Ele está conosco
Salmo Penitencial: não permaneças distante, meu Deus

¹Ó Senhor, não me repreendas em tua ira,
nem me disciplines em tua fúria!
²Tuas flechas se cravam fundo em mim,
e o peso de tua mão me esmaga.
³Por causa de tua ira, todo o meu corpo adoece;
minha saúde está arruinada, por causa de meu pecado.
⁴Minha culpa me sufoca;
é um fardo pesado e insuportável.
⁵Minhas feridas infeccionaram e cheiram mal,
por causa de minha insensatez.
⁶Estou encurvado e atormentado;
entristecido, ando o dia todo de um lado para o outro.
⁷Meu corpo arde em febre,
minha saúde está arruinada.
⁸Estou exausto e abatido;
meus gemidos vêm de um coração angustiado.⁹Tu conheces meus desejos, Senhor,
e ouves cada um de meus suspiros.
¹⁰Meu coração bate depressa, minhas forças se esvaem,
e a luz de meus olhos se apaga.
¹¹Amigos e conhecidos se afastam de mim,
por causa de minha doença,
e até minha família se mantém distante.
¹²Meus inimigos preparam armadilhas para me matar;
os que desejam meu mal tramam para me arruinar
e passam o dia planejando sua traição.¹³Eu, porém, me faço de surdo para suas ameaças;
como mudo, permaneço calado diante deles.
¹⁴Escolhi nada ouvir
e nada responder.
¹⁵Pois espero por ti, ó Senhor;
responde por mim, Senhor, meu Deus.
¹⁶Orei: “Não deixes que meus inimigos zombem de mim,
nem que se divirtam com minha queda”.
¹⁷Estou à beira de um colapso;
enfrento dor constante.
¹⁸Confesso, porém, minha culpa;
sinto profundo lamento do que fiz.
¹⁹Meus inimigos são muitos e fortes;
eles me odeiam sem razão.
²⁰Pagam o bem com o mal
e opõem-se a mim porque procuro o bem.
²¹Não me abandones, Senhor;
não permaneças distante, meu Deus.
²²Vem depressa me ajudar,
ó Senhor, meu salvador!Salmo 38
Este Salmo pertence a um grupo de Salmos escritos no mesmo estilo literário, ao qual chamamos Salmo Penitencial. Trata-se de um lamento pessoal do salmista referente a uma circunstância específica. No Salmo 38, Davi está sofrendo de uma enfermidade, e ele atribui ao pecado e a culpa a razão de seu sofrimento. Ele invoca ao Senhor para obter alívio de sua imensa dor. Há, na expressão do salmista, uma grande dor o consumindo e esta é a razão de sua súplica. Ele já não a suporta, é consumido física e espiritualmente por conta de sua culpa e pecado. Vamos olhar atentamente para sua estrutura e compreender melhor essa petição.
O título do salmo não nos dá muitas pistas. É um salmo atribuído a Davi e colocado como um salmo de petição. O Targum — tradução para o aramaico da Bíblia Hebraica — o associa à oferta memorial diária, registrada em Levítico 6.8–13. Já a Septuaginta — tradução para o grego da Bíblia Hebraica — o associa à oferta memorial sabática. A oferta memorial era o sacrifício oferecido a Javé como expiação dos pecados dentro de um determinado propósito. Em sua estrutura, podemos dividi-lo assim:
- Clamor: verso 1: O início do salmo é idêntico ao verso 1 de outro salmo penitencial, o 6. Diante da ira de Javé, o salmista sabe que será punido, por isso clama.
- Enfermidades: versos 2–8: o salmista descreve a consequência de seu pecado e como ele afeta seu corpo: o corpo adoece, a saúde está arruinada, a culpa sufoca, o fardo é pesado e insuportável, as feridas infeccionaram e cheiram mal, o corpo está encurvado e atormentado, ele está entristecido, arde em febre, exausto, abatido e angustiado. A lista é grande e revela o quanto o seu erro o faz sentir, em seu corpo, o peso de seus pecados e as consequências dele.
- Abandono: versos 9–20: repleto de enfermidades, o salmista se vê isolado. Os amigos e conhecidos se afastaram, a família se mantém distante. Há aqui uma dúvida que permanece até hoje: eles se afastaram pela natureza repulsiva das enfermidades ou, porque sabiam que a enfermidade era pecado não confessado? Seja qual for, a solidão e o abandono faziam parte de sua vida agora.
- Apelo: versos 21–22: o salmista encerra seu clamor pedindo que Javé venha o socorrer imediatamente. Ele não suporta mais sua dor. Seu corpo e sua alma sofrem. Ele precisa ser restaurado.
Precisamos, como cristãos, reler este salmo à luz da graça de Deus manifesta em Cristo Jesus para não incorrermos no erro grave já cometido, e que ainda se comete, de associar pecado e enfermidade. A conexão pecado com enfermidade afasta e isola ainda mais o enfermo, sendo ser nosso ministério, como cristãos, visitar e cuidar dos enfermos. Portanto, debaixo da graça de Jesus Cristo, não há pecado sem perdão. Todo pecado é perdoado e as consequências de nossos pecados não se tornam fardos, mas sim circunstâncias que enfrentaremos até que a eternidade nos abrace. O salmista está expressando que seu pecado o levou à enfermidade. Sim, isso é possível e acontece. Muitos são os pecados que conduzem a enfermidades e nosso corpo sofrerá a consequência disto. Não podemos jamais discriminar ou acusar ninguém diante de uma enfermidade. Tão pouco tirar conclusões simplistas sobre a enfermidade de alguém. Nosso corpo é complexo, nossa mente também, e os caminhos que nos levam a cometer erros que trazem consequências à nossa saúde são muitos. O salmista estava reconhecendo seu erro, seu pecado e sofria com o distanciamento e acusações que recebia.
Diante da dor e do sofrimento, ainda haviam pessoas que se ocupavam em apontar dedos e condenar: “Meus inimigos preparam armadilhas para me matar; os que desejam meu mal tramam para me arruinar e passam o dia planejando sua traição.”. Diante da postura de inflamar e condenar das pessoas, o salmista permanece firme no Senhor “Eu, porém, me faço de surdo para suas ameaças; como mudo, permaneço calado diante deles.”. Ele não revida as provocações, antes, se coloca quieto diante de seus inimigos e confiando que Deus tem o melhor para ele. Quando reconhece seu pecado como fonte de seu sofrimento, o salmista não fica se queixando pelos cantos, se fazendo de vítima das circunstâncias. Ele sabe que somente Javé pode solucionar seu mal e a ele recorre de imediato. Dizer “Deus está conosco” é algo natural. Todo cristão sabe que Deus está com ele, o tempo todo. Viver o “Deus está conosco” é outra história. Nem todo cristão consegue perceber que o reconhecimento, o pedido de perdão e arrependimento são passos diários que damos em direção ao centro da vontade de Deus para nós. Ao comentar este salmo, a Bíblia de Estudo Desafios de todo Homem, da Editora Mundo Cristão, afirma: “Seria sábio de nossa parte aprender com o sofrimento, em vez de nos deixarmos destruir por ele”. Ao apresentarmos nossos pedidos de oração diante do Senhor, tenhamos a convicção de que estamos vivendo sua vontade e que sua graça é maior que qualquer pecado. Confessemos nossos pecados e apresentemos a ele nossas queixas, certo de que ele está conosco e não nos abandona jamais.
O presente texto foi escrito para a aula de Escola Dominical da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, em 19 de março de 2021
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O índice é atualizado no artigo da primeira lição.