Negócios negócios, amigos à parte

Jéssica Motta
De cara com a vida
Published in
4 min readOct 25, 2013

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Parece que eu sou um andarilho numa freeway.

Quanto tempo demora pra uma pessoa aprender com os próprios erros? E, vou além, quanto tempo demora pra uma pessoa aprender com os erros dos outros? Vou mais além ainda, quanto tempo demora pra uma pessoa aprender com os erros dos outros, que nos afetam direta e negativamente?

Fui tanto além que perdi a resposta. E é exatamente assim que me sinto. Perdida de tanto cavocar perguntas, e as primeiras respostas já estão cobertas de areia novamente.

Um andarilho que, numa freeway, carrega consigo tudo que lhe é vital, é um andarilho preparado, teoricamente. Somente carrega o essencial, mas ainda assim carrega algo, e isso pesa. Mas toda vez que ele sente o peso de seus utensílios, lembra do quanto precisará deles mais adiante.

Minha vida nada mais é do que uma caminhada pela estrada, onde admiro a paisagem enquanto tento não morrer de insolação, fome e sede. Por isso levo bolsas.

Sempre tive esse intuito juvenil, de querer carregar pessoas comigo, que julguei em algum momento, amigos de verdade. Sabe essa coisa de querer ter aquele amigo de infância pra vida toda? Infantil, né. E raro. Sempre fui apegada aos meus amigos mais antigos, de querer levar todos comigo, pra repartir todas as experiências. Se esse ou aquele não estivesse presente em um acontecimento importante, já não me valia tanto. Que graça tem só contar, ao invés de presenciar, certo? Errado. Muito errado. Mas nem tudo que é errado pra mim, será errado pra todo mundo. Essa está sendo uma placa de “Pare” que eu, andarilha, estou encontrando em cada esquina. E aprendendo a prestar atenção nelas.

Sempre fui o tipo de andarilho que não importa o tamanho da bolsa que eu leve, prefiro carregar pelo caminho, do que seguir despreparada. Há bolsas que eu tenho levado a vida toda, e só agora percebo que não há necessidade delas. Como? Perdendo sem querer pelo caminho.

Antes fui de fazer o possível por quem eu considero amigo de verdade. Até eu enxergar que as pessoas pensam nelas em primeiro lugar. E não julgo, penso em mim também. Preciso aceitar isso, e passar a pensar mais em mim do que ando pensando. Dispensar as bolsas pela estrada, pra que eu possa andar mais leve.

Nessa estrada em que ando, estava tão acostumada a carregar várias coisas comigo, que a cada perda foi um desespero. Minha primeira grande bolsa que perdi, chorei muito. Não aceitei, voltei pelo asfalto procurando, fiz de tudo. Até aceitar que havia perdido mesmo, e que agora outras mochilas que eu tinha, e outras que ia encontrando pelo caminho, iam fazendo o mesmo serviço sem deméritos.

Segunda bolsa importante que perdi, era bonita, era a minha cara (lindíssima), onde eu ia, ela ia. Do nada, perdi também. Num descuido o vento arrancou do meu ombro, e, novamente, sofri pela perda. Mas já não engatinhei asfalto afora, não liguei pra polícia. Apenas, segui, mas com a bochecha molhada.

Minha última bolsa perdida, digo-lhes, foi sem dúvida a mais dolorida. Era aquela bolsa que eu levava grudada ao peito, transpassada, cheia de cintos. Um ciclista transeúnte arrancou de mim. Numa velocidade devastadora, quase me levou o ombro junto. Essa bolsa, minha gente, foi a única de todas as coisas que levo comigo, que achei que jamais perderia, e perdi. Essa é a vida.

Podem achar que estou aqui pra me lamentar, reclamar, jogar indiretas analógicas, mas muito pelo contrário, estou aqui justamente confirmando que aceitei. E que desabafo meus pesares e aceitações num editor de texto, como sempre foi.

Eu, andarilha, pela freeway, carrego hoje somente o necessário. As bolsas que perdi, aceitei. E as que não perdi, eu mesma joguei pela estrada. Sabe porque? Ando mais leve. Só com o peso (considerável) do meu corpo, daquilo que me mantém viva.

Chego em alguma esquina e acho uma mochila que me ofereça alimento, quem sabe uma cerveja, uma companhia por uns dias, e com todo prazer faço uso. Mas não levo pra mim, pensando que até o fim da estrada estarei com ela, que ela vá fazer parte de mim. Da minha história talvez faça, vou lembrar daquela esquina em que aquela mochila me foi de grande valor. Mas não mais tento agregar esse valor pra mim. Valor daqui até o fim da estrada, está só em mim.

É ótimo andar leve. Depois que passa o choque inicial de tanta perda, a gente percebe que na verdade isso faz parte da vida. E que bom que passei por isso aos 22 e não aos 40.

Quanto tempo demora pra alguém ver a diferença entre verbo “ser” e “estar”? 22 anos? Mais? Tanta coisa ainda vai me levar mais 22 anos pra eu aprender. Fico muito satisfeita de ter apanhado muito pra aprender uma coisa difícil agora, mas quanto antes melhor, ao longo dos anos os aprendizados são mais traumáticos.

A gente vai vivendo e aprendendo a lidar com a vida e não a vida lidar com a gente.

A gente vai vivendo e vendo que a graça da estrada é andar e não carregar coisas até o fim.

O aprendizado é decidir se bastar. Eu sou a minha própria festa, e quem quiser fazer festa comigo, será muito bem vindo. Cada esquina tem algo pra me oferecer e eu sou uma andarilha que deixou tudo na estrada, ou seja, não tenho escolha a não ser aproveitar ao máximo tudo que me é oferecido.

Esse é meu rumo, meu objetivo. Andar leve, precisando só do que tenho. Essa é a diferença entre mim e um andarilho. Tenho um rumo. Tirando, é claro, que eu tomo banho.

Parece que eu sou um andarilho numa freeway. Mas só parece.

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