A queda do Reino do Norte

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
5 min readDec 13, 2019

Quando o contexto histórico vem a cavalo

Emanuel Müller-Baden (ed.), Bibliothek des allgemeinen und praktischen Wissens, I, Berlijn-Leipzig-Wenen-Stuttgart, 1904

A força assíria é, antes de mais nada, militar: pela primeira vez a cavalaria é usada como força de assalto, concomitantemente ao uso já difundido dos carros de guerra. [1]

Não é exagero dizer que o contexto regional e histórico chegou a cavalo. O desenvolvimento militar da Assíria faz com que toda a região se coloque em estado de alerta. A atuação dos profetas Isaías, Miqueias, Oseias e Amós nos dão uma boa dimensão de como a situação estava na região. Rumores de guerras e rebeliões tomavam conta de Israel e Judá. O Reino do Norte é o primeiro a ser invadido, não à toa, afinal, no meio de rotas comerciais e com grande influência com os vizinhos, Israel era uma conquista estratégica para qualquer invasor, e a Assíria teve a ajuda do contexto interno para conseguir o que queria.

Rebelião, decadência e guerra

O fim do reinado de Jeroboão II, em 743 a.C., põe fim a um período de estabilidade em Israel. Toda estabilidade é sucedida por um período conturbado. Não foi diferente, num mesmo ano, 743 a.C., Israel teve dois reis assassinados: Zacarias e Selum. O primeiro governou apenas por seis meses, seu sucessor não chegou a ficar um mês no poder. Um período onde o cenário internacional está em transformação, mas dessa vez, não permite a calmaria desejada por Israel. O que se sucede são períodos de reinados mais longos, mas não tão duradouros. Manaem governa entre 743 e 738 a.C., é sucedido por Faceias, que fica uma ano no poder e é sucedido por Faceia, que governa de 737 a.C. a 732 a.C., sendo o último rei de um Reino do Norte relativamente independente.

É nesse período que, vendo a Assíria crescendo de maneira vigorosa, Israel tenta um último movimento para deter o avanço assírio: uma coalisão com Damasco e Judá. Mas Judá se recusa a entrar em guerra e, para piorar a situação de seus vizinhos, se coloca como estado vassalo da Assíria. Tal postura desencadeia uma guerra que duraria um ano. Isaías capítulos 7 e 8 estão dentro desse contexto histórico, incluindo o conhecido texto da profecia sobre Emanuel. Damasco e Israel tentam a todo custo depor Acaz (736–716 a.C.) do trono, mas não conseguem. Com o acordo de vassalagem de Acaz com o rei assírio, Israel e Damasco se veem enfraquecidos e não conseguindo impedir o inevitável: a invasão.

A queda passo a passo

Em torno de 745 a.C. Teglat-Falasar III chega ao trono assírio e, com ele, se desenvolvem técnicas novas de guerra e invasão. Em pouco tempo, seu reino será estabelecido por toda a palestina, chegando a ameaçar o Egito. E essa ameaça não é infundada. A ferocidade e a intensidade dos ataques assírios são narradas em Isaías 5.27–30 e nos dão uma dimensão de seu poderio:

Não se cansarão nem tropeçarão; ninguém descansará nem dormirá. Nenhum cinto estará solto, nenhuma correia de sandália se arrebentará. Suas flechas estarão afiadas, seus arcos, prontos para a batalha. Os cascos de seus cavalos soltarão faíscas, as rodas de seus carros girarão como um turbilhão. Rugirão como leões, como os leões mais fortes. Rosnarão e se lançarão sobre suas vítimas, e as levarão embora; ninguém poderá livrá-las. Naquele dia, rugirão sobre suas vítimas como ruge o mar. Se alguém olhar por toda a terra, só verá trevas e aflição; até a luz será obscurecida pelas nuvens.

A força e determinação dos Assírios resulta em medo dos reinos menores, que se rendem e se tornam estados vassalos, cedendo territórios e pagando altos tributos. Ao menor sinal de rebelião no reino dominado, o reino assírio intervinha, aniquilava tudo e colocava seus próprios funcionários no poder da região. Uma novidade no tipo de dominação assírio é a deportação sistemática de toda a classe dirigente da nação dominada. Não se trata apenas de uma simples deportação. O governo Assírio é pautado pelo medo, promovendo mortes, limpeza étnica e imposição cultural e religiosa.

Com Israel e Damasco dominadas, Teglat-Falasar III coloca no trono de Israel um certo Oseias (732–724 a.C.), um rei que é marionete das vontades assírias. Cansado dos desmandos assírios, Oseias tenta uma rebelião, contando com apoio egípcio, mas fracassa retumbantemente e é contido por Salmanazar V, sucessor de Teglat-Falasar III. Com Israel em constante estado de rebelião, o sucessor de Salmanazar V resolve a questão de vez. Sitia Samaria por dois anos e, em 722 a.C., invade e arraza com tudo, deportando cerca de 27 mil pessoas.

E o Reino do Sul?

Durante todo o período narrado, o Reino do Sul teve dois reis. Joatão (740–736 a.C.) e Acaz (736–716 a.C). Em 728 a.C. Ezequias passa a dividir o trono com seu pai, Acaz, promovendo assim uma transição mais tranquila. Durante todo esse período, os rumores de guerra e rebelião sempre assolaram Judá, mas conseguiu manter certa estabilidade política interna, sem grandes alternâncias de poder. Acaz teve a sensibilidade política de compreender que, tendo nas mãos um reino pequeno e pouco relevante no cenário regional, lhe era melhor se submeter à Assíria que tentar uma já condenada guerra contra tamanho poder.

O rei Acaz enviou mensageiros para dizer a Tiglate-Pileser, rei da Assíria: “Sou seu servo e seu súdito. Venha salvar-me dos exércitos da Síria e de Israel que estão me atacando”. Então Acaz pegou a prata e o ouro do templo do Senhor e dos tesouros do palácio e os enviou como pagamento para o rei da Assíria. (2 Reis 16.7–8)

Conclusão

Em 722 a.C. o Reino do Norte chega ao fim. Agora, ele é uma pronvíncia da Assíria chamada Samaria, com novos habitantes no poder, não israelitas, que trazem seus costumes e religiões. Está aqui a semente da divisão entre judeus e samaritanos relatada pelos evangelistas nos tempos de Jesus. Contudo, mesmo com forte influência assíria, o culto a Javé é mantido em Samaria. Se houve convivência e influência assíria no culto em Samaria, não foi diferente em Judá, onde Acaz, vassalo da Assíria, permite o culto a deuses assírios no templo de Jerusalém. A atitude estratégica de Acaz permite que Ezequias, seu filho, tenha um reinado mais forte, e por isso mesmo, mais ousado.

[1] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 11 de dezembro de 2019

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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