A naftalina, a feiticeira e o guarda-roupa

Jéssica Motta
De cara com a vida
Published in
5 min readFeb 10, 2014

--

Cresci num ambiente onde as pessoas são acostumadas a dizer “por favor”, “obrigada”, “com licença”.

Simplesmente foi assim. Sorte, ou azar, foi assim. Talvez isso explique o fato de eu gostar das coisas certinhas com inicio, meio e fim. Cada coisa em seu lugar, sem bagunça sentimental, sem sobreposição de sensações. Uma de cada vez, pedindo licença pra passar e agradecendo ao universo pela oportunidade. Não sei se isso me faz uma pessoa que vive melhor. Porque essa é a minha preocupação específica de cada vez que eu descubro algo sobre mim mesma. Isso me faz viver melhor? — Pergunto. Se faz, fica, se não faz, fica também, mas que peça desculpas.

Lembro de quando eu não tinha que arrumar as coisas em mim. Quando as coisas cabiam tranquilamente, com espaço pra se mexer e até fazer um free step. Era ótimo. Hoje, o espaço ta ficando raro, e eu sou obrigada a fazer faxinas semanais, como alguém que bota tudo pra fora do armário, vez por outra, pra colocar de uma maneira mais aerodinâmica, trocando as prateleiras. Era mais simples viver. Mas na verdade a facilidade vinha pelo simples fato que eu possuía menos coisas. Não tinha nada de genialidade na organização, apenas colocava tudo pra dentro porque cabia. Hoje é diferente. Sou um tanto consumista. Com surtos frequentes de compras no shopping. E depois de muito tempo, só enfiando tudo pra dentro sem pensar muito na logística, tá ficando inviável.

Eu tenho blusas que nunca usei, saias plissadas que obviamente não me caem bem, vestidos que comprei só porque estavam na liquidação, tudo, até uma pulseira que comprei na praia porque a vendedora era bonita. Agora tá tudo pulando na minha cara, coisa por coisa. Cada vez que eu mexo em uma, derrubo a pilha. Isso tá me deixando louca.

Hoje acordei me sentindo aquela naftalina esquecida no meio das minhas meias. Aquela que faz o que tem que fazer, mas ninguém nota. Esbranquiçada, feia, meio desmanchada pelas intempéries em geral. Aquela sou eu, desde o momento em que eu acordei, aliás, desde ontem a noite, até o presente minuto. Fazia tempo que eu não tinha essa sensação. Sensação chata, inútil, mas nunca infundada. Acontece que eu me bloqueei tanto pra determinadas coisas, que fechei um ciclo mais que vicioso, ao redor de exatamente aquilo que me bloqueou. Me fechei pra tudo, mas aquelas velhas necessidades, que todo ser humano tem, eu ainda tenho, e nutro sem sair da bolha. Falsa comodidade. E o engraçado é eu não fingir que não tenho necessidades, mas ao invés disso, simplesmente as nutro com o que tenho. Porém, o que tenho, além de acabar, não é o que eu preciso. Vivo numa espécie de casa feita de doce de João e Maria, que sobrevivo comendo as paredes. Minha diabetes já está lá em cima, além de que, não é preciso muita inteligência pra perceber que se eu comer as paredes, a casa mais cedo ou mais tarde vai abaixo. O problema principal é, não sei como eu saio disso. Quem conhece a história bem sabe que há uma bruxa que tranca a casa de doce. Sabe qual o nome dessa bruxa? Jéssica.

Pois nessa logística toda eu me encontro. Trancada numa casa feita de doces, me alimentando das paredes, tendo surtos de consumismo comprando pela internet, enfiando tudo num armário, provavelmente feito de marshmallow (decidi que sim, a metáfora é minha, eu que mando), sendo que eu sou ao mesmo tempo a bruxa, a maria, a naftalina velha do armário, a casa, o armário propriamente dito, e também, porque não, o joão, já que há um moleque dentro de mim que me leva a fazer infantilidades sempre que tenho oportunidade.

Agora, dá pra viver assim? Lógico que não. Eu, novamente, cheguei a um pit-stop vital de não aguento mais. Não tenho forças. Hoje, na minha bolha de auto-proteção, não tenho mais de onde tirar o que eu preciso, não sei mais como precisar do que eu tenho.

Eu, na minha auto-psicanálise, culpo meus pais. Por me criarem nesse ambiente de coisas em seu lugar, ao menos nesse aspecto específico, e por isso eu esteja tão desesperada, com uma superlotação de metáforas em mim.

Eu gosto de saber o que há, de saber onde estão as coisas, de conseguir puxar uma só e não mexer nas minhas bases. Com muita gentileza, obrigados e com licenças. De fazer uma metáfora e não puxar três, pra que elas possam ao menos fazer algum sentido. Talvez esteja na hora de eu puxar tudo pra fora do armário, matar a bruxa sufocada com alcaçus, tirar essa foto de naftalina que tá no meu espelho, derrubar de uma vez essa casa de chocolate. Talvez esteja na hora de subir na asa delta e voar até o rio de janeiro pra ver a praia, e aquelas velhas manjubinhas fritas, que eu deixei pra trás. Ah, quanto sucesso eu já tive! Lembro do dia que comi as manjubinhas fritas, a agonia que me habitava, e o tanto que eu evoluí desde lá. O problema, é que assim como o rio de janeiro foi uma fase de um jogo de videogame, essa casa de chocolate também é, e o armário é o chefão, esse que eu tenho que aprender a combinação de botões pra enfrentar. A solução é eu aprender a sair das fases, do mesmo jeito que eu entrei: andando em frente.

Da minha maneira organizada e ordinária, vou por tudo pra fora, quebrar tudo, até o que já foi quebrado ultimamente. Vou esmigalhar, pisar, chutar. Como uma forma de mostrar pro universo que to pronta pra faxina. Pronta pra sair de casa. Cansada dessa quarentena que eu mesma me coloquei. Foi uma fase, positiva, como todas, no fim das contas. Mas uma quarentena por mais de quarenta dias não é uma quarentena, é prisão domiciliar.

Mesmo me sentindo assim, eu vou seguir o caminho que eu trilho. Ou achar outros. Mas não esquecendo de caminhar. Caminhando, em frente, nas fases do Tomb Raider, com vários Big Mc’s pra emergências, manjubinhas fritas, sem Pous, sem mochilas nas costas, só pochetes leves, tudo isso naquele mapa mental, juntanto o já percorrido com o que há de vir.

Como diz minha musa inspiradora Pepe Legausky, assim que é bom, assim que é bonito. E bonito do meu jeito, aquele jeito que faz eu viver melhor. Aquele jeito que pede licença, desculpa e agradece o universo pela oportunidade.

--

--