Visualizando os dados do COVID-19 humanamente

Como as designers Giorgia Lupi e Mona Chalabi utilizam a imperfeição e o analógico em seus infográficos

Eliza Fagundes
datavizbr
6 min readMay 8, 2020

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Uma ilustração que eu fiz inspirada em imagens de microscópio e ilustrações do National Health Institute, Centers for Disease Control and Prevention (CDC), e o Food and Drug Administration (FDA).

O que sentimos quando pensamos no COVID-19? Muitas das imagens que vemos do vírus não são imagens precisas, mas representações ilustrativas ou visualizações de informações colhidas de fontes que utilizam métodos distintos. Se o vírus é representado com pontinhos, com uma coroa, em bando ou sozinho, vermelho ou azul — o impacto sobre nós acaba sendo diferente. Da mesma forma, se um país relata dados de doentes e mortos em gráficos, e esses são muito distantes da realidade do dia-a-dia, como isso afeta nossas ações?

Um webinar sobre a visualização de dados relacionados ao COVID-19

As visualizações de dados tem tido um papel muito relevante no nosso entendimento da pandemia. Com isso em mente, o webinar feito pela Carolina Leslie explorou as principais visualizações de dados e falou um pouco sobre elas nesse contexto. Três elementos me marcaram no que ela disse:

A visualização de dados é utilizada na saúde pública há mais de 150 anos. As visualizações da época de John Snow e a cólera e Florence Nightingale na guerra da Crimeia — ambos no século 19 — são exemplos que a visualização de dados no campo da saúde pública não é algo novo.

O design tem um papel crucial no jornalismo e pode diretamente afetar se uma população compreende medidas públicas ou não. A primeira vez que a curva do achatamento apareceu foi em 2007 em um paper do CDC (Center for Disease Control and Prevention). Em fevereiro de 2020, ela foi utilizada pelo The Economist para demonstrar o efeito da utilização do isolamento social. Foi quando Drew Harris, um analista de saúde nos EUA, desenhou uma linha no meio desse gráfico que ficou realmente claro porque fazer o isolamento — manter o sistema de saúde funcionando. Antes dele adicionar essa linha, o infográfico não era tão claro.

Imagem divulgada por Drew Harris no Twitter demonstrando a importância do isolamento.

A utilização de cores em infográficos pode causar diferentes emoções e alterar nossas percepções. No caso do COVID-19, Carolina argumentou que existe uma "tendência de uso de cores quentes, passando um senso de urgência e perigo associado aos números." Isso me lembrou o conceito de design emocional e como cores e formas afetam no nosso entendimento. Com isso, na hora do design de um infográfico, é crucial nos questionarmos o que estamos comunicando e também ter o senso crítico para analisar o trabalho dos outros.

Segue abaixo um post feito pela Carolina aqui no Medium com mais detalhes com os slides que ela utilizou!

Isso tudo me fez pensar: por que a imagem do achatamento da curva viralizou e o que ela causa nas pessoas? Se o objetivo é sensibilizá-las e levá-las ao isolamento social (é minha interpretação do objetivo desse gráfico), como podemos utilizar outros recursos visuais para alcançar esse objetivo? E nesse processo, como podemos nos certificar que estamos mostrando dados de forma humana e contextualizada?

Decidi, então, escrever sobre duas mulheres que admiro na área de visualização de dados e como elas tem representado a pandemia.

Mona Chalabi fez mais de vinte ilustrações com dados sobre o COVID-19 desde o começo da pandemia. O aspecto mais impactante do trabalho dela é que seus desenhos à mão nos lembram que por trás de todas as estatísticas e estudos — estão humanos e diversos defeitos. E como humanos, nós influenciamos os resultados encontrados com vieses e metodologias falhas, por mais tecnológicas que elas sejam. Em uma entrevista com a AI Empire, ela disse:

Acho que muitas pessoas sonham com a ideia de produzir um trabalho perfeitamente objetivo e pensam que isso torna o trabalho mais puro. Esse não é o caso. Os números tem um peso emocional por trás.

Apesar de falarmos muito de dados da economia, de eleições e empresas, existem muitas histórias por trás deles. A visualização abaixo é sobre quanto tempo o vírus consegue sobreviver em diferentes superfícies.

Imagem retirada diretamente do Instagram de Mona Chalabi.

Outro aspecto interessante do trabalho dela é que além dos recursos visuais, ela também utiliza o tempo como ferramenta ao dizer que quando terminamos de ler o infográfico (30 segundos), um desinfetante a base de álcool desativa o vírus em qualquer superfície. Ou seja, ela poderia só ter dito que leva 30 segundos para desativar o vírus, mas ao conectar com o tempo de leitura do leitor do infográfico, a informação fica muito mais tangível e memorável.

Esse outro infográfico abaixo demonstra como a pandemia se manifestou em 182,446 ligações de telefone em Nova York — houve uma diminuição de ligações sobre roedores de 37% e um aumento de 23% em reclamações sobre barulho em residências. Essas são ligações para o número 311 que é utilizado para buscar informações sobre serviços e relatar problemas.

Imagem retirada diretamente do Instagram de Mona Chalabi.

Esse infográfico também demonstra como podemos utilizar diversos tipos de dados para mostrar o que e como o mundo tem mudado com a pandemia. Dados relacionados ao número de mortos e infectados não são muito confiáveis e quando procuramos outros tipos de informações, começamos a construir a imagem de um quebra-cabeças muito mais confiável do momento que vivemos.

Giorgia Lupi é uma designer de informação que fundou uma empresa chamada Accurat em 2011 que combina design e dados para criar visualizações, interfaces e ferramentas de dados. Em 2016, ela publicou um artigo na Print Mag introduzindo o conceito de Data Humanism ou Humanismo de Dados. No artigo, Giorgia argumenta:

Dados representam a vida real. Eles são um retrato da mesma forma que uma foto captura um momento no tempo. Números ficam sempre no lugar de outras coisas, um jeito de capturar um ponto de vista — mas às vezes isso se perde de vista.

O ponto principal do Humanismo de Dados é encontrar maneiras mais humanas de contar as histórias por trás dos dados — as imperfeições e as pessoas que se encontram ali. A imagem abaixo foi feita por Giorgia Lupi e mostra como podemos mudar muito do paradigma atual sobre dados para algo menor, mais qualitativo e subjetivo.

Esse infográfico foi publicado originalmente na revista Print Mag. https://www.printmag.com/information-design/data-humanism-future-of-data-visualization/

Durante a epidemia, Andrew Cuomo, o governador de Nova York, tem feito briefings diários com informações da doença — número de hospitalizações, mortes e velocidade de propagação. Com isso, Lupi, que agora trabalha na agência de design Pentagram, decidiu experimentar com novas formas de representar os dados utilizados por Cuomo.

Na imagem acima, ao invés de representar o número de mortes com um gráfico de barras, os círculos "imperfeitos" representam as vidas perdidas. Ver essa história dessa forma nos faz refletir mais do que mais um gráfico de barras no mar de informações que temos visto sobre a pandemia.

Eu acredito que a humanização dos dados é algo necessário. O gráfico de Harris foi um sucesso porque ele focou claramente em comunicar que a importância de achatar a curva é evitar sobrecarregar o sistema de saúde e, assim, evitar mortes. Sem a linha, tínhamos dificuldades em entender o gráfico — mesmo tendo-o visto várias vezes. Da mesma forma, Lupi e Chalabi são exemplos de como podemos tornar a visualização de dados algo mais criativo e que leva em consideração o contexto em que estamos inseridos e as vidas tocadas. Essa contextualização nos ajuda a não banalizar os gráficos e números e lembrar que existem pessoas por trás de tudo isso.

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