Não encosta a mão em mim!

Thiago Willian
Dava pra Perceber
Published in
6 min readNov 21, 2019

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A aplicação da Lei Maria da Penha antes e depois da denúncia

Todos os dias, mulheres estampam as capas de jornais e portais de notícias na internet, não por um motivo bom, mas sim, e infelizmente, elas ficam no setor policial, onde são noticiados os crimes violentos no Brasil. Geralmente a história não termina com final feliz e isso nos faz refletir e questionar a eficácia da Lei Maria da Penha. Será que o problema está mesmo na aplicação da lei ou não queremos culpar a cultura machista que domina o nosso país?

Para respondermos essa questão, é preciso voltar no tempo. O machismo predomina no Brasil há muitos anos, antes mesmo de você leitor ter nascido. Um exemplo disso é o velho e conhecido dito popular: “Por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher.”. Aqui podemos o observar o papel secundário da representatividade feminina, sempre ofuscada pelo papel do homem. Frase que continua a ser reproduzida até os dias atuais.

Por influência dessa cultura machista, muitas mulheres no Brasil, decidem se calar, não denunciando os crimes. Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no país, segundo dados divulgados pelo Instituto Maria da Penha.

A violência doméstica deixa marcas profundas não só nas vítimas, mas também, nas pessoas que presenciaram o ato. No vídeo abaixo, você vai passar pela experiência de assistir uma agressão. As imagens impressionam pela brutalidade e frieza do agressor espancando a ex-mulher na frente do próprio filho que grita em desespero, sem poder fazer nada. Veja o vídeo.

Imagens Programa 190

Os motivos? Não existem motivos que justifiquem essa agressão. O vídeo é real e foi gravado em janeiro de 2019 e mostra a realidade vivenciada por uma mulher de 30 anos em Ponta Grossa, no Paraná. Hoje, o agressor encontra-se preso, e aos poucos, cenas como essas, vão ficando apenas no passado, graças a denúncia registrada pela vítima.

Lei Maria da Penha vs Machismo

Quebrar a barreira do machismo é uma tarefa difícil. A Lei Maria da Penha está em vigor no país desde 2006 e têm auxiliado nessa tarefa. Uma mulher de 26 anos, que optou por não se identificar, foi vítima de agressão enquanto ainda estava grávida. No começo do relacionamento tudo foi mil maravilhas, depois o amor foi morrendo aos poucos. “Antes de se tornar agressão física, tinha agressão verbal, mas eu era tão cega por ele que não conseguia enxergar. Cresci sem pai e sentia necessidade de ter uma imagem masculina, e por isso aceitava aquela condição, por que achava que ia passar, não passou e só piorou”, disse a vítima.

A violência doméstica acontece em um ciclo vicioso, mas que é possível se libertar. Na primeira fase inicia o aumento da tensão. É neste momento que o agressor humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. “A primeira agressão física foi com um ano de namoro, na maioria das vezes, ele me humilhava por questões financeiras e ciúmes. Já na segunda vez, eu estava grávida de seis meses”, acrescentou a vítima.

A segunda etapa do ciclo de violência doméstica é marcada pela agressão física, verbal, psicológica, moral ou patrimonial. Esta fase corresponde à explosão do agressor e também é neste período que a vítima toma as primeiras atitudes, como a denunciar por exemplo. Geralmente, há um distanciamento do agressor, mas essa folga pode confundir as vítimas. “Nas primeiras vezes o que me impedia de acabar com tudo era a falta de amor próprio, eu me sentia culpada e ele me fazia acreditar que realmente era culpa minha que acontecia as agressões. Depois eu tive o bebê e achava que ele mudaria, continuava também por achar que não tinha condições financeiras e nem estrutura para criar um filho sozinha”, contou a vítima.

O último ciclo da violência é onde o agressor demonstra arrependimento e promete mudanças que jamais irão acontecer. Para sair desse labirinto, a denúncia e o afastamento definitivo são essenciais. No áudio abaixo você vai escutar mulheres ligando para o 180 e denunciando as agressões. As ligações apesar de agoniantes marcam o fim de um ciclo e o começo da nova vida.

Mãe aos 26 anos e com uma criança pequena para cuidar, a vida da nossa personagem que optou por não se identificar, já não poderia mais ser a mesma. Com esse pensamento ela também decide ligar para o 180 e acabar com as agressões. “Na hora que chamei a polícia não me senti bem, eram dois policiais homens e até me intimidaram, a equipe totalmente despreparada e ainda machista. A mulher se sente totalmente desprotegida e com razão, assim sendo nem procura ajuda pois sabe que ao invés de apoio vai encontrar represaria. Na delegacia me senti mais à vontade pois era uma mulher quem me atendeu”, relatou a vítima.

Segundo a Lei Maria da Penha, uma mulher vítima de agressão, sempre que possível, deve ser atendida por uma policial do sexo feminino. O objetivo da lei é proteger as mulheres, porém, elas mesmos encontram falhas. “Acho que precisaria de um pessoal qualificado e preparado para receber essas mulheres com essas denúncias, sem contar na lei em si né, meu ex foi preso duas vezes pela lei Maria da Penha e apenas com o pagamento de uma fiança saiu no mesmo dia”, disse a vítima, que hoje já não convive mais com o agressor. “Você não é obrigada a passar por isso! Independente de filho, questão de status, do que os outros vão achar, questão financeira… você não é obrigada a aguentar agressão nenhuma. É uma coisa que me fez ter mais coragem e sempre falo para os outros: minha mãe saiu de um relacionamento abusivo com duas filhas, uma de colo, sem nada, apenas com duas sacolas de roupa, e criou eu e minha irmã muito bem! Então quem sou eu para aguentar?! Sou forte porque vim de uma mulher forte!”, encerrou a nova mulher.

As brechas na Lei Maria da Penha fazem muitas vítimas questionar a eficácia dela. Não podemos negar que a lei realmente é um avanço, mas que não deve ficar estagnada com o que já foi conquistado. Além disso, é importante cumprir com tudo que está no papel, o que pode se tornar uma tarefa difícil aos cofres públicos. Um exemplo dessa dificuldade podemos encontrar no momento em que a lei possibilita o encaminhamento do agressor para um centro socioeducativo, algo que está longe de acontecer com frequência no país. Sendo assim, o homem pode até cumprir a pena, mas provavelmente não vai mudar de pensamento ou entender a agressão contra a mulher como um crime.

“Nem todas as comarcas dispõem de programas de ressocialização do agressor, mas a lei manda que seja feito um esforço. Em Cascavel, existe um curso que os agressores precisam fazer como parte do cumprimento da pena”, disse a advogada Camila Milazzotto Ricci.

Outro recurso importante do pós-denúncia que a vítima tem direito é a medida protetiva. Com isso, o agressor é obrigado a não manter contato com a vítima e muito menos se aproximar dela. “Esse pedido é feito logo na Delegacia de Polícia Civil, e em até 48 horas ele já é enviado ao juiz e o documento é deferido em no máximo dois dias”, citou a advogada.

Após a denúncia é aberto o inquérito policial, onde vai exigir o exame de corpo de delito, que vai apontar a gravidade da agressão, além de indicar os locais no corpo da mulher que foram alvos do agressor. O autor será chamado ou conduzido para prestar esclarecimentos na delegacia. Testemunhas também podem contribuir com a investigação nesse momento. “Após a coleta desses dados, o Ministério Público vai receber a denúncia e o processo vai correr com o poder judiciário, onde vai acontecer as audiências com a presença de vítima e acusado e ao final o juiz vai decretar ou condenação ou absolvição do suspeito”, encerrou Camila.

Quando perguntamos no início do texto se o problema está mesmo na aplicação da lei, em parte podemos concordar, a falta de recursos financeiros do estado compromete com o que está escrito no papel. Por outro lado, o machismo predomina em nosso país, e por mais que exista a Lei Maria da Penha, muitas vítimas de agressão não procuram pelos direitos. Nenhuma mulher é obrigada a sofrer agressões e acabar com esse processo é uma questão de atitude para denunciar e acreditar na nova vida.

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