​Fariseus, escribas, saduceus e zelotes

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
6 min readMay 5, 2021

Os movimentos religiosos, partidos e correntes

Ao ler o Novo Testamento nos deparamos várias vezes com nomes como “fariseus”, “saduceus”, “herodianos”, “zelotes”, “escribas”. Desde a época dos Macabeus, o judaísmo encontra-se subdividido em vários grupos sociais, políticos e religiosos, com frequência diferentes uns dos outros, o que atesta a existência de um real pluralismo no interior do judaísmo daquele tempo..¹

Fariseus, saduceus, herodianos, zelotes e escribas. Ao ler o Novo Testamento nos deparamos com o nome de movimentos religiosos, partidos e correntes que fazem parte da realidade judaica deste antes do período dos Macabeus. Apenas a citação a estes nomes já nos revela que há uma diversidade de pensamentos e entendimento a respeito do judaísmo no primeiro século antes de Cristo. Vamos compreender este universo diverso e contrários entre si. O historiador Flávio Josefo identifica três grandes movimentos no judaísmo: fariseus, saduceus e essênios. Posteriormente ele acrescentará a este grupo os zelotes.

Fariseus

Os fariseus são identificados por Josefo, um fariseu, como aqueles que procuravam viver em plena conformidade com a Torá. Eram mais fiéis às tradições do judaísmo e profundamente conformado com a Lei mosaica. O termo “fariseu” tem origem controversa. A mais aceita é que vem do hebraico pherushim, em aramaico pherisshayya, que significa “separar”. Lendo os evangelhos podemos mesmo chegar à conclusão de que eram separados dos impuros. Entre eles se chamavam de haberim, “companheiros”, ou hakhamim, “sábios”, que revelava outra característica do grupo: sua unidade e coesão.

Qual a origem? Difícil definir. Há quem indique o grupo de escribas no exílio e pós-exílio. O provável é que tenha ganho corpo e coesão na época dos Macabeus, ligados aos hasidim, os piedosos, referenciados em 1Macabeus 2.42. Ajudaram a tomada do poder pelos Macabeus e se afastaram da política asmoneia por um bom tempo, até pelo menos o governo de Alexandra Salomé. No Novo Testamento formavam um grupo relativamente pequeno (6.000, segundo Flávio Josefo), pertencente majoritariamente à classe alta da sociedade e não envolvidos com as classes sacerdotais, porém, profundamente influentes na época.

Uma das marcas do farisaísmo, além da fidelidade minuciosa aos preceitos da lei, era sua fidelidade pela tradição oral. Sobre eles, Marcos 7.3–4 afirma

Pois todos os judeus, sobretudo os fariseus, não comem sem antes lavar cuidadosamente as mãos, como exige a tradição dos líderes religiosos. Quando chegam do mercado, não comem coisa alguma sem antes mergulhar as mãos em água. Essa é apenas uma das muitas tradições às quais se apegam, como a lavagem de copos, jarras e panelas.

Algumas de suas práticas, no entanto, não poderiam ser vistas como mero legalismo, já que faziam parte da realidade de todo judeu do primeiro século. O que torna o fariseu um legalista é seu apego às várias normas de conduta que visavam separá-los dos demais pecadores, dos pagãos, dos mais simples que não observavam, como eles, as Leis. É deste período uma oração atribuída ao rabi Nehunya b. Ha-Qana, registrada assim no Talmude:

Agradeço-te, Senhor meu Deus, porque me destes a minha parte entre aqueles que se assentam na casa do ensinamento (a escola da sinagoga) e não entre aqueles que se assentam nas esquinas das estradas. Eu, de fato, me levanto cedo; também esses se levantam cedo. Eu me levanto cedo para as palavras da Lei; esses se levantam cedo para coisas fúteis. Eu me fatigo e recebo recompensa. Eu corro; também esses correm; eu corro para a vida do mundo futuro, mas esses correm para a fossa da perdição (Talmude bab., Ber. 28b).

Embora profundamente rígidos em seus usos e costumes, os fariseus tinham certo apreço pelas inovações teológicas e gostavam de debatê-las profundamente. Diferente dos saduceus, como veremos mais à frente.

Do ponto de vista político os fariseus eram “neutros”. Aqui precisamos entender o termo não como apolítico ou em cima do muro, mas como aqueles que observavam a política única e exclusivamente pelo viés religioso.

No Novo Testamento, fariseu vira quase que um sinônimo para hipócrita. Todo o embate com Jesus e, posteriormente, com os primeiros cristãos, tornaram os fariseus como pessoas não bem-vistas pelos seguidores de Cristo. Posteriormente seriam os fariseus que, após o fim político da nação de Israel, permaneceriam como guias espirituais, lançando as bases do judaísmo como o conhecemos hoje.

Escribas

Ao lado dos fariseus temos um grupo menor, mas não menos relevante. Os escribas constituíam uma elite letrada e versada para a interpretação e ensinamento da Lei mosaica. São chamados pelos autores do Novo Testamento de “mestres” ou “doutores da Lei”, títulos bem condizentes com suas atribuições. Sua origem remonta ao exílio, mas se consolidam, como os fariseus, no período helênico. Se para os fariseus a Torá era a base de vida, a interpretação da mesma era fundamental para a vivência da Lei, por isso a importância dos escribas para os fariseus. Diferente dos fariseus, não era o fato de ser filho de um escriba que te daria esta função. A frequência e os estudos em escolas com mestres renomados fariam do aluno um escriba, ele seria reconhecido por seus pares como um “Doutor na Lei”. A estes, o povo se referia como rabbi, “meu senhor”, de onde vem a palavra rabino. Os escribas foram fundamentais na preservação da história e literatura judaica no período helênico.

No tempo de Jesus, os rabinos tinham prestígio e admiração do povo. Eram sábios que exerciam a função de professores e juízes. Muitos dos debates apresentados nos evangelhos ecoam os debates rabínicos das duas principais escolas da época: Hilel e Shammay. É neste período que nascem os textos rabínicos como Mishnah e Talmude, que até hoje norteiam a fé judaica, apresentando as tradições rabínicas, decisões jurídicas, morais e religiosas, e os comportamentos e as interpretações acerca da Escritura.

Saduceus

O nome “saduceu” deriva de Sadoc, chefe da família sacerdotal na época de Salomão. Os saduceus foram a família sacerdotal mais importante de Israel e, até a chegada ao poder da dinastia asmoneia, era deles que vinham o sumo sacerdote. Com os asmoneus, a família foi retirada do sumo sacerdócio, mas não perdeu sua força entre os sacerdotes e influência na sociedade.

Os saduceus eram formados pela alta classe sacerdotal de Jerusalém, com muito mais influência política que os fariseus. Eram profundamente ligados à tradição das escrituras e rejeitavam a tradição oral, adotada largamente pelos fariseus. Fechados e conservadores, rejeitavam novas leituras teológicas acerca do judaísmo. A habilidade política dos saduceus garantiram a preservação de seu status social com os asmoneus e, depois, com Herodes e com os romanos. Sua forte influência política não se refletia em influência com o povo, que eram mais afeitos aos fariseus. No julgamento de Jesus é possível identificar o elemento político das acusações justamente pela presenta dos saduceus nele. Em 70 d.C., após a queda do templo de Jerusalém, os saduceus e toda a classe sacerdotal desaparece do judaísmo.

Zelotes e sicários

Dentre os fariseus havia um grupo mais extremista, profundamente apaixonados pela liberdade, convictos de que só Deus é o guia e Senhor de Israel e profundamente influenciados por tendências apocalípticas, rejeitando toda e qualquer dominação política sobre a região. Flávio Josefo localiza em depois de 6d.C. o nascimento do movimento zelote, palavra oriunda do zelo extremo que possuíam pelas escrituras e tradição oral. Um dos expoentes do movimento foi Judas de Gamala, chamado em Atos 5.37 de Judas o Galileu. A proposta dos zelotes para Jerusalém era simples e direta: recusar qualquer dominação estrangeira usando a luta armada como método. Do ponto de vista religioso, os zelotes consideravam a dominação de Israel fruto do pecado da nação, agravado pela conivência neutra dos fariseus e saduceus, acusando-os de favorecer o invasor.

Aliados aos zelotes havia um outro grupo que portavam sempre um punhal consigo, usado para matar funcionários romanos e judeus colaboradores de Roma: os sicários. O nome vem da palavra latina para o tipo de punhal que usavam, sica. Ao lado dos zelotes, os sicários se consideravam o verdadeiro Israel, o que gerava oposição dos fariseus. São estes dois grupos que darão os primeiros passos nas revoltas de Israel contra Roma. Entre os discípulos de Jesus temos Simão, o Zelote, um partidário deste grupo extremista do século I.

Conclusão

Movimentos, partidos, correntes que permeiam o cenário político de Israel nos dias de Jesus são parte de um cenário complexo e em constante transformação na Palestina. A diversidade, no entanto, não se fecha apenas às questões políticas. Ainda temos os movimentos advindos da literatura de Henoque e a literatura apocalíptica, os essênios e a comunidade de Qumram. Todos estes serão tema do nosso próximo encontro.

¹MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 5 de maio de 2021

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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