A sociedade judaica nos tempos de Jesus
Um breve relato sobre estilo de vida, costumes e características da população judaica do século I d.C.
No início da dominação romana a população judaica vivia concentrada sobretudo em três regiões: na Judeia, onde era maioria; na Galileia, onde os judeus viviam juntos com os pagãos; e na Pereia, na região da Transjordânia. A população de origem judaica falava aramaico (língua afim com o hebraico), que fora importantíssima durante a era persa, mas a língua mais usada no Mediterrâneo Oriental era ainda o grego, da qual era possível perceber a influência até mesmo sobre a língua falada em Israel.¹
Vimos nas últimas duas aulas como os principais partidos, movimentos e grupos sociais se articulavam. Para além deles existe uma grande massa de povo que não se encaixa em nenhum desses grupos. Não é possível falar detalhadamente de cada aspecto, por isso abordaremos em dois eixos a presente aula. O primeiro, socioeconômico, e o segundo, a vida religiosa.
Sociedade e economia
Em 6 d.C. a Palestina se torna província romana, perdendo a autonomia e dando fim à dinastia asmoneia e sua guerra de sucessão. Esta perda de autonomia, no entanto, não configurou uma drástica mudança no dia a dia da região. Como era prática dos romanos, foi dada uma ampla autonomia para as autoridades locais. Em linhas gerais, mantinha-se o respeito aos costumes locais. No caso da Judeia, foram mantidos como autoridade o Sumo Sacerdote e o Sinédrio, composto por 71 membros, entre os quais sacerdotes, pessoas notáveis — a quem o Novo Testamento chama de “anciãos do povo”, em sua maioria saduceus — seguidos pelos escribas, de maioria farisaica. O sinédrio era um órgão de governo e de funções jurídicas. Os sacerdotes do Templo eram subdivididos em vinte quatro ordens e eram acompanhados dos levitas.
Se excluirmos os sacerdotes e alguns grandes proprietários de terra, a imensa maioria da população vivia em condição bastante modesta. Discriminados de maneira intensa pelas elites, eram chamados de “multidões ignorantes” e “amaldiçoados!”, vemos isto em João 7.49. Este povo da terra eram dedicados à agricultura e pecuária, maioria de assalariados, trabalhando junto a artesãos, comércio e vendas. A agricultura e pecuária eram mais presentes ao norte, onde se praticava também a pesca no Lago da Galileia. Na Judeia, mais árida, a única prática era economia de subsistência. Muitas das profissões desta “multidão de ignorantes” era tida como impuras. Pastores que se sujeitavam ao trabalho sem dia de descanso ou em contato com animais considerados impuros, ou cobradores de impostos por manusearem dinheiro estrangeiro, dentre outros, não conseguiam conciliar as exigências da lei com a prática de seus ofícios. Com Jesus e seus discípulos este paradigma social da impureza é rompido. Jesus chama cobradores de impostos e pecadores para serem seus seguidores. Pedro, em Atos 9.43, ficou hospedado “na casa de Simão, um homem que trabalhava com couro.”, ou seja, um curtume, considerado um lugar muito impuro.
De forma singular, Jerusalém era uma cidade próspera. O Templo reconstruído por Herodes e a centralidade da fé judaica no Templo fazia com que a cidade sempre estivesse em movimento, com viajantes e circulação de dinheiro. Tal condição não excluía a existência de pobreza, vista na presença de pedintes, bandidos e principalmente de enfermidades como a lepra. A pobreza era intensificada pela carga tributária romana, que terceirizava a cobrança da mesma com os publicanos, que aproveitavam para obter lucros sobre os mais pobres. É dos publicanos que surgem exemplos de conversões como Zaqueu e Mateus.
A vida religiosa
Após as obras de Herodes, o Templo de Jerusalém tornou-se o centro de peregrinação e da vida do judeu. A peregrinação anual para as festas em Jerusalém se consolidou, no mundo judaico, durante o período romano. A população da cidade, estimada em 25.000 pessoas à época, triplicava em dias de festividades do calendário judaico. O Templo, aliás, ocupava boa parte da cidade. O pátio externo, conhecido como pátio dos pagãos, era área de comércio, reservada para a venda de animais para os sacrifícios e outras aquisições ligadas ao culto. No meio, no centro do grande pátio, havia um lugar reservado para o culto, no qual os pagãos não podiam entrar. Havia ali duas placas indicativas que informavam em latim e grego que eles não poderiam entrar ali sob pena de morte. Ainda na área central do Templo existiam dois pátios, um reservado às mulheres e outro aos israelitas, onde as mulheres não podiam entrar. É ali que se erguia o altar dos holocaustos sobre o qual se ofereceriam os sacrifícios cotidianos. No interior deste pátio havia o santuário, um prédio dividido em duas partes. Na mais externa o local onde estavam o candelabro de sete hastes e a mesa dos pães que eram oferecidos a Javé todo sábado e onde também se acendiam, duas vezes ao dia, a oferta do incenso. A área mais interna era o Santo dos Santos, completamente vazio, local onde, no templo de Salomão, ficaria a Arca da Aliança. O sumo sacerdote entrava ali uma vez por ano para a Festa da Expiação, o dia de Kippur.
Ao redor do templo aconteciam as principais festas. A Páscoa, Pesach, em 14 de Nisan (março-abril), uma festa familiar, mas que era aberta com a imolação do cordeiro no pátio do Templo. A Festa das Semanas, a Shavu’ot, que celebração a colheita e acontecia cinquenta dias depois da Páscoa, também recebia o nome de Pentecostes e recordava a revelação de Deus sobre o Monte Sinai. A Festa das Tendas, a Sukkôt, celebrada entre setembro-outubro, rememorava a vida no deserto do povo que saíra do Egito. Outras festividades ocorriam ao londo do ano, já citamos anteriormente a Festa da Hanukkah, que Jesus chegou a celebrar.
Já passamos algumas vezes pela preciosidade e centralidade do sábado na religiosidade judaica. Fora de Jerusalém, outra instituição ganha força e se torna o centro da atividade religiosa. A sinagoga é o coração do povo judeu na diáspora. Nela ocorriam a leitura da Sagrada Escritura, em geral, dois trechos bíblicos, sendo um da Torá e outro de um dos profetas.
Conclusão
A vida na Palestina do século I d.C. se tornou, como em tempos recentes, bastante instável. A presença romana e uma “pax” conquistada a preço de espada não garantiriam uma longa vida de prosperidade na região. É singular notar que, neste período, o dia a dia da sinagoga foi alimentando e preservando a fé e o povo unido. Mesmo distantes do Templo, a oração pessoal e a observância dos preceitos relativos à pureza ritual, comportamento moral e costumes alimentares fizeram dos judeus um povo extremamente unido e facilmente identificável entre os muitos povos. Este modo de vida, de maneira geral, era profundamente sincero e permitiu a sobrevivência do judaísmo mesmo depois das grandes catástrofes nacionais que haveriam de enfrentar em breve, logo após as duas revoltas contra Roma. Mas antes de falar das revoltas, vamos falar um pouco do ambiente político e os sucessores de Herodes.
¹MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017
O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 26 de maio de 2021
Índice das aulas
O índice é atualizado no artigo da primeira lição.