Mentirosos anônimos

Jéssica Motta
De cara com a vida
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4 min readOct 1, 2013

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Oi, meu nome é Jéssica.

Saio arranjando problemas pra cobrir o problema real. Vocês também?

Eu sei exatamente o que tá me incomodando mas procuro outros problemas, inúmeros, só pra poder dizer que aquilo é o que me aperta o peito, aquilo sim, que é digno de preocupação, é o fundo da minha dor.

Pena que eu sei que não é.

Não sou uma boa mentirosa. Vai ver faltou eu praticar um pouco com outras pessoas, pra poder usar comigo mesma, e funcionar. Minto pra mim o tempo todo, ao mesmo tempo que sei que é mentira. Continuo mentindo.

Aliás, eu minto tanto pra mim mesma, que tá chegando uma fase que eu acho que to tri bem, acima de tudo isso, mas não sei se essa sensação não é só mais uma das mentiras que eu contei. Será que eu to bem por acreditar nas minhas mentiras ou to realmente bem? Não sei.

Não sei até aonde eu to realmente passando viva pelo campo minado, ou se o campo é só uma historinha que eu inventei pra me sentir heróica.

Não sei até onde eu realmente to pronta pra viver outra coisa, ou disse isso pra mim mesma, pela simples matemática do tanto de tempo que passou já e o tanto de ridícula que eu seria se ainda não tivesse em outra vibe lá na frente.

Me perdi nas minhas mentiras. Achei que mentir pra mim mesma não fosse ruim igual é mentir pra outras pessoas. De fato é, e muito pior. Não minto bem, não sei acreditar nelas, e no final não sei limitar o que era mentira no início e o que se tornou verdade no fim, ou o que era verdade no início e se tornou mentira no fim. Da pra entender?

Onde eu fiquei nisso tudo? O que é verdade e o que é mentira, me diz.

Eu tava certa das minhas verdades e do nada um aperto no peito joga tudo pro alto?

O tempo é uma coisa engraçada. Não apaga nada, não muda de foco nada, isso é tudo besteira de tumbrl. O tempo, em cada pessoa afeta diferentemente. Pra mim o tempo tem uma função de me fazer enxergar que é possível conviver com certas coisas, certas sensações, certas lembranças. Só isso. Vai passando o tempo e as lembranças vão se misturando com esse presente contínuo que a gente vive. É como uma limália de ferro misturada na areia, a gente nota que são duas coisas diferentes mas elas ficam ali misturadas, enquanto a gente pisa, e a limália misturada na areia já não machuca tanto quanto machucava quando a gente pisava nela sozinha.

Noites de hoje são como imãs bipolares, que a gente insiste em passar na areia pra atrair alguma limália que tá ali misturada. Do nada a gente escuta aquela música que há meses não escutava, pensa em coisas que já tinha acostumado a pensar diferente. Isso vai puxando a limália pra perto, separando da areia. Em resumo, retrocedendo um processo de meses, em horas.

A limália e a areia na minha vida se misturaram tanto, que já não sei se consigo admitir que elas tão realmente misturadas. Não sei se tudo isso não é uma mentira que eu inventei, existe areia, limália, imã? É real?

To com dificuldade de admitir coisas que já superei e coisas que ainda tão por superar. Porque muito já menti que tinha superado, quando não tinha. E muito menti que não tinha superado, quando tinha. Agora virei uma mentirosa ridícula, daquelas histórias que minha mãe contava sobre a menina que mentia que estava se afogando, até que quando se afogou de verdade ninguém acreditou.

Essa mentirosa aí sou eu. To pedindo pra não me afogar, mas eu mesma já não acredito em mim. O resultado, é um dia como o de hoje.

Vou por os pingos nos i’s. Vou puxar toda a limália da areia só pra saber quem é quem, pra depois misturar de novo. Só de sacanagem.

Odeio semi-superamentos, semi-progressos, pseudo-evoluções. Ou evoluo, ou não. De que adianta eu inventar uma graduação e me formar laureada nela? Preciso me graduar de verdade.

Quem sabe o primeiro passo seja parar de arranjar mil problemas que não existem pra cobrir o real problema. Quem sabe eu pare de fazer igual a minha cadela Paçoca que acha que a garrafa vazia revida quando bate no chão e faz barulho. Vai ver ela mente pra ela mesma também, por não aceitar que a garrafa é só um plástico sem vida.

Daqui em diante aceito que não preciso estar 100% pronta pra tudo, só preciso estar pro que já estou, e não pro que minto pra mim mesma que estou. Aceito que preciso parar de mentir. Vocês também?

Oi, meu nome é Jéssica.

Oi, Jéssica.

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