Começando pelo Fim
Antes de ler o segundo romance de Fernanda Torres, achei melhor revisitar o primeiro
Fim, Fernanda Torres. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 203 p.
O casamento é o estado civil mais indicado para um homem que, assim como eu, não gostam de conviver com os outros. Nada mais exaustivo do que administrar encontros e expectativas. Um mau casamento pode ser ótimo para ambas as partes (p. 16).
Meu primeiro contato com o primeiro romance de Fernanda Torres foi em 2014, na primeira vez que fui à Festa Literária Internacional de Paraty (@flip_se). É curioso perceber as relações que um livro brilhantemente relacionado ao fim da vida possui com um instante permeado de tantas primeiras vezes. Como atriz, Fernanda ficou conhecida especialmente por seus icônicos papéis na comédia, apesar de também ter figurado em roteiros dramáticos, como Casa de Areia (filme, inclusive, em que ela contracena com a própria mãe, Fernanda Montenegro — a Fernandona).
Dos filmes e séries, passou também a ocupar as colunas de jornal, em 2010, com crônicas que foram reunidas e publicadas sob o título Sete Anos (2014), pela Companhia das Letras (clique aqui para ler um trecho). Sua estreia como romancista veio em 2013, também pela Companhia, e conquistou público e crítica. Em 2017, ano passado, Fernanda publicou seu segundo romance, “A glória e seu cortejo de horrores”, e é aqui que está o motivo de eu voltar ao livro Fim: o interesse de observar a transformação da escrita entre os dois momentos da escritora.
Fim é uma narrativa indiscutivelmente carioca, tanto quanto seus cinco protagonistas, cinco amigos que, na velhice, rememoram desventuras da juventude cheia de farras, carnavais, casamentos, divórcios e culpas. Sílvio, Ribeiro, Neto, Ciro e Álvaro nos levam pelas ruas da zona sul com a voz inconfundível de Fernanda Torres, enquanto encaram, no extremo da vida, o Fim dela. Experiência que, aqui, não tem romantismo ou floreios, pois o próprio estilo da narração é objetivo, sagaz, motivado pela vontade de chamar nossa atenção para o subtexto, para aquilo que não está sendo dito justamente por não precisar ser dito. Ora, a própria vida não é repleta de não ditos?
O texto tem fluidez típica de roteiro audiovisual e não se estranha que esteja, de fato, sendo roteirizado para dar origem a uma série de TV pela Rede Globo, de onde Torres é antiga contratada. É justamente essa fluidez, que confunde nossas sensações durante a leitura (estou lendo ou assistindo a essa cena?), que dá margem para boas expectativas em torno dessa adaptação televisiva, ainda mais se considerarmos o sucesso de outras adaptações da Globo, como Dom Casmurro, Dois Irmãos, Gabriela — Cravo e Canela etc.
Fernanda Torres constrói cinco homens e esta é uma afirmação que não expressa completamente meu encantamento com essa construção. Os personagens guardam consigo mesquinharias, hábitos e características tão típicas de homens em seus contextos e tão coerentes com eles próprios que não dá para não se intrigar com a técnica. Aqui, fica evidente a importância do bom matrimônio entre o talento da autora com sua formação enquanto atriz, que lhe permite alteridade suficiente para a existência de personagens bem definidos.
O humor irônico, como não podia faltar, costura as tramas desde o começo, entrecruzando-as, amalgamando-as, refletindo ou refratando pensamentos do próprio leitor acerca da vida, da morte, da velhice, dos arrependimentos. No Fim, saímos com a sensação de termos visto aquele filme de que tanto falam e que passa diante de nossos olhos, antes da morte.
O livro físico pode ser comprado por cerca de R$ 40,00 e, virtual, por cerca de R$ 25,00.
P.S.: sugiro série Six Feet Under a quem quiser mergulhar ainda mais na temática trabalhada por Fernanda Torres em Fim.
P.P.S.: também sugiro a entrevista abaixo:
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