Um olhar para a autonomia a partir dos desafios de um novo empreendimento em um novo território

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8 min readJun 29, 2021

Escrito por: Verner Heidrich

Créditos da Foto: NASA

Quando recebi a sugestão de pauta para escrever sobre autonomia e colaboração, primeiro perguntei sobre os porquês. Tanto se fala de colaboração e de autonomia. O que eu poderia agregar nesse debate? Autonomia tem muitas facetas: em relação ao indivíduo, ao contexto do trabalho, seu contexto psicológico, também diz respeito à empresa e seus processos, ao negócio e suas hierarquias, etc. Ao perceber que estaria enveredando por um olhar mais consultivo, preferi escolher um caminho para falar da minha própria experiência. A mais recente, que é a estruturação de uma nova unidade para a empresa de TI que sou sócio co-fundador desde 1993.

Acompanhava um tanto de longe os movimentos para se abrir novos clientes em São Paulo. Foi por uma ocasião da vida, daquelas que faz o coração bater descompassado, que me impulsionei para mudar. Um pouco de coragem e voilà, estava na maior cidade do país, megalópole maior que muitos países, competitiva, rápida, mutante, avassaladora. Com a missão de implantar e desenvolver um novo braço para os negócios da empresa que já se firmara e se destacava no Sul do Brasil.

No estágio inicial, a unidade precisava se apresentar, e muito bem, para novas empresas e suas necessidades. Já assim, de primeira, vimos a importância de ter bons materiais para demonstrar o que fazemos, nossos sucessos e como podemos contribuir em cada caso. E pela proximidade com novas pessoas que poderiam vir a ser nossos clientes, estávamos aumentando nossa compreensão de seus contextos. Foi inevitável começarmos a pensar em como melhor formatar e posicionar nossos serviços e elaborar propostas para sermos mais efetivos em atender essas necessidades — fechando contratos e firmando a nova unidade.

Isso provocou algumas divergências em relação ao que já tínhamos de ofertas e o modo de oferecê-las e fazer negócios que se constituiu ao longo da história da empresa. Se o plano de desenvolver a unidade em São Paulo tivesse sido detalhado a ponto de dizer o que venderíamos, qual deveria ser a estrutura de trabalho, quais os perfis da gestão, etc. não teríamos tido o espaço necessário para pensar diferente, para adaptar o que tínhamos a cada nova situação de negócios. Porque esses novos negócios sim, se apresentavam cada vez mais diferentes do que aqueles em que já atuávamos (em muitos deles por mais de 10 anos).

Créditos da Foto: Nasa

Um espaço para atuação é necessário e ele tem que ser estabelecido na estratégia. Porque é naquele nível que se define a orientação geral. Sem espaço significaria prescrição: tudo deveria ser determinado de antemão, e aí a capacidade de se adaptar rápido a coisas diferentes do que previsto seria prejudicada. Ainda há a dificuldade de se fazer uma prescrição (um plano detalhado de desenvolvimento da unidade), porque a complexidade disso é enorme. Mesmo com muitos especialistas e acesso a dados não conseguiríamos mapear tudo que fosse necessário definir. Além dessa complexidade inerente, oportunidades, relacionamentos, necessidades e contextos estão sempre mudando independentemente da nossa melhor intenção de conhecer isso tudo.

Outra parte definidora da autonomia é o próprio “fazer”. Ao ocupar o espaço para adaptar nosso posicionamento desta nova unidade, já existia nossa intenção de atuar com vigor e determinação no que víamos que precisava ser elaborado, construído, executado. E já entregue. Porque o timing dos negócios, e do trabalho em geral (e de nossas vidas!) tem sido cada vez mais dinâmico, mais veloz. A determinação e o fazer andam juntas. Tanto mais juntas estarão se não tiverem camadas ou cadeias de comunicação ou planos com pormenores que precisam ser checados a cada instante. Nesse ciclo de determinar-se e vir fazer, coloca-se a saída do trabalho: analisar o que foi feito. A análise verifica o resultado, o que acertamos, o que erramos, o que deixamos de fazer e foi adequado, o que não fizemos e faltou, entre outras coisas.

Tem muitas técnicas e ferramentas para isso, mas meu enfoque aqui é empírico mesmo. Entre as lideranças, criamos uma prática de avaliar as ações, de forma bem natural, sem buscar culpas ou vítimas e sim tentando aprender. O importante aqui é que esse ciclo seja curto, que se possa repetir direto.

É nas rodadas incessantes do ciclo de determinar, fazer e aprender que conseguimos ajustar (literalmente, “ir ajustando”) e adaptar o próprio trabalho que estamos fazendo.

Na minha visão, esse é o padrão necessário mais profundo de um negócio que quer ser ágil, adaptativo. É a essência do processo evolutivo da empresa. Curiosamente, é um modelo que lembra os conceitos das modernas definições científicas dos sistemas vivos.

Créditos da Foto: NASA

O fazer com autonomia precisa estar alinhado ao propósito. Vejo muitas situações em que as pessoas pedem autonomia, mas não sabem o significado mais amplo do espaço que pretendem ocupar. Uma visão mais ampla ou abrangente é necessária. A pessoa exercendo seu trabalho, fazendo o que ela entende que precisa ser feito, terá muito mais chances de êxito e de satisfação pessoal ao reconhecer sua importância no todo em que está inserida.

É do nível estratégico o papel de definir e deixar claro quais sãos os propósitos. Cada iniciativa maior que temos, precisa estar alinhada a um senso de propósito maior. Por enquanto, nesse estágio de desenvolvimento, nossa unidade tem os sensos mais amplos de propósito para: o nível de excelência que queremos ter junto aos clientes; o tamanho que queremos vir a ter; os cuidados que temos com cada um dos nossos colaboradores.

O outro elemento da autonomia é a Responsabilidade. Muitas empresas utilizam modelos históricos com muitas hierarquias de controle e influência para garantir responsabilidades e governanças. Em geral, as hierarquias, já que estão definidas e existem (são pagas para isso), trabalham para definir, determinar, pormenorizar e checar tudo. Assim, os espaços para serem ocupados por pessoas com mais autonomia são reduzidos e a autonomia definha já na origem.

Na nova unidade da empresa, usamos a inevitável hierarquia de sócios e executivos o suficiente para determinar a estratégia, os valores e as principais práticas. Depois, esses mesmos executivos têm papéis específicos junto aos demais colegas, para colaborar, servir e ajudar a resolver situações.

Créditos da Foto: Michael Longmire

Com as práticas bem determinadas, fica mais fácil definir os papéis necessários para a empresa “rodar” os seus ciclos de abrir e fechar negócios, contratar pessoas, cuidar das pessoas, garantir entregas aos clientes, avaliar os serviços, desenvolver relacionamentos de confiança, atuar para resolver problemas, aprender, ajustar, adaptar processos. Parece simples, mas cada tema desses é um mundo e cada prática que procuramos determinar também sempre tem melhorias a fazer para deixar as responsabilidades mais claras, sem ambiguidades e sem desperdícios.

Então, com os papéis claros, que na DBSP chamamos de chapéus ou bonés, as pessoas assumem suas funções, que podem ser entrepostas e mesmo intercambiáveis com outros colegas. A pessoa tem um cargo, inevitável por lei e por governança. Mas ela tem papéis e autonomia para executá-los ao longo do dia. Seu desenvolvimento e experiência com esses papéis pode levá-la a desempenhar outras funções ao longo de sua jornada na empresa. Seu caminho evolutivo é integrado aos propósitos, aos seus próprios interesses de protagonizar e aos resultados e aprendizados adquiridos ao longo dos seus ciclos de determinar-se, executar e aprender.

As práticas e os papéis determinados ajudam nas definições de responsabilidades, limites e escopo. Usamos os painéis da ferramenta Miro para esses registros e comunicação. Uma vez que a pessoa assuma seus papéis com autonomia “para o mundo”, ela pode carregar uma carga de ter que saber previamente de tudo.

Nós cuidamos para garantir que as pessoas sempre tenham acesso e apoio imediato, pois elas não têm a obrigação de saber tudo.

Até podemos montar um time com pessoas, específico para tratar da situação que uma pessoa possa estar vivenciando que seja de maior complexidade, risco ou impacto. Time que se desmancha rapidamente depois que o problema for resolvido (chamamos isso de times emergentes).

Créditos da Foto: Bruno Emmanuelle

Espaço, Fazer, Propósito, Responsabilidade. São alguns importantes elementos da autonomia, que cultivamos para garantir uma organização mais capaz de fazer e ter as tarefas realizadas. E assim avaliar os resultados e aprender. E ser mais veloz em sua adaptação.

Autonomia também nos permite espaço para utilizar o potencial criativo, a partir dos interesses de nossos profissionais e de todas as experiências que cada indivíduo traz consigo. É bonito, mas a empresa tem que ter tolerância para incertezas. Nem tudo vai sair como a ideia inicial e aí temos que atuar e, novamente, aprender.
Mas compensa.
Cria-se o senso de que o trabalho tem valor.

A cultura de responsabilidade se sobrepõe ao medo imposto pelo cargo ou pela hierarquia.

Tudo isso gera um ambiente mais seguro para todos, e nos ajuda a gerenciar essas cargas de mudança, ambiguidade e complexidade que a vida moderna nos impõe. Muitas pesquisas mostram o valor da autonomia na qualidade de vida das pessoas, na motivação e na satisfação do trabalho.

Ao constatar o crescimento e a diferenciação que estamos construindo como argumentos sólidos de um trabalho de sucesso até aqui, posso dizer que a autonomia conquistada em nossa unidade é, para mim, um grande fator de motivação e satisfação no trabalho.

Atuar com criatividade, confiança e inspiração junto a todos colegas, me traz um profundo senso de realização. Algo que o trabalho em geral deveria focar. Para todos.

Sobre o autor
Verner tem mais de 30 anos de atividade em TI. Empresário, vegano, estudante de bateria. CEO na DBSP, co-CEO na DBServer. Acredita no valor de cada pessoa, na educação, na cultura e na evolução do ser humano.

Sobre a DBSP
A DBSP é uma empresa de tecnologia, pensada, desenhada e formatada para atuar como parceira digital. Provê serviços do ciclo de vida de produtos digitais, promove a cultura ágil nos negócios, desenvolve soluções e plataformas de alto impacto para as empresas com DevOps e infraestruturas Cloud.

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