A nova Tv pautando a velha tv

Tarcila Ferreira
De cara para o sol
Published in
3 min readJul 23, 2018

Comédia nacional: ver ou não ver? eis a questão!

Quem é um espectador mais assíduo da Netflix deve ter notado a chegada recente de uma nova série brasileira no catálogo, que estreou no dia 6 de julho — ou não, talvez ela tenha chegado sem muito barulho. Quando me deparei com a foto no catálogo fiquei curiosa e ao mesmo tempo com aquela preguiça de comédia nacional…

Pois bem, resolvi assistir. Esta primeira temporada da comédia Samantha! traz um elenco conhecido pelo público (seja da comédia ou não) entre eles, Emanuelle Araújo, Douglas Silva (o ‘acerola’ de Cidade dos Homens) e Alice Braga. Traz também um texto simples e carregado de ironia, com mensagens diretas sobre o que retrata.

A trama conta a história da personagem que dá título à série (Emanuelle Araújo), uma ex-estrela infantil do entretenimento dos anos 80 que tenta a todo custo voltar aos holofotes. Junto com ela, outros personagens que também já tiveram fama e hoje lidam com o anonimato e as sombras deste passado — inclusive sombrio também é uma palavra muito definidora de alguns momentos da trama (vide cena do programa de tv no último episódio). Além destes, existe Laila (Lorena Comparato), personagem que é digital influencer e representa esse entretenimento volátil e produção de conteúdo da contemporaneidade.

A série faz esse retrato de uma sociedade muito pautada pelo entretenimento e a efemeridade dos conteúdos e ‘disfarça’ esse sopro de realidade com personagens bem caricatos (alguns meio toscos e sombrios) e linguagem cheia de ironia (vide Laila).

Através do velho recurso dos flashbacks, Samantha! mostra os bastidores dos programas de tv aberta fictícios da série dos dias atuais e dos anos 80. Isso me fez perceber que, no fundo, dos anos 80 para cá os objetivos da TV brasileira continuam os mesmos, e seus discursos grotescos só aparecem um pouco mais disfarçados para a grande massa.

A morte da TV aberta brasileira, Bozo e Black Mirror

Ao mostrar os bastidores do programa de TV dos anos 80, do qual Samantha! era a estrela, e toda a história da vida outros personagens desse programa nos dias de hoje, essa série me fez lembrar de uma outra produção nacional, a comédia dramática Bingo, o rei das manhãs, estrelado por Vladmir Brichta, que conta a história dramática da vida de Arlindo Barreto, o homem que interpretou um personagem famoso real da nossa TV: o palhaço Bozo. Um filme que mostrou o lado sombrio da produção de conteúdo para crianças na época do palhaço e também nos ajuda a enxergar como é era e ainda é pautada a Tv aberta brasileira.

Bem… lá nos primeiros episódios de Samantha!, o personagem Marcinho (Daniel Furlan) afirma que a televisão morreu. Bom, se não morreu, está na UTI há um bom tempo, respirando por aparelhos e apelando para todos os recursos para se manter viva (no que diz respeito a conteúdo, pelo menos).

A programação pensada para a TV aberta brasileira hoje em dia ainda conserva os programas de auditório, calouros, reality shows, inspirados em formatos da TV aberta gringa e seus participantes têm características moldadas a partir da audiência. Como um grande espetáculo sádico, a televisão hoje ainda reflete muito em sua programação aquilo que o um público burro e perverso quer assistir: miséria e/ou chacota alheia, sangue, sexo e muito humor grotesco e preconceituoso — tudo isso um pouco mais bem lapidado, para que passe despercebido.

Ah… e ainda lembrei de outra referência de série que traz essa relação público-consumo-produção de conteúdo (mas com outra perspectiva, talvez). Para quem já assistiu a série Black Mirror, o episódio ’15 milhões de méritos’ mostra exatamente essa realidade, sobre o tipo de conteúdo que move o público, tecendo uma crítica ao que o telespectador tem consumido hoje em dia.

Por: Tarcila Ferreira

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Tarcila Ferreira
De cara para o sol

Comunicadora (Jornalista) | Canceriana, poeta (talvez), caminhante e mística