UNIVERSIDADE
Por que cursar Mestrado Acadêmico em Linguística ou Linguística Aplicada (LA)
Dando início a uma série de conversas sobre pós-graduação stricto sensu
Disclaimer: este texto, assim como grande parte do que é produzido no Ser Linguagem — um blog pessoal -, é escrito a partir de um contexto e permeado por experiências particulares que podem ou não encontrar eco mundo afora. Sabendo disso, não o recomendo como único parâmetro para quem procura ingressar na pós-graduação nem me comprometo com as especificidades de diferentes contextos. Ter isso em mente fará com que cada pessoa possa tirar do texto o que for importante para sua própria situação. 🙂
Os três segmentos do ensino, no Brasil, estão separados entre si por fossos ou abismos. Se há muito da graduação que não chega à educação básica (ensino fundamental e ensino médio), mesmo em áreas como Letras e Pedagogia, é possível dizer, também, que os laços que unem graduação e pós-graduação nem sempre são fortes ou simples. Afora o amontoado de pressupostos que não correspondem com a realidade (como aquele professor que pede um artigo acadêmico no primeiro semestre da graduação imaginando que você chega do ensino médio conhecendo o gênero), há uma série de questões burocráticas e estruturais que não contribuem para uma aproximação.
No meio desses caminhos, é comum que uma imagem mistificada ou conspiratória sobre a pós-graduação seja construída. Ou, pior, que imagem nenhuma seja construída, como nos casos de pessoas graduadas que não pensam em carreira acadêmica mais por não compreenderem o que isso significa do que por vontade própria. Empoderamento não é só poder decidir o que queremos ou não, mas, também, porque não queremos ou não. Com este post, abre-se, aqui no Ser Linguagem, um espaço de diálogo e compartilhamento de experiências sobre pós-graduação, a fim de desmistificar certos tabus, esclarecer pontos que são tidos como óbvios e propor uma rede de apoio que, com sorte, poderá ajudar você a decidir e saber porque decidiu seguir ou não carreira acadêmica.
Assim, se você está prestes a se formar ou mesmo no meio da graduação e quer engatar de cara um mestrado; se você se formou já há um tempo, foi para o mercado de trabalho e quer se reaproximar da universidade; se você deseja compreender o que é pós-graduação na grande área de Linguística e Literatura; ou se você já está na pós e quer compartilhar sua experiência, esteja à vontade. Puxe um banquinho e vamos conversar. Pautas de hoje: 1. por que fazer pós-graduação?; 2. stricto sensu e lato sensu; 3. nem só de pesquisa experimental vive a ciência; 4. conheça o programa de pós-graduação pretendido.
1. Por que fazer pós-graduação
Até hoje, vi três principais tipos de motivação para que alguém ingressasse na pós-graduação. Mestrado e doutorado são imprescindíveis para quem deseja construir o que ando chamando, neste texto, de carreira acadêmica, isto é, prestar concurso público para atuar como professor efetivo de ensino superior numa instituição pública ou atuar em instituições privadas de ensino superior. No Brasil, sobretudo para a grande área de Linguística e Literatura, não existem muitas formas (na verdade quase nenhuma) de ser ser pesquisador sem estar vinculado a uma instituição como professor. Ou seja, ser professor universitário ainda é a principal maneira que pesquisadores de nossa área têm para continuarem pesquisando. Não quero dizer com isso que continuar pesquisando seja a única motivação de quem se torna professor, mas que tem um peso considerável. Além do amparo institucional para atuação em projetos de extensão universitária.
Ainda no viés profissional, outra motivação bastante frequente é quanto à ascensão funcional por meio de titulação. Colegas que são professores efetivos na educação básica, por exemplo, estando vinculados ao Estado (ensino médio) ou ao “Município” (ensinos fundamentais), podem ascender salarialmente à medida que investem em suas formações, conquistando titulações. O mesmo caso de professores assistentes em universidades, ou seja, professores que possuem mestrado e desejam ascender para o nível funcional de adjuntos, o que exige doutorado.
O terceiro tipo de motivação que observo, e este muito mais diluído nas motivações anteriores do que necessariamente constituindo uma, é o desejo de continuar uma pesquisa que vinha sendo realizada na graduação, quer seja por meio de uma bolsa de iniciação científica quer seja por meio da investigação realizada para a monografia. Pode entrar aqui, também, o caso de colegas que querem fazer uma nova investigação (não necessariamente continuar uma), e encontram na pós-graduação stricto sensu a melhor maneira de alcançar esse objetivo.
2. Pós-graduação stricto sensu ou lato sensu
A graduação é um nível de formação horizontalizado, no qual o formando precisa concluir seus estudos tendo passado por vários campos de sua grande área de formação. Em outras palavras, é como dizer que espera-se de uma pessoa graduada em Letras que ela tenha noções, ainda que gerais, sobre campos que vão desde Fonética e Fonologia até Literatura Comparada. Este é um dos motivos pelos quais é preciso ter-se cautela quando, durante a graduação, você é contemplado com uma bolsa de iniciação científica. A bolsa tenderá a exigir certa verticalização (concentração mais detida num campo específico de sua área), enquanto a graduação como um todo seguirá sendo um espaço horizontal. Tendo compreendido essas analogias de verticalização e horizontalização, podemos, então, discutir stricto e lato sensu, uma divisão que só existe no Brasil.
Até os anos 2000, ter uma formação de nível superior era valorizado pelo mercado de trabalho especialmente por não ser algo simples de se alcançar. Nós tínhamos poucas universidades e processos seletivos ainda mais excludentes do que o atual Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Para lidar com isso, os governos investiram, paralelamente à disponibilização de cada vez mais vagas universitárias, no ensino técnico, como uma alternativa de formação mais rápida para setores específicos do mercado. Se as universidades eram poucas, imagine os programas de pós-graduação que ofereciam cursos de mestrado e doutorado. Assim, a pós-graduação lato sensu, mais horizontalizada e com menos tempo dedicado exclusivamente à pesquisa e à formulação ou comprovação de teorias, foi, antes do boom de programas de pós-graduação stricto sensu, uma alternativa de formar profissionais em nível de pós-graduação de maneira mais rápida. Hoje, lato sensu abrange cursos de especialização e MBAs (master of business administration) e emitem certificado, não diploma.
A pós-graduação stricto sensu, como o Latim denuncia, abrange uma formação mais estrita, mais verticalizada, que possui mais tempo dedicado exclusivamente à pesquisa e à formulação/comprovação de teorias e métodos acadêmicos/científicos. Isso inclui os cursos de mestrado acadêmico, mestrado profissional e doutorado, por exemplo, pelos quais a pessoa formada recebe diploma. Apesar de haver uma hierarquia entre lato e stricto sensu (profissionalmente falando, pelo menos), é preciso destacar a importância que os cursos de especialização possuem em nossa área, especialmente para aquelas pessoas que estão muito tempo longe da academia científica ou cuja rotina profissional não favorece o atendimento dos horários de um curso de mestrado, que são, muitas vezes, diários. Cursos de especialização, geralmente, têm aulas uma ou, no máximo, duas vezes por semana (aos fins de semana, em grande parte), duram cerca de um ano e meio, são ministrados numa linguagem mais próxima da graduação e exigem um investimento financeiro razoavelmente acessível, dependendo da instituição que os oferece (exigência essa que pode ser problematizada, mas noutra conversa).
Na área de Letras, a Universidade Estadual do Ceará oferece duas especializações, em Fortaleza, em Ensino de Língua Portuguesa e em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins. Na pós-graduação stricto sensu, a estadual oferece o Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada — PosLA.
3. Nem só de pesquisa experimental vive a ciência
Esta é uma seção breve e no estilo “pra não dizer que não falei das flores”, porque rende conversas mais elaboradas. Chegue a uma sala de aula, fale “Feira de Ciências” e peça para os alunos descreverem que imagens essas três palavras suscitam em suas mentes. Vivemos um legado fortemente positivista e experimental sobre o conceito de ciência. E não só na escola! Comitês de ética, modalidades de bolsas de produtividade, relatórios acadêmicos, medição de produtividade e uma outra série de âmbitos institucionais entendem que o “fazer científico correto” é aquele que mais se aproxima das “áreas duras” do conhecimento, as áreas que costumo chamar de laboratoriais, que envolvem, principalmente, as ciências da saúde, da natureza e as ciências exatas.
Particularmente, considero um compromisso inerente à nossa formação enquanto pesquisadores pela dilatação do sentido de ciência e de cientista. É preciso ocupar espaços e discursos e mostrar que método científico e fazer científico não são absolutos e estão muito mais associados ao objeto de estudo em questão do que ao inconsciente coletivo do que seja fazer ciência. Outro compromisso é com a compreensão de que existem pesquisas que não são experimentais/empíricas e que, nem por isso, são menos científicas. Pesquisas bibliográficas, etnográficas e cujos fins não estão concentrados na elaboração de um produto final entram no conjunto dessas pesquisas acadêmicas tão válidas quanto quaisquer outras. O importante não é estabelecer juízo de valor entre a pesquisa que encontrou a vacina contra a gripe H1N1 e a que investigou o estilo machadiano em Dom Casmurro, mas, sim, valorizar a diversidade de possibilidades de investigação. Isso tudo para dizer que: venha para a grande área de Linguística e Literatura sabendo que nem toda pesquisa parecerá “““útil””” (mesmo porque nem toda pesquisa precisa ser).
4. Conheça o programa de pós-graduação pretendido
Agora que já conversamos sobre o que pode motivar você a fazer pós, que tipo de pós pode caber em seu contexto atual e o que você pode esperar da atividade de pesquisa na grande área de Linguística e Literatura, é hora de pensarmos nos primeiros passos que podem ser tomados rumo a uma (re)aproximação entre você e a universidade. A fim de ser mais objetivo e sabendo que ainda temos muito a conversar sobre esses passos, vou topicalizar as dicas, sem me deter muito a elas (afinal, olha o tamanho desse textão). O tom delas é generalizante, então só algumas podem servir ao seu contexto. Continuamos no campo de comentários.
- Defina onde você cursará o mestrado. Será na cidade onde você mora? Numa outra cidade do mesmo estado? Num outro estado?
- Consulte os sites das universidades que existem no lugar que você definiu. Explore as abas “Pós-Graduação”, as linhas de pesquisa, os docentes, os grupos de pesquisa, o período em que o processo seletivo costuma acontecer etc.
- Defina o programa, a linha de pesquisa, o projeto e o docente que mais se aproxima ou se encaixa no que você deseja investigar (mesmo que a seleção do programa escolhido seja sem a determinação prévia do orientador pretendido).
- Estude a possibilidade de se aproximar da instituição, tendo em mente maneiras como: participar de reuniões abertas de algum grupo de pesquisa, assistir a sessões de defesa de dissertação e tese, participar como aluno especial ou ouvinte nalguma disciplina que tenha a ver com seu interesse de pesquisa, participar de eventos promovidos pelo programa de pós-graduação pretendido etc.
- Consulte editais anteriores, especialmente no que se referem a bibliografias sugeridas ou obrigatórias, mas tenha em mente que cada edital é um edital e nada impede que o programa altere normas ou bibliografias de um para o outro.
O mais dará pauta para conversas futuras.
Originally published at serlinguagem.wordpress.com on May 28, 2018.