Eurocentrismo, Identidade e Negritude — Rompendo com a Hegemonia no Design

Waguin
DDNBR
Published in
5 min readMay 13, 2020

“Empresas com equipes de executivos com diversidade cultural e étnica são 35% mais propensas a obter lucros melhores que a média.” — McKinsey, Delivering through diversity (2018)

Eu acredito que a inovação caminha para um futuro onde é inviável não falar de diversidade e inclusão. Em 2018, a McKinsey publicou um relatório sobre Inovação e Diversidade, que comprova que as empresas com equipes diversificadas têm o melhor desempenho do mercado comparado aos seus concorrentes menos diversos.

Isso porque a diversidade aumenta o nosso campo de visão. Somos forçados a olhar para os diferentes contextos sociais e construir um repertório diverso que seja capaz de dialogar com a maior parte das pessoas seja de forma generalista ou individualista.

Mas apesar de tudo isso não ser uma novidade e de termos ótimos parâmetro sobre a contribuição da diversidade para o design, é possível identificar que nossa comunidade ainda caminha de forma lenta para um cenário menos hegemônico e mais equitativo. Segundo o Panorama de UX de 2020 com foco em Diversidade por Carolina Leslie, o design ainda é predominantemente masculino, branco e hétero. Em uma sociedade onde negros e pardos representam 51% (IBGE 2010) da população brasileira, este número cai para 20% enquanto brancos representam 73% dos profissionais de design.

Os "outros"

Além de dar mais oportunidade no mercado para diferentes perfis de profissionais, a importância em construir uma comunidade rica em diferenças tá inerentemente ligada a forma como projetamos e para quem estamos projetando. Ian Spalter, Head de Design no Instagram, conta que descobrir novas soluções desenhadas por pessoas de diferentes etnias e culturas é muito inspirador. Durante o Festival de Inovação da Fast Company em 2018 ele também diz que “quando você está acostumado a ser o ‘outro’ (enquanto profissional negro), fica mais fácil pensar nos outros”. Com isso, podemos identificar dois conceitos básicos nas falas de Ian que trazem luz para este tema: descolonização e inclusão.

Inclusão — é trazer para a mesa e fazer com que as pessoas se envolvam em um diálogo sobre o que e para quem estamos construindo.

Descolonização — é mudar a forma como pensamos deixando de lado nossos conceitos pré-estabelecidos pela cultura hegemônica, abrindo espaço para novas narrativas.

Antoniette Carrol colabora com diversos projetos voltado a diversidade e inclusão, entre eles o Creative Reaction Lab

Design centrado na Europa

“O eurocentrismo é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem. Resumidamente, trata-se da ideia de que a Europa é o centro da cultura do mundo.” — Wikipedia

O design do século XXI é fortemente influenciado por uma cultura eurocêntrica. Desde os conceitos modernistas da arquitetura aos estilos tipográficos suíços, a influência européia e também norte-americana continua sendo o principal padrão pelo o qual o “bom” design é medido e isso é um problema.

Nontsikelelo Mutiti, uma designer do Zimbábue, é uma profissional excelente que expressa em seus projetos a sua identidade. Esse trabalho em destaque são pisos decorativos, em formas geométricas inspirada nas tranças africanas. Um outro trabalho a esquerda é uma espécie de colagem inspirada nos padrões e repetições presentes na arte africana.

Quando se pensa em design africano, remetemos a cores quentes, tipografias com aspectos “selvagens”. Tudo isso são esteriótipos racistas que reproduzimos todos os dias quando não questionamos nossos conceitos pré-estabelecidos pela cultura hegemônica e excludente.

“Vejo paralelos distintos entre minha transformação em designer gráfico e minha formação de identidade cultural, seja racial ou religiosa” diz Anne Berry, que é professora de Designer Gráfico na Universidade Estadual de Cleveland (Estados Unidos). Para a ela, é essencial que nossa comunidade considere o repertório cultural de cada indivíduo. Mas enquanto embranquecido e excludente, o design segue sendo um espaço de aculturação, onde nossa identidade profissional é construída sob a perspectiva de um padrão no qual muito de nós não nos identificamos de fato.

Pertencimento

Em 1920, surge um movimento chamado “O Renascimento do Harlem” nos Estados Unidos como principal resposta da população negra ao sentimento de não pertencimento e exclusão causado pelo preconceito e segregação racial no país. Com o objetivo de construir uma nova narrativa artística baseada nas influências africanas e no orgulho racial, o Renascimento do Harlem se torna o principal berço da Jazz e outras expressões que nos influenciam até os dias de hoje. Na mesma época, aqui no Brasil, surge o movimento artístico intitulado “Antropofágico” no modernismo brasileiro como principal crítica à centralização da cultura norte-americana e da europeia. Para Oswald de Andrade, principal nome do movimento, “não se deve negar a cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada”.

Apesar dos diferentes contextos, o Renascimento do Harlem e o Movimento Antropofágico Brasileiro parecem denunciar a mesma supervalorização de uma única cultura externa e a necessidade de diferentes narrativas. Após 100 anos, podemos identificar que no design permanece estagnado nos conceitos que perpetuam a mensagem de que nossa comunidade não é culturalmente inclusiva.

Referência ao movimento “Renascimento do Harlem”

“Design é mais do que se colocar no lugar das pessoas, é também fazer com que elas encontrem o seu próprio lugar.

É cruel esperar que as pessoas entrem para o design e adotem um sistema que é capaz de corromper sua própria identidade em nome de um padrão de qualidade excludente. É difícil construir um sentimento de comunidade e propósito quando você não se sente representado. Quando olhamos para o Design, a imagem que temos é de que ele não é culturalmente inclusivo.

É muito importante que entendamos como a hegemonia no design afeta a forma que enxergamos a sociedade e como estamos construindo nossa identidade profissional. Queremos garantir que a comunidade seja mais diversa? Queremos tomar mais ações inclusivas? Queremos fazer do design um espaço equitativo? Estamos edificando um local onde as diferentes vozes podem ser ouvidas? Precisamos preparar o terreno.

Comecemos pelo exercício de encarar e aceitar a pluralidade cultural em suas diferentes formas através dos nossos alunos e profissionais, e questionamos nossos padrões impostos para que nossos vieses colonizadores não se perpetuem dentro do design.

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