​A segunda revolta judaica

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
4 min readJun 16, 2021

Chega ao fim a presença e influência judaica na Palestina

Arthur Szyk (1894–1951). Bar Kochba (1927), Paris

O cenário político da Palestina ao final da revolta é bastante claro: toda a região estava sob intenso controle militar romano e, como sinal da autoridade imperial, os impostos que os israelitas pagavam anualmente para o Templo eram recolhidos como tributo ao templo de Júpiter Capitolino, em Roma, um grande insulto para qualquer judeu piedoso.¹

O fim do Templo, a dispersão de parte dos judeus, o massacre de mais de 600 mil, tudo isso parecia conduzir o Império Romano a destruir o judaísmo. Mas não foi o que aconteceu. As medidas tomadas por Roma visaram inibir qualquer tentativa de revolta. A fé judaica não foi perseguida, antes, tornou-se uma das RELIGIO LICITA, religião lícita, como ato de boa fé do Imperador e visando agregar e pacificar os judeus. Neste período os fariseus se tornam os guias espirituais e a vida religiosa fica centrada na observância e estudo da Torá. Na cidade de Jabne, ou Jamnia, às margens do Mediterrâneo, um grupo liderado por Johanan bem Zakkai desenvolverá uma nova identidade para o judaísmo sem o Templo. Fora da Palestina as hostilidades aos judeus não cessaram. Há registros de revoltas dos hebreus em Cirene, Alexandria do Egito e Chipre, todas ocorridas no reinado do Imperador Trajano (98–117 d.C.). Todas prontamente esmagadas pelas legiões romanas.

A oportunidade para uma nova tentativa de retomada da independência surge por volta de 130 d.C., por ocasião da decisão de Adriano (117–138 d.C.) em transformar Jerusalém em uma cidade romana, construindo um templo dedicado a Júpiter. Mais uma vez os judeus se rebelam e, liderados por Simão, iniciam uma revolta. O Rabino Aqiba, um dos mestres mais prestigiados em Israel naquele tempo, chamou Simão de “Bar Kokhba”, em aramaico, “filho da estrela”, em referência a Números 24.17: ‘Eu o vejo, mas não agora; eu o avisto, mas não de perto. Uma estrela surgirá de Jacó, um cetro se levantará de Israel. Esmagará a cabeça do povo de Moabe e rachará o crânio dos descendentes de Sete. ‘ (grifo nosso). Simão será reconhecido por muitos como “o messias”. Existem preservados fragmentos de suas cartas e moedas com sua imagem e a inscrição “ano I da libertação de Jerusalém”.

Pegos mais uma vez de surpresa, os romanos não demoraram a reagir. A revolta se espalhou em toda Palestina e para muitos era o início de um novo tempo. O próprio Imperador Adriano comandou as tropas na retomada da Palestina. Depois de vários ataques, três anos e meio depois do início, a revolta chegava ao fim. Simão Bar Kokhba fora abandonado pelos rabinos, e mudaram seu nome para “Bar Koziba”, “filho da mentira”. O Rabino Aqiba, mesmo tendo abandonado Simão, foi perseguido, capturado, torturado e assassinado pelos romanos. Em torno de sua morte criou-se a lenda de que até o último suspiro ele repetidamente pronunciava a última palavra do Shema’: ‘ehad, em hebraico, “um”, em referência a Deuteronômio 6.4: “Ouça, ó Israel! O SENHOR, nosso Deus, o SENHOR é único!”. O Rabino Aqiba tornou-se símbolo do israelita que proclama, não importa a circunstância, que Javé é o único Deus. A repressão romana foi ainda mais dura que a anterior. Fala-se em cerca de 800 mil mortos. Jerusalém foi transformada em colônia romana com o nome de Aelia Capitolina e a entrada de judeus na cidade foi proibida. Somente no século IV o Imperador Constantino concederá aos judeus o direito de, uma vez por ano, entrar na cidade. O dia 9 de Ab, dia no qual se chora sobre as ruínas do Templo, no Muro Ocidental, foi a data escolhida para autorizar a entrada de judeus em Jerusalém. Aliás, o Muro Ocidental passou a ser chamado pejorativamente pelos não judeus de Muro das Lamentações.

Conclusão

A judeia muda de nome e passa a se chamar Palestina. Mais uma vez, o povo judeu se vê estrangeiro em sua própria terra, desterrados de sua nação. A partir de então, o judaísmo continuará a se desenvolver na diáspora, particularmente na Babilônia, separando-se mais do mundo greco-romano e se reunindo ao redor da Lei da fé em Javé.

Paralelo às duas revoltas judaicas, acontece o desenvolvimento das comunidades cristãs. A primeira revolta desencadeia uma separação geográfica, ainda que comunidades judaico-cristãs continuassem a existir por um tempo. A partir de 46 d.C., as viagens de Paulo começam a levar o cristianismo para todo o Israel. Em 48 d.C., data provável do “Concílio de Jerusalém”, registrado em Atos 15, a Igreja se abre para o mundo gentio. Ao longo desse tempo, o cristianismo estará em continua expansão, chegando a tomar as bases da sociedade, escravos e soldados, e se estabelecendo com força no centro do império. É o início de outro capítulo de uma nova história.

¹MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 16 de junho de 2021

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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