O que aprendi no Malofiej 27
Depois de semanas, já em clima tropical e tendo dormido o suficiente, começo a processar essa experiência incrível
Mas antes: quero agradecer imensamente a Javier Errea, Alvaro Gil e Alberto Molina, os organizadores do evento. Também meus agradecimentos aos alunos que se voluntariaram para fazer o evento acontecer, todos maravilhosos e impressionantes: cada um falava três línguas e nos ajudava com as traduções dos trabalhos de diferentes países. Por fim, quero agradecer a cada pessoa do júri. Vocês fizeram essa edição do Malofiej ser o que foi.
Para quem não sabe: Malofiej é o maior prêmio de infografia do mundo. Ele acontece todos os anos na Universidade de Navarra, em Pamplona, Espanha. Eu fui convidada para ser parte do júri, junto com outros 13 profissionais talentosíssimos, e dar uma palestra com o tema de minha escolha. Escolhi fazer parte do júri impresso e escolhi falar do meu último projeto, o Na Busca do Candidato. Trata-se de uma análise do interesse de busca das eleições brasileiras de 2018, que me enche de orgulho. O Malofiej é uma semana intensa para o júri: durante quatro dias, antes da abertura do evento, deliberamos sobre os trabalhos e definimos as medalhas. Depois, temos dois dias de palestras. Sandra Rendgen, co-autora do livro mais maravilhoso sobre infográficos, fez um balanço das palestras do primeiro e do segundo dia.
Mas vamos cortar para o que interessa: a melhor parte da experiência foi conhecer pessoas que se dedicam a contar histórias de várias maneiras, mas nunca só com textos.
Para julgar os mais de 400 trabalhos impressos e 600 digitais, passamos quatro dias de convívio intenso. O júri do digital, com um número recorde de trabalhos inscritos, trabalhava até tarde da noite. Almoçávamos, jantávamos e bebíamos juntos. Compartilhamos nossas experiências profissionais, nossos desafios e, principalmente, pontos de vista.
Durante o julgamento de medalhas para os trabalhos impressos, debatíamos se o trabalho merecia bronze, prata ou ouro. E me surpreendeu como todos estavam abertos às diferentes opiniões, ouvindo e ponderando cada argumento. Era quando o maior aprendizado acontecia.
Simplesmente porque éramos pessoas diferentes. Passados diferentes, experiências diferentes, países diferentes. E percebíamos e respeitávamos uns aos outros.
Juntos julgamos trabalhos chineses, sul coreanos, turcos, alemães, italianos, brasileiros, de toda a América Latina e de outros tantos países.
Mas ainda uma consideração: de quatorze, quatro mulheres, três latinos. Todos do júri vindos de apenas dois continentes. Um painel mais diverso gera discussões mais diversas e, por consequência, premiações a veículos diversos. E isso não é algo fácil: a busca tem que ser constante. A cada ano, novas pessoas são indicadas para fazer parte do júri e também cabe a nós a mudança. Eu me comprometo a indicar as mulheres latinas talentosas e maravilhosas que conheço para o júri das próximas edições.
Agora, sobre as medalhas. Acho que conseguimos dividir muito bem as medalhas de bronze. Foram 92 ao todo, print e digital, para veículos de países como Guatemala, Equador, Alemanha, França e Coreia do Sul. Uma dica: publicações menores têm mais chance de medalha na categoria local e hardnews, quando o assunto é pertinente a seus leitores ou é "cobertura quente", gráficos produzidos até uma semana depois de algum evento marcante.
Mas as de ouro ficaram com os grandes players: New York Times, Reuters e National Geographic. Merecidas medalhas para trabalhos indiscutivelmente incríveis.
Quando julgamos os trabalhos, cada membro do júri tem seu critério. Para mim, trabalhos incríveis são aqueles que são fáceis de ler e de entender, que estão bem organizados, com gráficos de conteúdo e tamanhos corretos e que tratam de assuntos relevantes ao leitor. Trabalhos incríveis não deixam dúvidas sobre a mensagem que querem transmitir. É por isso que o trabalho abaixo, da National Geographic, sobre a desnutrição infantil, levou os prêmios Best of Show e Human Rights Best Graphic no impresso:
Alberto Cairo diz aqui como esse gráfico mudou sua percepção sobre visualização de dados que geram empatia.
No digital, o Best of Show foi sobre a poluição em Nova Deli, de Reuters, que também levou o Climate Change and Environmental Commitment Best Graphic:
Em apenas uma imagem, não resta dúvidas sobre o que se trata esse gráfico. É direto, é claro, é simples. É eficiente.
De toda essa experiência incrível, preciso dividir uma fragilidade. Acho importante dizer. No momento em que recebi o convite para fazer parte do júri, o primeiro pensamento que cruzou minha cabeça foi “ah! Entrei na cota mulher do terceiro mundo”.
Sim, era a síndrome do impostor. Meu pensamento foi tão automático, tão rápido, que a racionalização só veio depois.
Desde sempre tenho dificuldade com autoconfiança. E, como mulher trabalhando em redação, um ambiente dominado por homens, sempre me foi normal trabalhar duas vezes mais e esperar nenhum reconhecimento.
Conversando com Shirley, uma das juradas e programadora brilhante, ela me disse que, em uma palestra entre programadores, em que ela fez uma apresentação ótima, um homem a procurou depois e disse “ah, você conversa como um ser humano! Na sua apresentação você estava robótica”. Ou seja: até quando uma mulher faz um trabalho excelente, ela não é mulher competente e talentosa e, sim, um robô.
Todas as pessoas com quem conversei durante o evento ajudaram a dissolver a insegurança. Me senti ouvida e respeitada. Senti verdade nas frases “vai dar tudo certo”, “se você está aqui é porque tem talento”. Me senti parte do todo. Dei minha palestra. E foi ótimo!
Conheci pessoas maravilhosas e voltei pra casa acreditando que agora estamos conectados pra vida. Parte da importância do Malofiej é dar voz aos profissionais e visibilidade aos seus trabalhos. Mas também é aproximar pessoas, é trocar conhecimento, é criar pontes. É retomar o fôlego… e voltar ao trabalho.
