Notas

Danilo Bortoli
Ad Hoc
6 min readSep 21, 2014

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Trechos de textos que postei, recentemente, em blogs separados por aí fora na internet. Posto os mesmos aqui de novo porque acho que merecem contexto e um CSS melhor.

É um dia comum, como quase todo dia.

A luz do quarto está apagada, e a do monitor deixa a gente com as “papadas iluminadas”, como um texto que li esses dias faz questão de deixar claro e de dizer que isto é algo vergonhoso, que deveríamos evitar algo assim.

O cão está dormindo — e é só isto o que ele faz, o que ele sabe fazer. Nada mais. Nada menos.

Esperando que a hora certa chegue. A minha hora. Não a dele.

Alguém já escreveu um livro sobre esperar, não é mesmo? Um livro definitivo sobre o ato de esperar, melhor dizendo. Que não seja um livro de Kafka (que Deus me livre), e sim um do Heidegger. Aquele sujeito sabia esperar.

Algo que se aprende. Assim como se aprende a escrever à meia luz.

A cada dia que passa, eu fico mais convencido de que escrever sobre determinado assunto não tem a ver muito com o conhecimento deste determinado escopo, desse assunto. Não digo que as pessoas que escrevem a respeito de música, por exemplo, não devem conhecer música — muito pelo contrário aliás. Digo, porém, que não é um conhecimento que deve ser restrito ao assunto. Citando as professoras mais progressistas do Ensino Fundamental, esta é uma “atividade multidisciplinar”.

Para escrever, é preciso não somente ter um domínio intelectual, mas também, físico e emocional sobre a paisagem que se quer pintar com as palavras. Digitação e caligrafia requerem controle emocional, assim como a via da abstração para o concreto que requer controle ideológico de si mesmo, para que extremismos não sejam facilmente feitos.

Escrever requer uma ideia de mundo e ela não vem facilmente. Conheço gente que quer escrever sobre as montanhas sem nunca ter saído do quarto. Na verdade, retifico: criar (roubar da consciência de outrem em outro momento) algo, qualquer coisa, requer entendimento estético ainda. Entendimento este que transcende o ser em si próprio.

Uma amiga da época do Ensino Médio, com quem eu mal falo já faz um dois anos, compartilhou no Facebook um quadrinho pró-governismo, no melhor estilo Dilma Bolada, com a presidenta dizendo, em um de seus quadrados, que iria naturalizar todos os estrangeiros que estivessem no Brasil durante a copa, e que a “taça fica aqui”, numa referência clara à goleada que o Brasil sofreu da Alemanha no último dia oito. No último quadrinho, lia-se “vlw flws”, linguagem comumente usada nas redes sociais.

Tudo aquilo me lembrou muito da recente conferência online que o Olavo realizou dia desses, reunindo membros da direita liberal (que nada têm de conservadores), discutindo o papel do humor na política.

Não tinha nada de engraçado nos dois acontecimentos acima.

Lendo Tratado de Psicologia Revolucionária, de Samael Aun Weor, e percebendo que a gnose dele não é aconselhável a ninguém. Nem mesmo a ele próprio.

O ar na cidade agora, em pleno dia de jogo do Brasil na Copa de Mundo, está mais seco, está mais pesado devido ao frio.

São nestes momentos que você percebe — o simples andar para fora de casa para resolver problemas casuais — a poluição dos carros e caminhões batendo bem na sua cara. Aquele ar quente que resiste em sair do seu rosto.

Penso, agora, sobre a questão da desordem, algo que um pessoal no Tumblr e do WordPress adora comentar (postular seria uma palavra melhor ainda) com — olha só! — ares de propriedade.

Não falo de uma desordem que chame a noção mais conhecida do brasileiro médio de caos — um monte de gente não sabendo o que fazer, o que enfim “sentir” em determinado lugar –, mas de uma condição estética mesmo em primeiro lugar.

No meu bairro, vejo estes resquícios de uma tradição que já se prostituiu ao progressismo e ao liberalismo. Não só porque tudo é feio, como boa parte da cidade — corrijo: toda a cidade, a cidade em si (se preferir assim) — mas porque há uma demonstração de crescimento exacerbado em todos os cantos (o que, enfim, contribuiu para a contaminação da paisagem). Lembro de uma citação que separei há um mês, mais ou menos, que fala de maneira interessante da questão dos carros e, consequentemente, do urbanismo que nos é jogado na cara todo dia.

The people who built the cars and the roads didn’t intend for this to happen. Perhaps they didn’t feel they had a say in the matter. Maybe the economic interests promoting car culture were too strong. Maybe they thought this was the inevitable price of progress. Or maybe they lacked an alternative vision for what a world with cars could look like.

(De uma palestra chamada The Internet With a Human Face. Vale a pena ler tudo aqui.)

Não é que carros são essencialmente uma forma ruim de condução. É que não sabemos mais como lidar com eles sem que nos tornemos escravos dessa locomoção. Não conseguimos — e aí está a palavra chave: — imaginar uma vida sem que estejamos presos a um.

Foi quando o homem perdeu o contato com a terra e com sua natureza que ele perdeu o contato com si próprio.

Então o ar está mais pesado porque está mais frio, o mais incauto pensaria.

Um tanto triste (porém extremamente natural e esperado e previsível) é perceber que a crítica de música hoje no Brasil seja uma mistura de popismo com banditismo.

Não conhecia o Letters of Note, preciso dizer — foi deles que tirei o post abaixo, a citação de Gary Provost.

Ainda, acho idealista a mensagem deles — a preservação de um formato de texto (acima de tudo, a carta não é um meio a algo, é um formato de texto. O que também me faz pensar que a carta hoje em dia tenha perdido sua forma de conseguir sobreviver. Pelo menos somente suas características primordiais conseguiram sobreviver ou se tornaram outros tipos de mensagens na internet: a demarcação exata de um lugar no espaço-tempo e algum tipo de saudação. Mas já passamos da era de correspondências que lembram a melhor Literatura, a que revela personalidades de formas nunca antes vistas.

Tina Fey é um exemplo desta decadência.

Meu cachorro, um shitzu por vezes bastante divertido, às vezes meio tímido e antissocial (puxou um dos donos, eu acredito), voltou há duas semanas com o pelo do corpo praticamente todo cortado. Deixaram só dois dedos. O choque foi imediato e, enquanto o cara do pet shop tirava o coitado da pequena jaula, pronto para ser entregue em casa, eu lutei para não dar uma risada bem diante do moço.

Liguei para minha mãe prontamente, avisando o que ela veria quando chegasse à nossa casa. Tentei evitar um eventual infarto. Enquanto eu dizia o que eu deveria dizer, não consegui esconder algumas risadas enquanto olhava o cachorro. “Danilo, você está rindo ou chorando?”, ela perguntou no telefone. Desliguei.

“Então, ele parece que está doente”, meu pai disse mais tarde, à noite, no mesmo dia.

“Vou processar a mulher do pet shop, vocês vão ver”, minha mãe prontamente avisou.

Até agora ela não quis ligar para a moça do pet shop, dizendo que, se, no caso dessa ligação ocorrer, seria a minha mãe a verdadeira processada por difamação.

Meu pai alertou para o fato de que o inverno seria rigoroso com um cachorro (tão pequeno como o nosso por sinal) sem muito pelo e com pele muito exposta. Quando avisei ele pelo telefone, a primeira coisa que ele gritou foi “Mas eu avisei que (…)!”.

Dia desses, ele soltou a pérola: “Será que o pelo dele está crescendo ou a gente está se acostumando com o pelo dele assim agora?”

Às vezes eu penso que meu pai é um gênio disfarçado.

Deixei, sem querer, minha cópia de Vontade e Potência cair na poça recém-formada de urina do meu cachorro.

“Serviu bem ao propósito”, pensei.

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