O futuro da realidade

Daniel Fernandes
DB Server
Published in
4 min readJan 3, 2022

Peter Drucker já cravou há algumas décadas que a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo. Longe de ser uma estratégia cujo risco esteja no coração do processo, criar futuros é muito mais um exercício de identificar o que já está aí, e embalar muito bem dando nome e forma. Uma vez criado o conceito, se ajuda a popularizá-lo com suaves retoques em performance e experiência, e investindo um caminhão de dinheiro em marketing.

Metaversos não são novidade. Afirmar que o futuro da internet será imersivo, 3D, transcendente e idílico, em uma representação da realidade sem limo, mofo e lixo nas ruas é algo já dito há pelo menos duas décadas. Quem ainda lembra do projeto que quase decolou no Brasil chamado Second Life? Lá em 2007 eu participei do projeto que colocou um balcão de atendimento da Fecomércio na Ilha Berrini, que chegou ao pico de 900 atendimentos por dia na plataforma.

Sede da Fecomércio na Ilha Berrini

Mesmo fora dos nossos olhos, o Second Life segue firme e forte, e com excelentes perspectivas de surfar a onda de Metaversos. A Linden Lab, que recentemente mudou de mãos passando a ser controlada por um fundo peso pesado, marca $700 milhões de receita todos os anos, com uma operação enxuta e otimizada, 100% na infra da AWS.

O que as big techs estão fazendo consiste em se apropriar e dar contorno a uma miríade de iniciativas poderosas, mas fragmentadas. Ao prover a plataforma que as diferentes experiências possam acontecer (de prover atendimento ao cliente a caçar pokemons), Meta se aproxima do conceito inicial de Metaverso. O que o livro (difícil, confesso, um capítulo inteiro descrevendo a cultura de pizzarias?) Snow Crash mostra é a interconexão entre essas diferentes sub realidades. Metaversos costurados em uma experiência única, sem fricção, interoperável, com moeda própria e garantia de propriedade sobre tudo que nele é produzido.

Minha primeira transação de Libras em junho de 2019 — A moeda digital do então Facebook.

Ok, dado que não é novidade e que protocolos de interoperabilidade já estão começando a nascer, por que o hype? A melhor hipótese é que esse hype permite às big techs refazerem o pitch dos seus serviços. Além disso, acelera a venda de um novo hardware, cuja maior empresa, Oculus, é de propriedade da Meta. Vale ressaltar que o mercado de VR está para acontecer já tem dez anos e a Meta gastou $2 bilhões ao comprar a Oculus. Algo tinha que mudar!

Azure, AWS, GCP, Huawei Cloud e outras estão ansiosas para prover a infra estrutura necessária a essa nova skin para interações sociais e comerciais. Em maio de 2021, em uma das poucas aparições públicas, o Vice Presidente Corporativo da Microsoft, Sam George, declarou que a empresa está perfeitamente alinhada e pronta para a “metaverse technology stack”. Está tudo pronto.

Onde está o ponto de atenção que merece um posicionamento de todos nós? Estamos vivendo uma fronteira entre uma decisão sobre o quão interconectados serão os diferentes metaversos disponíveis e o quão proprietária será essa forma de interconexão. Se as Big Tech decidirem convergir em colaboração, podemos estar vendo o nascimento de uma nova geração de realidades com regras compartilhadas, que prosperarão na mesma criatividade e diversidade vista no início das páginas web. Tecnologias abertas que permitam transitar livremente entre mundos já existentes. No entanto, se o caminho for o de consolidação de um mundo proprietário único, com fronteiras muito mais complexas de serem transpostas que as atuais barreiras alfandegárias, perderemos uma chance brilhante de ver um novo modelo prosperar.

Se perguntarmos o que os donos das Big Techs pensam, bom, já temos as respostas. A liderança da Roblox já se instituiu como o “pastor que guiará o rebanho de metaversos”. Meta já inclusive se apropriou do nome. O CEO da Unity já cravou a solução: “todos deveriam usar Unity!”. E assim por diante.

A nós, não titulados donos de grandes tech companies, cabe entender as consequências do que vem por aí. E ser a resistência.

Sobre o autor:
Daniel Fernandes é líder do Escritório de Design da DBSP. Busca encontrar a coerência entre o que está sendo desenvolvido e a real necessidade dos usuários, e defendê-la arduamente. Joga RPG, gosta de mobilização social, trabalha com facilitação de grupos e acredita que há muito valor naquelas coisas que não fazemos.

Sobre o Escritório de Design DBSP:
O Escritório de Design da DBSP cria soluções digitais viáveis que somam o desejo dos usuários com as necessidades de negócio das organizações. Aplicamos técnicas de Design Thinking, Lean Startup e Métodos Ágeis, oferecendo um olhar sistêmico para analisar os desafios de inovação e transformações digitais.

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