Onde estão nossas referências negras em Design?

Waguin
DDNBR
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13 min readOct 26, 2018

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Uma breve apresentação de Designers Negros do século XX que muitos de nós desconhecemos ❤

A ideia de escrever este artigo surgiu junto com meu amigo e designer Filipe Samuel, quando fiz uma simples pergunta no nosso grupo do facebook Design Digital para Negros: quantos designer negros clássicos vocês conhecem como referência?

“Em 4 anos de graduação de design gráfico eu nunca ouvi uma referência negra, seja clássica ou contemporânea” — respondeu Naomi Amori (Designer Gráfico e integrante do grupo).

Por trás desta resposta, e das demais similares, sabemos que existe um problema bem complexo que afeta a vida dos estudantes e profissionais de design: o racismo e a falta de representatividade.

“Black Designers Matter”

É natural de todo aspirante a designer buscar clássicas referências de profissionais talentosos que marcam a incrível evolução desta área até os dias de hoje e ao olhar para sua história é fácil reconhecer figuras icônicas e influentes como Dieter Rams, Alexandre Wollner, Max Bill, Massimo Vignelli, Armin Hofmann, entre outros. Mas para nós, negros, a busca por modelos profissionais se torna um desafio ainda maior devido a invisibilidade negra deste contexto histórico.

Segundo a psicóloga Marlene Oliveira: “Quando uma etnia ou cultura é desvalorizada, desconsiderada ou mesmo oculta, fica muito difícil se reconhecer como ser desejante”. Sentimentos de isolamento, rejeição e, às vezes, inadequação podem causar baixo desempenho por parte das pessoas negras no ambiente educacional ou profissional. Logo, referências profissionais negras importam não só em design mas em vários aspectos na vida de uma pessoa que as identificam. Mais do que uma simples imagem, elas trazem o sentimento de pertencimento numa área majoritariamente branca para um grupo historicamente marginalizado, e a melhor forma de fomentar este sentimento é dando visibilidade para nossa cultura.

Com isso, para nos inspirarmos, criamos uma lista de 6 Designers Negros influentes que TODOS deveriam conhecer — uma breve retrospectiva da vida de pessoas que contribuíram e ainda contribuem para a evolução dessa profissão no seio da comunidade negra.

1. Vince Cullers

O primeiro afro-americano a fundar uma Agência de Publicidade Full Service

Vicent T. Cullers, ou simplesmente Vince Cullers como seus amigos o chamavam, foi um designer gráfico e ativista afro-americano, nascido em Chicago em 1924. Fez seu ensino médio no colégio DuSable High School e após terminar, por ser muito talentoso, o jovem Vince ingressou na Art Institute of Chicago onde estudou arte.

Depois de ter terminando a faculdade por volta de 1940, mesmo com seu talento e um currículo educacional excepcional, Vince foi rejeitado pelas agências de publicidade pelo simples fato de ser negro. Frustado com o mercado, mas motivado pela sua mulher Marian Culler, ele construiu seu próprio portfólio ganhando experiência e reconhecimento, e em 1956 ele fundou a primeira agência de publicidade full service de propriedade negra nos Estados Unidos: a Vince Culler Advertising, Inc — a primeira agência a atingir ativamente o mercado afro-americano.

“Black is Beautiful”: cartaz icônico e anti-racista com uma lista de “mentiras brancas” (“white lies”), projetado por seu ex-sócio Emment McBain em sua agência de publicidade.

Vince Culler quebrou muitos padrões naquela época através de sua publicidade e se tornou uma grande referência. Com sua influência, capacitou e inseriu no mercado criativo diversos profissionais negros, além de inspirar muitos outros a abrirem suas próprias agências (muitas das quais se tornaram maior que a dele).

“Raramente havia negros em anúncios até aquele momento”, “Ele estabeleceu o modelo para o marketing direcionado neste país não devemos esquecer isso”, (Tom Burrell, CEO do Burrell Communications Group)

a Vince Culler Advertising fez trabalhos para mais de 500 empresas em todo o território americano como a Kellogg, Sears, Ford, Pepsico, Coors e muito mais. Em 1990 a sua agência chegou a faturar mais de 20 milhões de dólares e com ela ganhou diversos prêmios prestigiados tais como American Advertising Federation, Lifetime Achievement Award, Founder’s Award, Chicago Area Entrepreneurship Hall of Fame e entre outros.

2. Emment McBain

Principal designer contribuinte para o movimento Black Power na publicidade

Nascido na cidade Chicago, Illinois em 1935, Emment McBain se formou pelo llinois Institute of Technology, também no Ray-Vogue College of Design, bem como na American Academy of Art. Ele foi um dos parceiros de Vince Cullers e um importante designer gráfico e ativista.

Seu currículo é bem extenso e variado. Aos 22 anos foi diretor de arte da Playboy onde criou a capa para o álbum Playboy Jazz All Stars e que foi nomeada como Álbum da Semana da Billboard. Aos 24 anos criou seu próprio estúdio de design, o McBain Associates, onde foi designer na Mercury Records. Em 1964, na J. Walter Thompson and Associates, ajudou a lançar um dos produtos automobilísticos mais icônicos dos anos 70: o Ford Mustang. Ele foi supervisor de arte e montou a campanha de promoção de revendedores que acompanhou o carro quando ele estreou na Feira Mundial. Em 1971, após deixar a Vince Cullers Advertising, fez parceria com Tom Burrell para formar Burrell McBain Inc, agência publicitária que foi pioneira no mercado afro-americano.

“Playboy Jazz All Stars”, 1957: capa do disco, litografada em seis cores, sobre a qual a revista “Billboard” destacou como “design marcante com um chamariz de atenção”.

Emment conhecia o poder de influência que o design proporcionava e usava isso a favor da sociedade negra. Ele foi responsável pelas principais propagandas que enalteciam o movimento Black Power nos anos 70, como os anúncios para os cigarros da Newport com modelos negros descolados — produtos que até então eram considerados de classe alta. Numa época marcada de esteriótipos racistas feita pela indústria criativa branca, McBain ajudou a desconstruir e reconstruir a imagem do negro nas propagandas e na sociedade.

Alguns de seus projetos para marcas de cigarros que incluíam modelos negros.

O trabalho de McBain que era marcado pelo uso de cores subtrativas e pelo seu jogo com tipografia, influenciou muito outros designers gráficos. Ele costumava fazer uso de letras coloridas como elementos gráficos, combinando os títulos com formas coloridas abstratas.

3. Charles “Chuck” Harrison

Criador do famoso “Viewmaster” e centenas de utilitários domésticos

Charles “Chuck” Harrison, mais conhecido como Charles Harrison, é um designer industrial. Nasceu na cidade de Shreveport, Luisiana em 23 de setembro de 1931. Harrison frequentou a School of the Art Institute of Chicago (SAIC) entre os anos 1949 até 1954 onde recebeu seu diploma em Fine Arts (Belas Artes). Em 1956, ele retornou a vida acadêmica para prosseguir estudos de pós-graduação, transferindo-se mais tarde para o Illinois Institute of Technology para completar seu mestrado em educação artística.

Assim que recebeu seu diploma de mestrado, Chuck foi convocado para o exército americano e foi enviado para Alemanha, onde ele serviu por dois anos na unidade de topografia fazendo mapeamento local e elaboração. Mas de volta aos EUA, ele começou a procurar trabalho em algumas empresas de design da sua região, onde chegou a ser chamado para uma entrevista na Sears, mas foi informado que não poderia ser contratado pela equipe porque era negro. Como Harrison tinha um portfólio excepcional, o Gerente de Contratação da Sears lhe passava alguns trabalhos como "freelances" já que ele havia adorado seu perfil e a empresa não o contratou. Foi a partir desse momento que Harrison mostrou para empresa que era um bom designer.

View-master: um dos projetos mais relevantes da sua época e que segue evoluindo até hoje

Anos depois, Harrison tornou-se o primeiro executivo afro-americano a trabalhar na Sears, gerenciando toda a operação de Design dentro da companhia. Ao longo da sua carreira realizou mais de 750 projetos de consumo incluindo o secador de cabelo portátil, máquinas de costura, torradeiras, aparelhos de som, televisores e a primeira lata de lixo de plástico. Um dos seus projetos mais famosos foi a atualização do View-Master em 1958, um produto icônico que esteve presente em todas as famílias americanas e do mundo.

À esquerda, a primeira lata de lixo de plástico da história desenhada por Chuck. À direita, Uma das dezenas de máquinas de costura que a Harrison projetou para a Sears na década de 1970.

Em outubro de 2008, Harrison foi agraciado com o Prêmio Nacional de Design Lifetime Achievement por Cooper-Hewitt, Museu Nacional de Design. Em 2007, seu trabalho foi apresentado ao lado de outros designers de produtos afro-americanos na exposição Designs for Life: Black Creativity 2007 no Museu de Ciência e Indústria (Chicago). Em 2006, seu livro intitulado “A Life’s Design: The Life and Work of Industrial Designer Charles Harrison” (numa tradução livre “A vida e obra do desenhista industrial Charles Harrison”) foi publicado pela Ibis Design. Em 2006, Harrison recebeu um “Lifetime Achievement Award do Focus On Design, de um grupo localizado em Washington, DC, que promove a diversidade no design. No mesmo ano, ele também recebeu “reconhecimento pessoal” da The Industrial Designers Society of America. Em 2000, o trabalho de Harrison foi apresentado em uma exposição intitulada “The World of a Product Designer: Charles Harrison” (“O Mundo de um Designer de Produto: Charles Harrison”) no Carver Museum and Cultural Center, em Phoenix. Charles Harrison é reconhecido como um dos precursor do design industrial nos EUA.

4. Cheryl D. Miller

Criadora do poster de Mae Jemison (a primeira mulher negra da NASA a ir para o espaço) e outras centenas de projetos incríveis

Cheryl D. Miller é uma designer gráfica, ativista, empreendedora e autora. Nascida em 1952 na cidade Washington DC, Miller foi pioneira na indústria de artes gráficas nas décadas de 1970 e 1980. Ao longo de sua infância, ela conheceu à arte percorrendo livremente os corredores do departamento de belas artes de Howard.

“Não sei por que você está fazendo arte. Você nunca se tornará nada.” — disse um professor do ensino médio para Miller

Implacável, Cheryl foi uma das primeiras negras a se matricular na Escola de Design de Rhode Island, mas teve seus estudos interrompidos após a morte do seu pai. Ela foi transferida para Maryland Institute College of Art onde terminou sua graduação em design gráfico, mais tarde mudou-se para Nova York onde fez seu mestrado em Design de comunicação na Pratt Institute School of Art and Design e em 1987, ela escreveu o notório artigo da revista Print , “Black Designers: Missing in Action” (“Designers negros perdidos em ação”). Esse artigo, que surgiu da sua tese de mestrado que abordava o número extremamente baixo de negros reconhecidos como profissionais de design, foi o primeiro a mencionar profissionais negros na história do design americano.

À esquerda, Mae Jemison. À direita, Cheryl MIller trabalhando no poster oficial da NASA para a primeira mulher negra a ir para o espaço.

Miller já trabalhou em diversos projetos incríveis. Ela já foi contratada pela NASA para criar o pôster para Mae Jemison, a primeira mulher astronauta de origem africana a ir ao espaço. Além desse projeto, após receber uma visita inesperada de Robert Johnson que compartilhou sua visão de montar uma rede de programas de televisão focada no público negro, ela também criou a identidade da Black Entertainment Television (BET) — uma emissora norte-americana a cabo que pertence a BET Networks. Em 1991, Brenda Mitchell-Powell publicou um artigo intitulado “Why is Design 93% White” (“Por que o Design é 93% Branco”) se inspirando na Miller, onde ela retrata as barreiras que designers negros enfrentam para ingressar no mercado de design. Em 1987 ela criou a Cheryl Miller Design, Inc que teve clientes notáveis como Time Warner, Inc, Ford Foundation, Philip Morris International, YMCA, The Studio Museum in Harlem, McDonalds, Essence Magazine, entre outros.

Cheryl documentou meticulosamente sua carreira e a evolução da indústria do design. Seus arquivos oferecem uma perspectiva única como empreendedora, mulher e pessoa de cor durante esse período importante na história dos EUA. A coleção dos arquivos da Cheryl D. Miller atualmente estão reservados na biblioteca da universidade de Stanford e não estão abertas para pesquisas até que o processamento seja concluído. Mesmo após 30 anos, Miller acha que o ponto crucial de seu artigo “Designers negros perdidos em ação” continua sendo muito relevante atualmente, mas teme que daqui a mais 30 anos este problema ainda seja tão recorrente quanto hoje.

5. Gail Anderson

Primeira mulher afro-americana a ganhar o Prêmio Nacional de Design pela Lifetime Achievement

Gail Anderson é uma designer gráfica apaixonada por tipografia, escritora, empreendedora e professora, nascida em 1962 na cidade de Bronx, Nova York. Seus trabalhos ajudaram a moldar e impulsionar a comunidade de design em todo o mundo nos últimos 30 anos e seu currículo é excepcional, com direito a menções de lugares extremamente relevantes até os dias de hoje:

Na sua infância brincava de colagem e, já crescida, ela começou a olhar para o design gráfico como um possível campo de carreira. Ela se formou muito cedo em 1984 na School of Visual Arts em Nova york, tendo obtido sua graduação em Belas artes — foi aluna da Paula Scher (designer e educadora renomada de Nova York). Depois de se formar, Gail trabalhou como designer na Vintage Books, na Random House e depois na Boston Globe Sunday Magazine de 1985 a 1987. Entre 1987 a 2002, ela trabalhou na Rolling Stone e em 2002, ela se tornou a diretora de criação da SpotCo uma agência especializada em publicidade para artes e entretenimento, onde permaneceu até 2010. Depois juntou-se a Type Directors Club, onde atuou como diretora Geral de 2014 a 2016. Também já foi conselheira consultiva da Adobe Partners by Design e da Society of Publication Designers.

Gail trabalhou como designer na revista Rolling Stone durante 15 anos (1987 a 2002), onde se tornou diretora de arte sênior

Alguns de seus principais projetos.

Anderson já recebeu diversos prêmios importante da indústria de design incluindo a Society of Publication Designers, Type Directors Club, The American Institute of Graphic Arts (AIGA), The Art Directors Club, Graphis, Communication Arts e Print. Além disso seus trabalhos estão nas coleções permanentes do museu Cooper-Hewitt, National Design Museum, Library of Congress e nos Arquivos de Design Milton Glaser da School of Visual Arts. Ela já foi destaque em diversas revistas tais como: Computer Arts (Reino Unido), DesignNET (Coreia), kAk (Rússia), STEP Inside Design e Graphic Design USA.

Gail é autora de vários livros de design gráfico e tipografia e já colaborou com Steven Heller (diretor de arte e jornalista de grande influência na área) e atualmente é diretora criativa, professora de ensino médio, graduação e mestrado em design gráfico na School of Visual Arts em Nova York. É sócia do estúdio de design Anderson Newton Design com Joe Newton e também membro do Citizens Stamp Advisory Committee. Além disso, faz parte do conselho consultivo do Adobe Design Achievement Awards.

Viewbook da Escola de Artes Visuais de Nova Iorque.

6. Eddie Opara

Duas vezes nomeado pela Fast Company entre as 100 pessoas mais criativa no mundo dos negócios

Eddie Opara é um designer multifacetado, nascido na cidade de Wandsworth, Londres em 1972. Estudou design gráfico no London College of Printing e na Universidade de Yale, onde obteve o grau de Mestre em Artes Plásticas em 1997. Ele começou sua carreira como designer na ATG e Imaginary Forces e trabalhou como diretor de arte no 2 x 4 antes de criar seu próprio estúdio, o The Map Office, em 2005. Em 2010, ele se juntou ao escritório da Pentagram em Nova York como sócio.

Opara é bastante eclético. Seu trabalho engloba estratégia, design e tecnologia. Seus projetos incluem: experiência do usuário, interface do usuário, arquitetura interativa, design de fontes, design de embalagem, web design, design de livros, instalações interativa, visualização de dados, design de identidade visual, design de exposições. Segundo ele: “o destino me trouxe para os Estados Unidos e me deu a oportunidade de fazer meu próprio nome”.

Ao longo da sua carreira, Opara ganhou inúmeros prêmios, incluindo um Gold Cube do Art Directors Club and honors da D&AD, The Society for Experiential Graphic Design (SEGD), Type Directors Club, Tokyo Type Directors Club, American Institute of Graphic Arts (AIGA). Seus trabalhos estão na coleção permanente do Museu de Arte Moderna e apareceu em diversas publicações, chegando a ser mencionado por revistas como Wired, Fast Company, Creative Review, Archis , Surface e Graphis.

Livro “Color Works — Best Practices for Graphic Designers” lançado por Eddie Opara.

Opara é crítico sênior da Escola de Arte da Universidade de Yale . Ele lecionou em diversos lugares entre eles: Escola de Design de Rhode Island, Escola de Arquitetura da Universidade de Columbia e na Universidade das Artes, na Filadélfia. Ele é um membro respeitado na conceituada sociedade de design Alliance Graphique Internationale e também já foi nomeado como uma das 100 pessoas mais criativos no mundo dos negócios pela Fast Company em 2012 e 2014. Foi destaque na Ebony Magazine e na Adweek’s Creative 100. Recentemente, escreveu um livro intitulado “Color Works, publicado pela Rockport e trabalhou na reformulação de toda a linguagem de design de interface do Samsung S8.

Iconografia: parte do projeto de reestruturação da linguagem visual para a interface do Samsung S8 que Opara ajudou a construir.

Os olhos não vêem, mas o coração sente

Como disse Eli Kince, designer e historiador: “a escassez de profissionais negros de design não apenas significa que existem poucos modelos para jovens designers negros, mas também, menos oportunidades de emprego”. Tomar ciência da nossa cultura e de quem fez, e ainda faz, pelo fortalecimento dela, é fundamental para superarmos os desafios de sermos negros em um país institucionalmente racista, e profissionais de design em ambientes extremamente elitizados.

Infelizmente, muitos designers negros incríveis, clássicos e contemporâneo, estão desvanecidos no ambiente acadêmico e na indústria criativa devido a desvalorização profissional recorrente ao racismo, mas não devemos cessar nossos esforços pela busca dessas referências através dos livros e conteúdos pela internet. Se você é apaixonado por Design Digital e questões raciais, junte-se a nós no nosso grupo do facebook Design Digital para Negros na construção de uma comunidade de design mais consciente e diversificada.

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O “Designers Negres no Brasil” quer reunir milhares de profissionais com objetivo de estimular ainda mais a visibilidade nacional de designers pretos e pretas.

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