Crônicas da vida - Vamos (amadure)ser!

Tarcila Ferreira
De cara para o sol
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2 min readJul 31, 2018

Prosa

Ao nascer somos batizados. Batizados com água, batizados com uma religião pré definida, batizados com ideias, com roupas, com costumes, manias, comportamentos, condicionamentos, normas, crenças, orientação sexual… Nos vestem de seres que não somos nós. E como se não bastasse, nos doutrinam a ser este outro ser.

Chega a um ponto em que estamos vestidos de tanto outros seres, que no espelho é difícil enxergar nosso próprio reflexo. É difícil enxergar o que, de tudo aquilo ali que está refletido, é seu de verdade. De tanto olhar e conviver com este ser que nós somos, vamos nos cegando gradualmente aos nossos próprios sinais; vamos deixando de ouvir nosso próprio pensamento; deixando de falar nossa própria voz; paralisando os músculos do nosso próprio ser.

De certa forma, de diferentes formas, isso pode acontecer (ou acontece?) com todo mundo. As vezes vivemos no breu uma vida inteira, negando nosso ser e achando que há tempo para ser de verdade depois. Nos olhamos de longe, contemplamos nossa própria paisagem e admiramos a vista de outros seres que se são. Será que é mesmo tão absurdo ser quem se é?

Quando finalmente vamos acordando deste pesadelo, sentimos medo. Sentimos cansaço. Mas, sobretudo, sentimos fome e sede de si. Partimos direto para o espelho e começamos a ver os fragmentos do nosso ser aparecendo. Vamos caminhando, se espreguiçando, trocando de pele… tocamos nosso próprio corpo como quem ganha um grande presente.

E, a partir daí, a nossa próxima batalha é defender este novo ser. Lutar por tudo que ele é, mantê-lo de pé, impedir que queiram nos batizar novamente. A cada fase da vida vamos defendendo nossos novos seres. Começamos a nadar contra a maré de um tempo voraz que quer nos comer vivos e seguimos cotidianamente com esta missão. Vamos (amadure)ser!

Por: Tarcila Ferreira

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Tarcila Ferreira
De cara para o sol

Comunicadora (Jornalista) | Canceriana, poeta (talvez), caminhante e mística