalhos que exigem uma atenção especial e bastante introspectiva.

Carol ouvindo a banca após sua apresentação.

Rodrigo: Você tem algum material que gostaria de compartilhar ou alguma dica para quem está trilhando esse caminho do design e da visualização de dados?

Carol: Acho que material o próprio dataviz tem bastante coisa interessante. Os trabalhos da Giorgia Lupi e Stefanie Posavec para além do Dear Data também são grandes paixões minhas.

Se você tem algum interesse em fazer algo com visualização de dados humanizada, minha dica aqui é entender o que você quer passar com o projeto. Entendendo isso, a experimentação vai ser sua maior aliada para chegar de fato a um lugar onde consiga escalar os dados e de fato ter uma visualização concreta deles.

--

--

Rodrigo Medeiros
datavizbr

Interaction Designer and Professor, PhD. Curator at @datavizbr. #ux #dataviz